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É muito provável que se se pedir a um “não-iniciado” que nomeie uma editora de jazz ele responda “Blue Note”. O período áureo da editora de Alfred Lion e Francis Wolff durou apenas entre 1951 e 1965 (ano em que foi adquirida pela Liberty Records), mas essa quinzena de anos foi tão intensa que deixou marca profunda na história do jazz.

A quem não tenha impulsos completistas mas queira ter uma ideia do que foi o jazz das décadas de 1950 e 1960, a Blue Note propõe, com a série 5 Original Albums, uma amostragem de alguns dos principais criadores que gravaram para a editora. Após uma primeira leva surgida em 2016 (ver Blue Note x 5: Estes clássicos são mensageiros do jazz), eis um lote de caixas consagradas a seis destacados músicos que ficaram indissoluvelmente ligados à Blue Note – de cinco deles pode mesmo dizer-se que o essencial do seu legado está nos arquivos da editora de Lion e Wolff.

Horace Silver (1928-2014)

5 Original Albums: Further explorations + Doin’ the thing at the Village Gate + Tokyo Blues + Silver’s serenade + The Cape Verdean blues

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Quando João Tavares Silva, nascido na ilha de Maio, no arquipélago de Cabo Verde, assentou vida em Norwalk, no Connecticut, adaptou, como tantos outros imigrantes nos EUA, o seu nome aos usos locais e passou a chamar-se John Tavares Silver. O Sr. Silver tornou-se operário numa fábrica de pneus, mas não esqueceu a música da sua terra, que animava as festas que dava em casa. O Sr. Silver tocava violino, guitarra e bandolim e transmitiu ao seu filho Horace o gosto pela música tradicional de Cabo Verde. Após ter desistido do saxofone, devido a problemas de coluna, o jovem Horace dedicou-se exclusivamente ao piano e formou um trio que actuava regularmente em clubes nocturnos. Em 1950, quando tinha 22 anos, a sorte bateu-lhe à porta: o saxofonista Stan Getz passou por Hartford, Connecticut, ouviu o trio de Silver e gostou tanto do que ouviu que os convidou a tornarem-se na sua banda – e ainda nesse ano Silver estreou-se a gravar, ao lado de Getz.

Não tardou que Silver se mudasse para Nova Iorque e passasse a tocar com os grandes jazzmen do seu tempo, como Lester Young, Coleman Hawkins e Lou Donaldson. Em 1952, quando Lou Donaldson não compareceu a uma sessão de gravação que Alfred Lion agendara, o “patrão” da Blue Note propôs, uma vez que o estúdio estava pago, que Silver realizasse uma gravação em trio – nascia assim New faces, new sounds: Introducing the Horace Silver Trio, o primeiro disco de Silver em nome próprio e o início de um vínculo à Blue Note que se estenderia pelos 28 anos seguintes (nenhum outro músico teve uma relação tão duradoura com a editora).

Horace Silver, fotografado por Francis Wolff no estúdio de Rudy Van Gelder, 1956

O baterista nesta sessão foi Art Blakey, que desenvolveria com Silver estreita relação, levando à co-fundação, em 1954, dos Jazz Messengers, que se estrearam com o álbum Horace Silver and the Jazz Messengers, gravado na viragem de 1954-55. A química musical dos Jazz Messengers era fenomenal, mas Silver tinha dificuldade em habituar-se à química – heroína – que corria nas veias de boa parte dos músicos que foram passando pela banda e em 1956 desvinculou-se e Blakey assumiu na íntegra a liderança.

Por esta altura, Silver já montara um quinteto sob a sua orientação, que viria, com várias mudanças de formação, a gravar intensivamente para a Blue Note, com um repertório constituído quase exclusivamente por composições de Silver.

A primeira amostra dessa produção nesta caixa é Further explorations by the Horace Silver Quintet, gravado em 1958 com Art Farmer, Clifford Jordan, Teddy Kotick e Louis Hayes.

[“Safari” (Silver), do álbum Further explorations]

Doin’ the thing at the Village Gate, captado no clube Village Gate, em Nova Iorque, em 1961, é o único registo ao vivo do quinteto de Horace Silver editado na época (os álbuns Live 1964 e Live at Newport ’58 são “repescagens” que só surgiram, 20 e 50 anos, respectivamente, após terem sido captadas), o que se estranha por o quinteto ser particularmente solto e exuberante em concerto. Conta com a formação mais duradoura do quinteto: o trompetista Blue Mitchell, o saxofonista Junior Cook, o contrabaixista Gene Taylor e o baterista Roy Brooks, que são os mesmos músicos que intervêm em Silver’s serenade, gravado em 1963.

