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ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

"Os hackers não são todos criminosos. Devíamos contratar os melhores para as nossas democracias"

Autor de best-sellers sobre inovação, pirataria informática, fundador do SmartUp Life e professor em São Francisco. Para Jonathan Littman, os hackers têm talento criativo que devia ser aproveitado.

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Encontramos Jonathan Littman num hotel em Belém, antes de começar umas férias em Portugal e de participar num laboratório imersivo sobre Design Thinking, em Aveiro. Autor de vários livros sobre inovação e pirataria informática — incluindo os dois best-sellers “A Arte da Inovação” e “As Dez Faces da Inovação”, que escreveu em coautoria com Kelley, da IDEO — Jonathan Littman é professor na Universidade de São Francisco, onde dá aulas sobre criatividade, inovação e design aplicado. Ao Observador, explicou porque lançou o projeto editorial SmartUp Life, que “o lado negro das startups” é alimentado pelo “muito dinheiro” que vem com o “crescimento exponencial” e que o papel dos jornalistas é mostrar aos leitores “onde está a luz”.

Sobre os livros que escreveu sobre dois dos hackers mais famosos dos EUA — Kevin Poulsen e Kevin Mitnick —, disse que os piratas informáticos acabam por ser “juízes das vulnerabilidades humanas” e que “os EUA e restantes países deviam contratar os melhores para as nossas democracias”. “O problema é que não pegámos nestes hackers e pusemo-los ao serviço das boas causas. Muitas vezes, ostracizámo-los ou pusemos-lhes um rótulo, quando, na verdade, eles têm um talento criativo”, acrescentou, numa altura em que tanto se fala do casoportuguês de Rui Pinto e Luanda Leaks. Quanto aos empreendedores portugueses que querem ir para São Francisco, deixou um conselho: sejam a “pessoa das vendas”, aquela que angaria clientes e que tenta captar investidores.

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ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

“Não há histórias suficientes sobre falhanço, falamos do lado de fora e não do lado de dentro”

Por que decidiu lançar a SmartUp Life?
Escrevi vários livros sobre inovação e senti em São Francisco (e mais tarde em Lisboa) uma mudança na direção que os empreendedores e startups estavam a tomar. Estava a dar aulas a empreendedores numa escola de negócios internacional, em São Francisco, a trabalhar com empreendedores portugueses e internacionais e percebi que queria escrever coisas todas as semanas. Adorava livros e artigos jornalísticos mais longos, queria ser capaz de escrever sobre aspetos muito particulares da inovação e empreendedorismo, que podiam estar relacionados com design ou modelos de negócio ou apenas captar o espírito internacional de um fundador. Estava em São Francisco e mais tarde levei isto para a estrada. Vim à Web Summit e fui a outros 13 países europeus.

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Sentia que fazia falta algo deste género?
Sim, olhava para a criatividade e inovação de um ponto de vista holístico. Escrevo livros, dou seminários de inovação e dou aulas. Acabei agora de dar aulas sobre inovação e design aplicado numa aula internacional, em São Francisco, e o SmartUp Life faz parte dessa disciplina. Os meus livros também fazem parte. Criei estas coisas a partir dos meus estudantes, clientes, de mim próprio. Mas acho que as coisas estão a acontecer tão rapidamente agora que, enquanto escritor e observador, para mim, foi importante ser capaz de fazer peças muito curtas sobre uma pequena parte muito específica do empreendedorismo. Encontrámos tantas novas ideias na Europa que, se olharmos para o que aconteceu há um ano, percebemos que é um passado muito distante.

Os jornalistas estão a fazer um bom trabalho a cobrir o ecossistema de empreendedorismo?
Alguns estão a fazer um bom trabalho. Sempre fui um contador de histórias e um escritor de narrativas, por isso escrevi 10 livros. Acho que seria valioso ter mais jornalistas a escrever sobre o caráter das pessoas, porque em São Francisco — e talvez aqui em Lisboa também — sentimos que são as características humanas de um fundador que os distinguem. Não se trata apenas da avaliação da empresa ou se têm investidores famosos ou se os produtos parecem interessantes. São os fundadores e as equipas que têm a dinâmica para chegar ao sucesso. Enquanto jornalista, isto é um trabalho mais duro de se fazer, é parte do que faço e do que tu fazes também. Acho que é um pouco fácil fazer histórias mais pequenas e superficiais.

