O objetivo era claro: se Marcelo Rebelo de Sousa vai estar remetido ao Palácio de Belém, pelo menos durante a primeira semana de campanha oficial, então há que fazer justamente o contrário e estar no terreno. Ana Gomes tinha suspendido a campanha entre domingo e terça-feira, enquanto aguardava por orientações dos especialistas sobre a evolução da pandemia, mas deu um passo atrás e foi para a rua com a mira apontada à figura de Marcelo.

A situação pandémica obriga a ajustes e reajustes e, em vez de ir visitar o hospital Amadora-Sintra, muito pressionado pelo agravar da pandemia, a campanha optou antes antes pelo “Centro de Saúde de Algueirão Mem-Martins”, a maior freguesia de Sintra que serve 70 mil utentes. Foi para lá que se dirigiram os jornalistas esta manhã, pelas 10h30, tendo-se deparado com uma longa fila de utentes à porta, à espera para ser atendidos. Mas não era aí que a candidata se encontrava. Ana Gomes trocou pessoas por máquinas — a pandemia assim o exige — e estava antes naquele que, em abril, será o novo centro de saúde de Algueirão Mem-Martins, uma mega obra que está a ser construída nos terrenos da antiga fábrica da Messa.

Ana Gomes visitou demoradamente as instalações, falou com os empreiteiros, foi guiada pelo vereador da câmara de Sintra (socialista), António Quinta Nova, pelo responsável pela ARS de Lisboa e Vale do Tejo e pela responsável do serviço de urgência básica, Clara Pais, e trocou umas palavras com um ou outro trabalhador da obra. Afinal, também importa estar “onde os portugueses que trabalham estão”. Porque nem todos os portugueses estão em teletrabalho — nem todos vão estar mesmo quando o confinamento geral for decretado a partir de quarta ou quinta-feira.

Esse foi o mote das críticas ao Presidente-candidato que, por estes dias, se limita a ser Presidente. Um candidato que “despreza as eleições”, que acha que a eleição é uma “coroação” e que nem tempos de antena se deu ao trabalho de gravar. “Eu não desvalorizo os eleitores, as campanhas fizeram-se para esclarecer os eleitores, e não podemos perder oportunidades de esclarecer os eleitores”, disse. Estava feito o 1-0. Mas havia mais: já que o tema era saúde, e já que tinha sido questionada sobre a necessidade de o Governo fazer requisições civis aos privados, outra alfinetada: Marcelo favoreceu os privados e desequilibrou a negociação que estava a decorrer com o Governo, acusou.

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Ana Gomes pôs o pé na estrada neste primeiro dia de campanha oficial sem máquina partidária visível. No domingo era para ter estado numa sessão pública no Barreiro onde o deputado socialista André Pinotes Batista deveria discursar, mas o evento foi cancelado. Esta segunda-feira esteve mais sozinha, mas ainda assim houve uma presença que foi notada: André Pereira, coordenador da campanha de Ana Gomes na Região de Lisboa, que é também assessor do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro — um “jovem turco” que declarou o seu apoio à candidata, embora a posição oficial do PS seja não apoiar ninguém.

Evento cancelado por “razões técnicas”

O dia parecia correr conforme o planeado, não fosse a reta final. Para as 19h estava previsto um “debate online com Estudantes de Medicina” que seria transmitido em direto na página de Facebook da candidata. Durante a manhã, questionada pelos jornalistas, Ana Gomes tinha destacado que queria fazer esse debate por ser “importante olhar para as carreiras” numa altura difícil como esta, em vez de “empurrar os profissionais de saúde para os privados ou para a emigração”. Além de que muitos dos estudantes de medicina têm vindo a ser “chamados a intervir — e bem — no apoio às equipas profissionais de saúde” no terreno, logo, não podem ser esquecidos.

Mas minutos depois da hora marcada para o debate começar, surge a informação de que foi cancelado “por razões técnicas” atribuídas aos estudantes. Problema: ao que o Observador apurou, os moldes em que o evento iria decorrer nunca estiveram bem fechados porque as associações dos estudantes de medicina não queriam debater em público. Aceitariam reunir-se com a candidata sim, mas caberia depois à candidata expor publicamente as conclusões do encontro. O “debate online”, como tinha sido vendido, não estava, afinal, consensualizado de parte a parte.

Marcelo, Marcelo, Marcelo

Esta vem nos livros: atacar quem está em primeiro para dar uma perceção de que é o primeiro lugar que se está a disputar. Foi isso que Ana Gomes fez neste dia de arranque da campanha, e fê-lo de forma eficaz. Aproveitou a ausência de Marcelo da campanha eleitoral e pôs a lenha no assador: criticou não só o facto de não estar a fazer campanha no terreno, que pode ser explicado pelo facto de ter tido um contacto indireto com um infetado e ter-lhe sido pedido maior recado, mas até o facto de Marcelo não se ter dado ao trabalho de gravar tempos de antena.

Um trabalho que, devido ao facto de as eleições terem sido marcadas tão tardiamente (outra crítica) teve de ser feito em cima do joelho — de um dia para o outro, lamentou Ana Gomes. Mais: Marcelo pressionou o Governo quando recebeu, em outubro, representantes do setor privado da saúde, “favoreceu” os privados com isso, e “desequilibrou a negociação” que o Governo, e a ministra da Saúde, estava a ter. Nova acusação. Na entrevista a Manuel Luís Goucha, esta tarde, voltaria a insistir na colagem de Marcelo ao “amigo” Ricardo Salgado, carregaria ainda mais nas tintas para criticar a “inação” do Presidente para pôr a justiça a andar e por deixar “o país à mercê do esquema das offshores”. “Alguma vez ouviu Marcelo Rebelo de Sousa falar deste problema do dinheiro dos nossos impostos ser mal aplicado e de haver esquemas de fuga aos impostos por determinadas famílias de determinadas empresas?”, atirou. Não, pois não? O ataque cerrado podia ser dado por terminado.