[“Filthy McNasty” (Silver), do álbum Doin’ the thing]

Tokyo Blues foi gravado em 1962 no estúdio de Englewood Cliffs, New Jersey, por Rudy Van Gelder, com uma equipa similar (John Harris Jr. assumiu a bateria, por enfermidade de Brooks), após uma tournée triunfal pelo Japão. Apesar do título, de a capa mostrar Silver ladeado por duas japonesas em trajes tradicionais e de os títulos das composições de Silver aludirem ao país do Sol Nascente – “Too much sake”, “Sayonara blues”, “The Tokyo blues” – a música exibe o registo de hard bop tingido por influências latinas típico de Silver, com apenas algumas pinceladas de exotismo superficial. Como escreve Bob Blumenthal nas notas da reedição remasterizada de 2008, não era usual nem em Silver nem nos jazzmen do seu tempo, imergir em pesquisas musicológicas quando lhes apetecia dar “cor local” às suas composições: “Silver não estudou fontes brasileiras para compor ‘Swinging the samba”, ou os modos do Médio Oriente para escrever ‘The Baghdad blues’. Também não recorreu à análise de fontes para, nos anos seguintes, rubricar ‘Calcutta cutie’, ‘Mexican hip dance’, ‘African ascension’ ou ‘The great American Indian uprising’”.

[“Tokyo blues” (Silver), do álbum homónimo]

Consta que terá sido uma viagem ao Brasil em 1964 a despertar em Silver a atenção para a sua ascendência lusófona, levando-o a gravar, com um novo quinteto, o álbum Song for my father – o sr. João Silva figura na foto da capa, mas não há vestígios de música cabo-verdiana no interior. O álbum converteu-se num dos maiores êxitos da carreira de Silver (lugar 95 do top geral de vendas), o que terá provavelmente levado o pianista e a Blue Note a reincidir na alusão às raízes cabo-verdianas no álbum seguinte, The Cape Verdean blues, de 1965, com Woody Shaw, Joe Henderson, Bob Cranshaw e Roger Humphries (e, em duas faixas, J.J. Johnson).

[“The African queen” (Silver), do álbum The Cape Verdean blues]

https://youtu.be/zUK9EXbAkOs

Silver manter-se-ia fiel à Blue Note durante a travessia do deserto por que o jazz e a editora passaram na segunda metade da década de 60 e na década de 70. Quando a Blue Note mudou novamente de mãos em 1979 e Silver entendeu que os novos donos pouco se interessavam por jazz, fundou a sua própria editora a Silveto.

Lee Morgan (1938-1972)

5 Original Albums: The cooker + Lee-way + Search for the new land + The rumproller + DelightfuLee

O jazz “clássico” tem uma quota de vidas precocemente ceifadas e carreiras arruinadas pelas drogas que rivaliza com a do rock. Embora Lee Morgan (1938-1972) não tenha escapado à praga da toxicodependência, a brevidade da sua vida tem outra explicação: na madrugada de 19 de Fevereiro de 1972, após uma actuação no Slugs’ Saloon, em Nova Iorque, o trompetista foi surpreendido na companhia de outra mulher por Helen Moore, com quem vivia em união de facto. Na altercação que se seguiu, Moore tomou a pistola de Morgan e disparou contra ele. A assistência médica tardou a chegar – Nova Iorque estava sob um forte nevão – e Morgan esvaiu-se em sangue. Tinha apenas 33 anos, mas deixava o impressionante legado de uma trintena de discos como líder.

Lee Morgan, fotografado por Francis Wolff no estúdio de Rudy Van Gelder, 1956

Esta extensa discografia tem duas explicações: Morgan começou cedo e gravou num ritmo frenético – por vezes quatro ou cinco álbuns num mesmo ano. Entrou no mundo do jazz com apenas 18 anos, na big band de Dizzy Gillespie, uma experiência que durou pouco mais de um ano, até que os problemas de sustentabilidade financeira que afligiam todas as big bands da época forçaram Gillespie a dissolver a sua orquestra em 1958. Por essa altura já Morgan se estreara em nome próprio, na Blue Note, com Lee Morgan indeed! (1956), rapidamente seguido por mais seis álbuns em dois anos. Ao mesmo tempo, Morgan multiplicava-se em aparições como sideman em muitos outros discos – nomeadamente no célebre Blue Train, de John Coltrane, registado a 15 de Setembro de 1957.