Venho de um passado onde fiz muito trabalho de investigação jornalística, acabei de escrever uma história sobre o Google Waze. Descobri coisas importantes, como o facto de estar a prejudicar as cidades. Nos EUA, em muitas cidades, o Waze prejudicou bairros. Falamos de coisas disruptivas que são boas, mas também podem ser más. E há bairros que estão cheios de trânsito, dos quais as pessoas quase nem conseguem sair de casa. Acho que o trabalho do jornalista, hoje, é distanciar-se um pouco das grandes tecnológicas e não aceitar a propaganda que lhe dão. A maioria das empresas, sobretudo as tecnológicas, quando têm muito dinheiro, têm mais relações públicas e contam muitas vezes uma história. A Uber disse que ia reduzir poluição e trânsito e os factos dizem o oposto: aumentaram o trânsito e, em São Francisco, aumentou a poluição. Acho que o nosso trabalho é cavar e encontrar especialistas e descobrir estas novas verdades, porque são, regra geral, em novas áreas. E, por isso, não há uma verdade estabelecida sobre estas coisas.

"A criatividade e a inovação começam com a curiosidade e as minhas histórias favoritas são aquelas em que o empreendedor tem empatia, o que significa que tem paciência e se preocupa em ver a dor da outra pessoa. Pode ser uma dor muito importante"

Qual pode ser a solução para a crise de sustentabilidade dos media?
Vai haver uma nova publicação da Medium, mais virada para negócios, a Marker. Quem a vai editar é a pessoa que era editora-executiva da Inc. Magazine, vai ser uma revista online paga e estão a contratar jornalistas seniores para fazer jornalismo. É uma espécie de startup, mas a Medium tem mais de 100 milhões leitores mensais e estão a tentar escalar a nível global. Escrevi para a revista da Playboy e tive a sorte de receber grandes somas de dinheiro para escrever sobre desporto, era noutra área. Uma das razões pelas quais a revista pagava muito dinheiro era porque tinham 3,5 milhões de subscritores pagantes.

A minha esperança é a de que o mundo seja grande o suficiente para que as publicações de qualidade tenham jornalismo e histórias de qualidade, que vão envolver modelos de negócio nos quais se paga para ler. Há uma grande diferença entre jornalistas e amadores. Acho que as pessoas estão a começar a perceber que há muito conteúdo inferior. Grande parte deste jornalismo tecnológico diário que encontro é muito superficial e imitador [uns dos outros]. Não há muitas diferenças, quase que pode ser feito por máquinas. E vai ser feito por elas em breve.

Os jornalistas vão ser substituídos por máquinas assim tão rapidamente?
Acho que, em dois anos, vai haver histórias muito primitivas sobre os resultados económicos de uma empresa ou sobre o mercado de ações, que serão feitas por máquinas. Já está a aproximar-se, porque tudo isto se baseia em puxar informação dos dados. A inteligência artificial tem modelos sobre como escreves histórias e isto é o motivo pelo qual acho que o jornalismo deve ir noutra direção. A inteligência artificial não consegue contar uma história de forma criativa. Pode desenvolver a fórmula para uma notícia, mas criar uma história de forma criativa está provavelmente a 50 anos de distância.

Para ser boa, o que tem de ter uma história de inovação?
Regra geral, tem de ter alguém que é muito curioso. A criatividade e a inovação começam com a curiosidade e as minhas histórias favoritas são aquelas em que o empreendedor tem empatia, o que significa que tem paciência e se preocupa em ver a dor da outra pessoa. Pode ser uma dor muito importante. Um dos meus empreendedores favoritos em França ganhou a Web Summit há dois anos: o irmão, que é diabético, quase morreu porque a sua insulina foi congelada. Esta dor levou-o a criar um frigorífico muito pequeno, que nunca tinha sido desenhado antes. É um caso que começa com uma dor — a dor do irmão e de milhões de pessoas –, e um produto com significado, que teve de ultrapassar muitos obstáculos. Falhou uma campanha [de crowdfunding] da Kickstarter antes da Web Summit, teve muitas rejeições e tinha mais de 50 anos.

Acho que se tens uma dor e depois tens este arrojo criativo… Mas depois, como sabes, o que separa as startups de sucesso das outras é aquilo a que chamamos de prototipagem, é a experimentação, o trabalho árduo. Porque entre a ideia e o produto ou serviço  que as pessoas compram há fracassos e isso é o que é inspirador nos empreendedores.