Duas semanas depois das sessões que geraram Blue Train, Morgan regressou ao estúdio de Rudy Van Gelder, agora como líder, para gravar The cooker, com Pepper Adams, Bobby Timmons, Paul Chambers e Philly Joe Jones, um disco bem representativo da fogosidade e virtuosismo exuberante do trompetista recém-saído da adolescência.

[“A night in Tunisia” (Dizzy Gillespie), do álbum The Cooker]

Pouco depois da dissolução da orquestra de Gillespie, Morgan foi recrutado pelo baterista Art Blakey (juntamente com Benny Golson, Bobby Timmons e Jymie Merritt, todos nascidos em Filadélfia, como Morgan) para uma versão inteiramente renovada dos Jazz Messengers, dando início a um dos períodos mais frutuosos da longa carreira desta banda. Morgan desempenhou nela papel de relevo até 1961, altura em que deu o lugar a outro jovem muito promissor (Blakey tinha um talento infalível para os descobrir), Freddie Hubbard. A intensa agenda dos Jazz Messengers não impediu Morgan de continuar a gravar em nome próprio – é o caso de Lee-way, de 1960, com Jackie McLean, Bobby Timmons, Paul Chambers e o seu “patrão” Art Blake, que inclui uma composição de Morgan, “The lion and the wolf”, dedicada aos mentores da Blue Note, editora para a qual gravaria o essencial da sua obra.

[“These are soulful days” (Calvin Massey), do álbum Lee-Way]

Morgan regressaria os Jazz Messengers em 1964-65, rubricando os derradeiros grandes discos da banda, mas, entretanto, já fora bafejado pela sorte com o álbum The sidewinder, registado no final de 1963, com Joe Henderson no saxofone, e lançado em Julho de 1964, que se tornou no maior sucesso de vendas da história da Blue Note e em Janeiro de 1965 subiu até ao lugar 25 do top de vendas geral (um feito excepcional numa era dominada pela música pop). A razão do sucesso de The sidewinder estava no seu tema-título, uma composição de Morgan cuja ondulação sugere a forma de deslocação da cascavel-chifruda ou “sidewinder” e que se inspirava no boogaloo, uma música de dança que mesclava rhythm’n’blues, soul e ritmos latinos e que então estava em voga entre a cultura juvenil nova-iorquina. A popularidade da faixa “The sidewinder” foi tal que a Chrysler a empregou num anúncio ao seus automóveis, uma “distinção” impensável no nosso tempo e que serve para nos fazer ter consciência de quanto decaiu o “estatuto público” do jazz (imagine-se um anúncio da Audi com música de Mats Gustafsson ou Vijay Iyer…).

Esta descoberta acidental de “petróleo” fez a Blue Note reter os dois discos gravados por Morgan em 1964, e, em Abril de 1965, chamar de novo ao estúdio de Rudy Van Gelder a dupla Morgan e Henderson, mais a secção rítmica Ronnie Matthews, Victor Sproles e Billy Higgins, com um objectivo bem definido: cozinhar um novo The sidewinder. O resultado foi The rumproller, que ficou, artisticamente e, sobretudo, comercialmente, bem abaixo do seu modelo.

[“The rumproller” (Morgan), faixa da abertura do álbum homónimo: mais uma incursão de Morgan no boogaloo-jazz]

Resultou daqui que o álbum Search for the new land, que Morgan gravara em Fevereiro de 1964, com uma equipa de luxo constituída por Wayne Shorter, Grant Green, Herbie Hancock, Reggie Workman e Billy Higgins, só viu a luz do dia em 1966, embora ofereça mais motivos de interesse do que The rumproller, nomeadamente pelos originais contributos de Hancock. Um dos momentos altos de Search for the new land é “Mr. Kenyatta”, uma composição de Morgan que homenageia o activista anti-colonial Jomo Kenyatta, que em 1963 ascendera ao cargo de primeiro ministro do Quénia, uma escolha que prefigura o envolvimento de Morgan, no início da década de 1970, nas causas dos afro-americanos na sociedade dos EUA.

[“Mr. Kenyatta” (Morgan), do álbum Search for the new land]

Alimentando a esperança de repetir o jackpot de The sidewinder, Morgan e a Blue Note continuaram a incluir nos seus discos uma peça de ondulante groove latino – é o caso de “Ca-Lee-so”, que abre DelightfuLee, gravado em 1966 com duas formações diferentes, um quinteto com Joe Henderson, McCoy Tyner, Bob Cranshaw e Billy Higgins, e uma big band com arranjos de Oliver Nelson (e em que os momentos mais dignos de nota são os solos de Wayne Shorter). Porém, em 1966, o público estava a desertar maciçamente para o rock e as vendas tinham entrado em declínio acentuado, apesar dos esforços de músicos e editoras para fazer um aggiornamento, como atesta a inclusão de “Yesterday”, dos Beatles, no alinhamento de DelightfuLee (uma versão pouco memorável de uma canção pegajosa).

Como boa parte dos músicos de jazz do seu tempo, Morgan foi perdendo relevância e passou a gravar mais espaçadamente – a sua última sessão, sempre para a Blue Note, data da véspera do funesto dia 19 de Setembro de 1972.

Jackie McLean (1931-2006)

5 Original Albums: Capuchin swing + Bluesnik + Let freedom ring + Jacknife + Demon’s dance


O saxofonista alto Jackie McLean cresceu num ambiente favorável ao desenvolvimento musical: o pai era guitarrista na orquestra de Tiny Bradshaw, o padrasto (o pai faleceu quando Jackie tinha oito anos) era dono de uma discoteca e os vizinhos no seu bairro de Nova Iorque incluíam Charlie Parker, Bud Powell, Thelonious Monk e Sonny Rollins – recebeu lições dos mais velhos e ensaiou com os mais novos, acabando por partilhar com eles não só a música como o vício em estupefacientes.

Estreou-se a gravar sob a liderança de Miles Davis em Dig (1951), com apenas 20 anos, e fez parte da equipa que gravou o seminal Pitecanthropus erectus (1956), de Charles Mingus (que lhe dedicou a composição “Profile of Jackie”), mas ficou pouco tempo com este, já que o irascível contrabaixista o agrediu a murro e McLean achou melhor encontrar emprego nos Jazz Messengers. Por essa altura começou a gravar em nome próprio para a Prestige, gerando nove álbuns em 1956-57. A sua intensa produção de discos explica-se em parte por o seu vício em heroína ter levado à cassação do cabaret card (a licença para actuação em locais onde eram servidas bebidas alcoólicas – ou seja, os clubes nocturnos que representavam o ganha-pão dos músicos de jazz), o que o obrigou a voltar-se para outra fonte de rendimentos (era uma altura em que os músicos ainda podiam viver da venda de discos).

Jackie McLean

O vínculo com a Blue Note estendeu-se de 1959 a 1967 e traduziu-se em 21 álbuns, o mais antigo dos quais nesta caixa é Capuchin swing, de 1960, com Blue Mitchell, Walter Bishop Jr., Paul Chambers e Art Taylor. O macaco-capuchinho que surge na foto da capa é Mr. Jones, que McLean comprara como presente de Natal para o filho mais velho, René, mas que, ao que consta, costumava levar para o escritório de Alfred Lion, que detestava macacos, para o convencer a fazer-lhe um adiantamento – McLean continuava dependente da heroína.

[“Francisco” (McLean), do álbum Capuchin swing]

Bluesnik, de 1961, conta com Freddie Hubbard, que apesar de ter apenas 23 anos, já se afirmava como nome maior da trompete e que no ano anterior rubricara dois álbuns como líder para a Blue Note, e uma secção rítmica com Kenny Drew, Doug Watkins e Pete LaRoca. Os blues são o fio condutor do álbum, como sugere o título, que faz também um aceno ao Sputnik – por aquela altura a “corrida ao espaço” entre americanos e soviéticos era omnipresente.