Startup que venceu concurso da Web Summit “nem sabia que havia um prémio em dinheiro”

"O falhanço é muito visto a partir de uma lente cultural. Em português, diz-se "fracasso" e até a palavra soa pior. Disseram-me que, na Alemanha, é ainda pior. Em alguns países, é como se estivesse sempre escrito na tua testa: mesmo quando tens sucesso, tiveste aquele falhanço há 10 anos"

Tem sempre tudo a ver com as pessoas.
Sim. Conheces muitas pessoas que ultrapassaram obstáculos tremendos.

Falou em fracassos, que também são histórias, certo? Acredita que cobrir histórias de falhanço, de negócios que não sucedem, ajuda a combater a o estigma?
É uma ótima pergunta. Para ser honesto, acho que devia escrever mais histórias sobre falhanços. Regra geral, só escrevemos histórias sobre falhanços quando há falhanço, falhanço, falhanço e depois sucesso. Geralmente, não escrevemos uma história apenas sobre falhanço. Acho que é uma coisa que eu próprio devia fazer mais vezes. O falhanço é muito visto a partir de uma lente cultural. Em português, diz-se “fracasso” e até a palavra soa pior. Disseram-me que, na Alemanha, é ainda pior. Em alguns países, é como se estivesse sempre escrito na tua testa: mesmo quando tens sucesso, tiveste aquele falhanço há 10 anos.

Acho que muitas das pessoas com quem trabalho e que vão a São Francisco abrem as suas mentes. Há um termo que utilizamos e que se chama “flearning”, porque failure is a learning experience [em português, quer dizer que o falhanço é uma experiência de aprendizagem]. Mas isto é uma coisa mesmo muito humana e não podes dizer a alguém para estar ok com o falhanço. Tem de se adaptar. O problema é que não há histórias suficientes, estamos a falar do lado de fora e não do lado de dentro.

Devíamos estar mais do lado de dentro?
Uma das coisas que todos podíamos melhorar é: tendemos todos a falar das histórias dos gigantes, das startups gigantes, e devíamos ter mais histórias sobre as mais pequenas. Porque 95% das startups não vão ser gigantes, mas são muito importantes. Acho que nas histórias focamo-nos demasiado nas que são cinemáticas — aquelas que dariam um filme ou um livro –, quando, às vezes, precisamos dos pequenos episódios.

"O lado negro das startups é quando crescem exponencialmente: há muito dinheiro por ali e há pessoas que estão puramente interessadas em dinheiro e não na comunidade ou sociedade. Tenho esperança, porque acredito que os jornalistas e os media têm aqui um papel muito importante em mostrar onde está a luz"

Escreveu “The Art of Innovation” em 2001 e muita coisa mudou desde então. Hoje, qual é a arte?
Esse foi o primeiro livro que escrevi com a IDEO [empresa global de design e inovação]. Para mim, o que mais me entusiasma enquanto autor é que conheço, agora, jovens empreendedores que têm qualquer coisa como 22 e 24 anos que acabaram de ler estes livros. Acho que é por terem mais a ver com o potencial humano, os livros ainda são muito relevantes para as pessoas. Tenho muita sorte porque, sobretudo em Silicon Valley, toda a gente tem tecnologia, ela está por todo o lado, mas a tua equipa, o teu modelo de negócio, a dinâmica em que trabalham juntos é o que separa uma empresa de outra.

Ter trabalhado muito pelo mundo fez-me ver algumas coisas. Em Varsóvia (Polónia), por exemplo, percebi que tinham tecnologia maravilhosa lá, mas a maioria das pessoas não fazia sequer ideia de como devia criar um modelo de negócio, contar uma história ou como criar essa dinâmica na equipa de uma startup. E acho que isso é aquilo em que mais nos focamos. Tenho um novo livro sobre empreendedores e acho que há vários tipos de empreendedores, tal como há vários tipos de inovação. Há o “outsider” ou o “acidental” e eles chegam a determinados pontos com uma psicologia diferente. Há uma forma diferente de olhar para eles, não somos máquinas. As startups têm ainda mais a ver com a dinâmica humana do que as empresas tecnológicas tradicionais.

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ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Em termos de inovação, não deveriam existir mais barreiras no que pode ou não ser feito?
É uma boa questão… Na Europa, acho que a ideia de perceber que as comunidades importam está mais avançada. E em termos de privacidade, o RGPD, este assunto que temos estado a falar… As cidades têm uma voz. Em São Francisco e em algumas partes de Nova Iorque, houve esta ideia de mercado livre, tecnologia livre. Mas depois também vimos, com o Facebook, que algumas coisas não correram bem para nós [referindo-se ao caso Cambridge Analyitica]. Com o Twitter também vimos isso. E acho que estamos a entrar numa nova fase, não apenas nos países, mas as cidades estão a ter um papel mais forte, porque há um entendimento de que a tecnologia nem sempre é boa. Acho que vamos precisar de mais cidades proativas e de cidadãos proativos.

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Lembro-me de que o ano de 2017 foi difícil para São Francisco, com as denúncias da broculture [cultura de trabalho sexista] e da agressividade de algumas empresas. Aprenderam alguma coisa com o que se passou ou está tudo igual?
De um lado positivo, há mais pessoas jovens envolvidas em startups devido às causas que defendem. Um dos nossos arquétipos de empreendedores [para o novo livro] é o guardião — alguém que vai com uma missão, que pode ser social ou ambiental, que prefere estar numa startup que vai tirar o plástico do planeta, por exemplo. O lado negro das startups é quando crescem exponencialmente: há muito dinheiro por ali e há pessoas que estão puramente interessadas em dinheiro e não na comunidade ou sociedade. Tenho esperança, porque acredito que os jornalistas e os media têm aqui um papel muito importante em mostrar onde está a luz.

Agora que se soube tudo o que se soube sobre o Travis [Kalanick, polémico fundador da Uber], é um pouco mais difícil ser o próximo Travis, porque vai ser reconhecido na primeira passada que der. Com o movimento #MeToo e outros também se tornou bastante óbvio que se as pessoas disseram algo mau num email ou numa mensagem, isso eventualmente vai saber-se. Acho que isto é uma coisa boa. Para mudar comportamentos de uma forma mais ampla, acho que vão ter de existir mais exemplos de empresas positivas, que são a antítese de Travis.

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Mas foi bom haver esta momento de exposição. 
A Uber fez 10 coisas erradas, não foi só o Travis. Houve coisas ilegais contra os clientes, os motoristas. Acho que com as redes sociais vimos que uma empresa que comete um erro pode ter um problema muito, muito grande e sofrer uma grande mudança.  Vimos isto com as empresas de cigarros eletrónicos, as pessoas estão a morrer. E era uma nova tecnologia, de uma nova startup, um unicórnio. Há um potencial em massa para crescer rápido, mas também há um potencial em massa para perder o valor total de uma empresa em meses.

Isso aconteceu com a Theranos.
Sim. Mas aí ela própria [Elizabeth Holmes] acreditou na ficção.

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“Os EUA e restantes países deviam contratar os melhores hackers para as nossas democracias”

Escreveu dois livros sobre piratas informáticas.
Sim, quase que me tornei eu próprio num hacker (risos).

"Acho que [os hackers] mostraram que — antes de a inovação se tornar popular e de as startups começarem a ser populares — eles conseguiam ver uma estrutura tradicional, detetar-lhes uma fraqueza e explorá-la. Eram juízes das vulnerabilidades humanas, que ainda é, provavelmente, a maior vulnerabilidade da tecnologia"

O que foi mais surpreendente no decorrer desse trabalho?
Foi interessante. Os dois hackers eram de Los Angeles e um deles tornou-se muito cedo no hacker mais famoso de sempre, o do livro “The Fugitive Game: Online With Kevin Mitnick”. Ele teve a sua fotografia publicada na primeira página do The New York Times duas vezes e agora dá talks pelo mundo todo, por 20 mil dólares. Quando olho para trás, percebo que foram muito inovadores e muito criativos. Havia uma parte mais criminosa e outra tinha mais a ver com mexer com o sistema. Mas acho que mostraram que — antes de a inovação se tornar popular e de as startups começarem a ser populares — eles conseguiam ver uma estrutura tradicional, detetar-lhes uma fraqueza e explorá-la. Eram juízes das vulnerabilidades humanas, que ainda é, provavelmente, a maior vulnerabilidade da tecnologia. Mesmo que tenhas uma ótima tecnologia, podes ter milhares de pessoas a trabalhar para ti, que basta um hacker encontrar uma ou duas vulnerabilidades…

Acha que os hackers são precisos na sociedade? Porque representam tudo o que a internet não resolve, como a vulnerabilidade humana.
Ainda interpreto os hackers de uma perspetiva mais abrangente, na qual não são todos criminosos. Quando tens um hackathon num dia ou fim de semana, juntas pessoas num brainstorming e a prototipar coisas. Os hackers resolvem esses problemas. Acho que isso, por si, pode ser bom, mas o problema é que não pegámos nestes hackers e pusemo-los ao serviço das boas causas. Muitas vezes, ostracizámo-los ou pusemos-lhes um rótulo, quando, na verdade, eles têm um talento criativo.