Os títulos, nem sempre felizes, dos discos de McLean na Blue Note foram quase sempre escolha da editora, mas adivinha-se que Let freedom ring, de 1962, corresponde ao anseio de McLean de conciliar o seu apego à tradição hard bop com as novas liberdades que tinham vindo a ser introduzidas por John Coltrane e Ornette Coleman na viragem dos anos 50-60. É um dos seus discos mais bem cotados pela crítica e conta com Walter Davis Jr., Herbie Lewis e Billy Higgins. Três das quatro composições são de McLean e duas delas são dedicadas aos seus filhos, Melonae e René.

[“Melody for Melonae” (McLean), do álbum Let freedom ring]

Uma vez que o disco só foi lançado em Maio de 1963, é também lícito supor que o título poderá ecoar o mais famoso discurso proferido por Martin Luther King a 28 de Agosto de 1962, no Lincoln Memorial, em Washington, na Marcha pelo Emprego e pela Liberdade, que ficou conhecido como “I have a dream speech” e em que King expressa o desejo de que “a liberdade ressoe” por toda a América, dos cumes nevados do Colorado às suaves colinas da Califórnia.

[Excerto do discurso de Martin Luther King a 28 de Agosto de 1962, no Lincoln Memorial, em Washington]

Jacknife (um trocadilho entre o nome do saxofonista e a palavra inglesa para navalha de ponta-e-mola) foi editado em dois volumes, correspondentes a gravações realizadas em 1965 e 1966 – o discos incluído na caixa é o da sessão de 1965, com Lee Morgan e Charles Tolliver alternando na trompete e a secção rítmica a cargo de Larry Willis, Larry Ridley e um jovem e ignoto Jack DeJohnette, numa das suas primeiras aparições em disco.

[“Climax” (Charles Tolliver), do álbum Jacknife]

Demon’s dance, de 1967, com Woody Shaw, Lamont Johnson, Scott Holt e DeJohnette foi o derradeiro disco de McLean para a Blue Note. Lion tinha vendido a editora à Liberty Records em 1965, mas continuara a desempenhar funções de produtor até se reformar em 1967, ocasião que a administração aproveitou para terminar os contratos com vários músicos.

Sem contrato e com as vendas de discos de jazz em declínio, a partir de 1968 McLean concentrou-se nos espectáculos ao vivo e no ensino na Universidade de Hartford (conseguira ver-se livre das drogas em 1965), passando a gravar apenas esporadicamente, para a Steeplechase – regressaria à Blue Note em 1985, num disco co-liderado por McCoy Tyner.

Hank Mobley (1930-1986)

5 Original Albums: Peckin’ time + Roll call + Another workout + No room for squares + Reach out!

Há males que vêm por bem e é possível que uma doença que, aos 16 anos, forçou Hank Mobley a ficar acamado durante alguns meses tenha sido providencial: a avó ofereceu-lhe um saxofone para que ele se distraísse naquele período de inactividade forçada. Após três anos de auto-didactismo aplicado, já se convertera num músico profissional e convivia com os pioneiros do hard bop. Fez uma estreia em grande, no acima mencionado Horace Silver and the Jazz Messengers, em 1955, e nesse mesmo ano lançou o primeiro disco em nome próprio, Hank Mobley Quartet, também na Blue Note, editora a que se manteria fiel até 1970.

Além da passagem pelos Jazz Messengers em 1955-56, fez parte do quinteto de Miles Davis em 1961, mas durante a maior parte do tempo dirigiu os seus próprios grupos, numa carreira prejudicada pelos recorrentes problemas com drogas – que, inclusive, o fizeram passar algumas temporadas na prisão.

[Hank Mobley e Alfred Lion, fotografados por Francis Wolff no estúdio de Rudy Van Gelder, 1960]

Após um vertiginoso ano de 1957, em que registou oito álbuns, a cadência de gravações de Mobley reduziu-se e ganhou em refinamento, como atesta Peckin’ time, de 1958, com Lee Morgan, Wynton Kelly, Paul Chambers e Charlie Persip. Após um ano de 1959 sem registos como líder, gravou em 1960, com a secção rítmica Wynton Kelly + Paul Chambers + Art Blakey, duas obras-primas, Soul Station e Roll call, em que o grupo é expandido a quinteto com a trompete de Freddie Hubbard e que está incluído na caixa.