Qual é a sua opinião sobre Edward Snowden e Julian Assange?
São muito diferentes e não sou fã de Julian Assange, porque acho que ajudou a eleger o nosso atual presidente [Donald Trump]. Acho que há uma diferença entre ser um jornalista ou ser um provocador, alguém que injustamente influencia eleições. Precisamos de eleições e precisamos de democracia. Acho que estas são as perguntas muito duras… [risos]. Não sei se tenho a melhor resposta. Acho que há dois lados para o Snowden. Vê quem está a protegê-lo, é o Putin. E Putin roubou as nossas eleições, não é um amigo da democracia. Acho que é muito complicado.

Parece mesmo que a próxima grande guerra vai ser uma ciberguerra.
Os russos são muito bons nos assuntos relacionados com serviços de informação. São muito sofisticados. Os chineses não estão sequer perto do nível de sofisticação dos russos. Os russos têm matemáticos e engenheiros brilhantes e têm a historia da KGB. E é por isso que digo que os EUA e os restantes países deviam contratar os melhores hackers para as nossas democracias.

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“Os investidores tendem a investir mais em alguém que possa ter tido dois pequenos fracassos”

Voltando aos empreendedores e às startups, há uma receita para o sucesso?
Acho que o empreendedor quer ser um atleta inspirador. E esse é um dos nossos arquétipos [no novo livro], o atleta. O empreendedor tem de ser capaz de se ajustar em microssegundos, em tempos diferentes, no gelo, etc.. Acredito que o que distingue os empreendedores é que eles são testados na adversidade. Isto é o motivo pelo qual os investidores em capital de risco tendem a investir mais em alguém que possa ter tido dois pequenos fracassos, porque é muito raro conseguires lidar com esta adversidade na primeira vez. Mas se o fizeres duas ou três vezes e aprenderes, isso é empreendedorismo que se aprende fazendo.

Um empreendedor pode ter 100 coisas para fazer, pode ser muito bom em 20 dessas coisas e tem de descobrir como vai ser suficientemente bom nas outras 80. E nunca fez nada disto antes. A única coisa que te posso dizer é que sou um fiel crente dos imprevistos preparados, quando as pessoas se preparam para improvisar de diferentes formas. Quando dou talks, preparo-me para ser capaz de ir em diferentes direções. Só chegas a este ponto com improvisação preparada. E é por isso que para os verdadeiros empreendedores, com um nível mais elevado de risco, isto é duro.

Quais são os grandes desafios dos portugueses que vão para os EUA?
Um dos grandes desafio é que, regra geral, se se tratar verdadeiramente de uma startup, o fundador tem de ser a pessoa que dá a cara pelas vendas, ou seja, a que angaria clientes e a que está também a tentar vender a empresa. O fundador tem de ir para os EUA. Se quer escalar a sua empresa, muito provavelmente terá de ir para São Francisco e ser a cara [do negócio]. Acho que os portugueses são muito bons, porque é um país muito pequeno, com 10 milhões de pessoas, e os empreendedores portugueses espertos sabem que têm de escalar. Não são como os alemães, que têm um mercado local bastante grande, ou os franceses. Estes podem pensar que crescem, primeiro, em França primeiro ou na Alemanha e só depois é que se movem. Os portugueses, provavelmente, se forem ambiciosos, sabem que vão para São Francisco. Há 300 milhões de pessoas na América e noutros mercados.

Outro grande desafio é que não podes ir só uma vez, não podes ir duas vezes. Um dos melhores empreendedores que conheço fingiu que vivia em São Francisco quando ainda estava a voar para trás e para a frente a cada duas ou três semanas. E a razão pela qual fingia que estava a viver lá era porque as pessoas não te levavam a sério se dissesses que vinhas de Lisboa e depois não aparecesses durante seis meses. Ele pura e simplesmente fingiu, porque tens de fazer amigos e contactos.

No meu novo livro tenho um capítulo só sobre lugares. Então, o lugar é a minha palavra para ecossistema. Lisboa é agora um novo grande lugar e o lugar, claro que é o ecossistema, mas também é a cultura. É a mentalidade. Acredito que tu e eu criamos os nossos próprios lugares. Tenho um lugar aqui em Lisboa, outro no Porto. Criamos um lugar nos lugares que são importantes para nós. Se quiseres mesmo ser um empreendedor português em São Francisco, tens de dizer que aquele vai ser o teu lugar e tens de ser simultaneamente ambicioso e generoso. Porque se as pessoas acharem que estás só a tirar, as portas fecham-se. Se fores generoso, interessado e tiveres boas ideias, podes encontrar pessoas tão depressa que nem vais acreditar.

"Acho que o Twitter, por exemplo, degradou o discurso público e, com poucas palavras, trouxe muita negatividade e violência. Acho que alguns elementos desta escala têm um lado muito negro. Economicamente, é aquilo que sabemos. Os smartphones, a internet, a economia global tornou muito fácil escalar as coisas"

Lisboa devia tentar ser mais como Silicon Valley ou devia focar-se em ser ela própria?
Há razões histórias e económicas sobre o porquê de Silicon Valley e São Francisco serem muito centrais. São Francisco tornou-se muito mais importante por causa das startups, por as startups terem pessoas mais jovens, dos 22 aos 37 anos, enquanto que as empresas tecnológicas mais antigas são maiores, mais estáveis e têm uma geração mais velha. Por isso, existe o ecossistema de São Francisco e depois o de Silicon Valley e isto é uma coisa orgânica. O Governo de Portugal não pode declarar que vamos ser esse ecossistema de startups. E a pior coisa que podes fazer é tentar ser uma coisa que não és. É tal e qual como as pessoas.

Lisboa tem estado a fazer muito boas coisas, tem uma fundação, uma das maiores conferências do mundo, há muitas empresas americanas e europeias que têm agora escritórios importantes em Lisboa. Acho que a Startup Lisboa, a Startup Porto, etc., são boas organizações e a cidade tem muitos aspetos culturais e humanos que são muito importantes para startups. Coisas simples, como as pessoas que trabalham em startups gostam de ir dançar, de ir a restaurantes e de se divertirem, que é uma coisa que já não é tão boa em Londres, por causa do custo das coisas. Acho que a coisa mais importante para uma cultura de startup é a abertura e acho que se tivesse de dar conselhos a Lisboa seria relativamente à burocracia. Quanto mais facilitares as coisas para pessoas que vêm da Ásia, Europa ou de São Francisco, que queiram abrir um escritório aqui ou ter uma parceria aqui, quanto menos burocracia do governo tiveres, melhor. Na Estónia, podes criar uma empresa em duas horas.

São o país mais digital da Europa.
Não há nenhuma razão pela qual São Francisco não possa ser mais assim. Nós temos muita burocracia. A cultura de startups é muito diferente da cultura tecnológica, da cultura dos grandes negócios e nós vamos a muitos eventos. Se te encontrar em São Francisco, vou apresentar-te a quatro pessoas, fazemos coisas que as outras pessoas perguntam: “Por que estás a fazer isto?” Mas fazemo-lo, porque achamos que isto funciona como um círculo e que volta para nós. E os portugueses são bons nisto, são melhores do que outros países europeus. E se queres ser assim tão ambicioso no ecossistema português, tens de ir a São Francisco e ver que é como uma relação, como um compromisso.

Tem uma carreira dedicada à inovação e empreendedorismo. Qual é que acha que foi o pior erro da tecnologia?
Sou um otimista, por isso acho que vai haver uma grande mudança na América. Acho que o Twitter, por exemplo, degradou o discurso público e, com poucas palavras, trouxe muita negatividade e violência. Acho que alguns elementos desta escala têm um lado muito negro. Economicamente, é aquilo que sabemos. Os smartphones, a internet, a economia global tornou muito fácil escalar as coisas. O que estamos a começar a ver é que também fazem com que seja mais fácil ser muito rápido, catastrófico. Acho que houve alguma ingenuidade nos fundadores e políticos sobre a novidade. Há 50 anos, na América, toda a gente achava que a margarina era boa, mas depois descobriu-se que a manteiga era melhor. O verdadeiro jornalismo é melhor para ti do que o Twitter. Por isso, as consequências não intencionais da tecnologia escalável e viral são difíceis de desfazer. Fazem muito dinheiro facilmente, mas também prejudicam economias ou pessoas muito facilmente. Espero que, com o tempo, fiquemos mais espertos em relação a isto.

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