[“Roll call” (Mobley), do álbum homónimo]

Workout, gravado em Março de 1961 com a secção rítmica de Miles Davis – Wynton Kelly, Paul Chambers e Philly Joe Jones – mais o guitarrista Grant Green, foi outro dos seus sucessos deste período. O grupo (agora sem Green) regressou ao estúdio em Dezembro, para gravar Another workout, que, inexplicavelmente, permaneceu inédito até 1985.

[“I should care” (Cahn/Stordahl/Weston), do álbum Another workout]

Há algum snobismo no título do álbum No room for squares, que colige duas sessões de 1963, uma com Lee Morgan, Andrew Hill, John Ore e Philly Joe Jones, a outra com Donald Byrd, Herbie Hancock, Butch Warren e Philly Joe Jones. Porém, os “quadrados” indiferentes às subtilezas do jazz moderno estavam a ganhar terreno e, em breve, quem deixaria de ter lugar nos media, no apreço das massas e nos escaparates das discotecas seria o jazz.

Sintomático desse declínio foi a reforma de Alfred Lion, o que faz com que Reach out, o álbum gravado em 1968 com Woody Shaw, George Benson (ainda em início de carreira), LaMont Johnson, Bob Cranshaw e Billy Higgins (e que, enigmaticamente, tem na capa uma foto de Mobley com a Torre Eiffel ao fundo), tenha sido produzido por Francis Wolff, que se manteria nestas funções até à sua morte, em 1971.

[“Lookin’ East” (Mobley), do álbum Reach out!]

Grant Green (1935-1979)

5 Original Albums: Grant’s first stand + The Latin bit + Idle moments + Street of dreams + I want to hold your hand


Mais um jazzmen cuja carreira decorreu quase exclusivamente na Blue Note. Green foi certamente influenciado pelo pai, que era guitarrista de blues, na escolha do seu instrumento. Os seus primeiros anos como músico profissional foram discretos e passados parcialmente na área do boogie-woogie. Ao saxofonista Lou Donaldson cabe o mérito de ter ouvido o jovem guitarrista num bar de St. Louis, de o ter recrutado para a sua banda e de o ter apresentado a Alfred Lion, em 1960. Este ficou tão impressionado com os dotes de Green que, quebrando as regras da casa, lhe ofereceu de imediato a oportunidade de gravar em nome próprio, sem antes dar provas como sideman. Green, atirado subitamente do pacato meio de St. Louis para o turbilhão do jazz moderno de Nova Iorque, não se sentiu à altura da responsabilidade e não quis que essa primeira gravação fosse editada (só veria a luz do dia em 2001).

Grant Green em 1964

A adaptação foi rápida, pois em 1961 Green registou 15 discos para a Blue Note, seis deles como líder. O primeiro foi Grant’s first stand, em trio com o organista Roosevelt “Baby Face” Willette (outro jovem “rústico” recém-chegado a Nova Iorque) e o baterista Ben Dixon. The Latin bit, de 1961, é uma concessão ao gosto comercial da época: um álbum de inspiração latina, que não se conta entre os indispensáveis de Green.

[“Brazil” (Ary Barroso), do álbum The Latin bit]

Idle moments, de 1963, com Joe Henderson, Bobby Hutcherson, Duke Pearson, Bob Cranshaw e Al Harewood, é peça bem mais substancial: é dominado por duas longas e complexas composições de Duke Pearson, “Idle moments” (com 15 minutos de duração) e “Nomad” (com 12), o que forçou o grupo a regravar as duas outras composições, “Django” e “Jean de Fleur” em versões encurtadas, de forma a acomodar a sessão nos limites temporais dos discos de vinil de então.

[“Idle moments” (Duke Pearson), do álbum homónimo]

Street of dreams, de 1964, é um dos mais conseguidos álbuns de Green e é um disco inesperadamente contido e lírico, apesar da presença de músicos tão fogosos quanto o organista Larry Young e o baterista Elvin Jones – o quarteto é completado pelo vibrafone de Hutcherson.

[“I wish you love” (Young/Lewis), do álbum Street of dreams]

I want to hold your hand, do ano seguinte e novamente com Young e Jones, mas com Hank Mobley no lugar de Hutcherson, inclui uma versão da famosa canção dos Beatles e é, obviamente, numa tentativa de apelar a um gosto popular cativado pelo rock. Por essa altura, a febre da bossa nova que inflamara os EUA em 1962 (ver Quando o jazz descobriu o Brasil) estava a esmorecer, mas ainda tinha apelo junto das massas, o que explica talvez a inclusão de “Corcovado” no alinhamento.

[“Corcovado” (de Tom Jobim), do álbum I want to hold your hand]

A partir de 1967, a perda de vitalidade do jazz somou-se a problemas de toxicodependência do guitarrista e Green só voltaria a ressurgir em 1969 com Carryin’ on, no morno registo funk-soul a que dedicaria o resto da carreira e que pouco acrescentaria à história do jazz, mas que forneceria abundante matéria de sampling para os US3 ou A Tribe Called Quest.

Jimmy Smith (1925-2005)

5 Original Albums: The champ + Live at the Club Baby Grand vol.1 + Live at the Club Baby Grand vol.2 + House party + Plays Fats Waller


O absurdamente prolífico organista Jimmy Smith gravou para a Blue Note entre 1956 e 1962, altura em que se transferiu para a Verve, mas nestes sete anos gravou 26 álbuns – a que se somaram mais quatro gravados em 1963 e que só seriam lançados muitos anos mais tarde.

Smith começou carreira como pianista em bandas de rhythm’n’blues; em 1951, descobriu o órgão eléctrico Hammond, então de voga ainda restrita, e repartiu a atenção entre o piano e o novo instrumento até 1954, altura em que passou a dedicar-se exclusivamente ao órgão – para o que poderá ter contribuído que esse tenha sido o ano em que a Hammond lançou o aperfeiçoado modelo B-3 (que se tornaria no êxito de vendas da casa) e em que Smith descobriu Wild Bill Davis, que, desde o início da década liderava um trio com órgão, guitarra e bateria.

Jimmy Smith, fotografado por Francis Wolff

Smith ganhou reputação nos clubes da área de Filadélfia e foi num deles que Alfred Lion o ouviu e lhe propôs um contrato. O primeiro disco para a Blue Note (e o primeiro da carreira de Smith, que tinha então 30 anos) proclamava o nascimento de A new sound… A new star… Jimmy Smith at the organ, e foi de imediato seguido por um “volume 2”, gravado um mês depois, com a mesma equipa, Thornel Schwartz (guitarra) e Donald Bailey (bateria). O vol. 2 seria reeditado como T champ, o título da faixa de abertura, e é sob esse nome que figura na caixa da Blue Note.

[Versão ao vivo de “The champ” (Dizzy Gillespie), pelo trio de Jimmy Smith]

A 4 de Agosto, o mesmo trio foi captado ao vivo no clube Baby Grand, em Wilmington, Delaware (onde Smith actuou regularmente durante muitos anos), numa sessão escaldante que foi repartida por dois álbuns.

[“The preacher” (Horace Silver), do álbum Live at the Club Baby Grand vol.1]

House party colige duas sessões, de 1957 e 1958, com diferentes combinações de sidemen, onde se incluem Lee Morgan, Curtis Fuller, George Coleman, Lou Donaldson, Tina Brooks, Kenny Burrell, Eddie McFadden, Art Blakey e Donald Bailey. A sonoridade imponente do Hammond B-3 e a exuberância e fogosidade (ou até ferocidade) com que Smith o tocava fazem amiúde com que, em contexto de trio com guitarra e bateria, os parceiros de Smith fiquem submersos, mas a presença de sopros tende a fazer com que Smith soe mais contido.

[“Confirmation” (Charlie Parker), do álbum House Party]

https://youtu.be/uMIn2IVXJYE

Plays Fats Waller, gravado em 1962 com Quentin Warren e Donald Bailey, e o derradeiro disco para a Blue Note, antes da mudança para a Verve, é um tributo a Fats Waller (1904-1943), que ficou mais conhecido como pianista e cantor, mas também foi um dos primeiros a trazer o órgão para o mundo do jazz e dos blues – o órgão de tubos, não o Hammond, pois embora Waller ainda tivesse coexistido com o modelo A (lançado em 1935), faleceu antes de terem sido lançados os modelos B-2 e C-2 (1949), cujas novas capacidades contribuíram decisivamente para a difusão do instrumento. Embora vários outros organistas tenham ganho popularidade na década de 60, ninguém fez tanto pela promoção do Hammond B-3 como Smith.

[“Honeysuckle Rose” (Waller/Razaff), do álbum Plays Fats Waller]