18 de dezembro de 2013. Ainda mal tinha acabado de ler o enunciado da prova, que visava avaliá-lo enquanto professor contratado com menos de cinco anos de serviço, quando o barulho se tornou ensurdecedor. Dificilmente conseguia raciocinar e responder ao exame naquela sala da Escola Secundária Padre António Vieira, em Lisboa. A prova acabou suspensa por falta de condições. André Vinhas, 30 anos, deslocou-se à secretaria e trouxe um papel carimbado a atestar que tentou fazer o exame, mas que não conseguiu por motivos alheios à sua vontade. Como ele, milhares de professores não realizaram a prova pelos mesmos motivos. Mas nem todos foram convocados para realizar o exame esta terça-feira.
André, Joana, Rui e Pedro são professores desesperados à procura da escola onde poderão fazê-lo. O Ministério da Educação disse ao Observador que se não foram convocados via e-mail para o exame, não estão inscritos. Eles não percebem porquê e vão tentar fazê-lo numa escola qualquer.
André telefonou ao Ministério da Educação, ao Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) e até aos sindicatos. Disseram-lhe que teria de consultar o despacho do Ministério da Educação. “Pensei em deslocar-me à escola Padre António Vieira, mas não consta da listas das escolas onde vai ser realizado agora o exame”, explica. E, a menos de doze horas da prova, não sabe onde pode fazer o exame.
Contactado pelo Observador, o Ministério da Educação e Ciência foi claro: “Todos aqueles que reúnem as condições para realizar a prova no dia 22 de julho foram contatados via correio electrónico para o endereço indicada no momento da inscrição”. André não recebeu qualquer e-mail. Nem ele nem os outros. O Observador ainda tentou perceber junto do Ministério quais eram essas “condições” e como foram avaliadas. Mas não obteve qualquer resposta.
Também Joana Lucas, 29 anos, desespera por respostas. Todos os serviços que tentou contactar telefonicamente não lhe responderam. Nem por e-mail. “Quando tentei inserir o código e vi a mensagem ‘código não encontrado’ percebi que tinham validado a minha prova”, explica. Mandou mail ao jurí nacional de prova, tentou falar com o Ministério. Mas nada.
Naquele dia 18 de dezembro, a professora de espanhol dirigiu-se à Escola Secundária de Vergílio Ferreiro, em Carnide, para fazer a prova. “Ainda comecei a responder na folha do rascunho, mas de repente a sala foi invadida”, recorda. Naquele momento Joana não sabia o que fazer. Havia professores a levantarem-se e a juntarem-se a outros com megafones. Invadiam todas as salas na tentativa de boicotar os exames.
Quando acabou o tempo do exame, recolheram-lhe a folha de rascunho e a folha de exame em branco. “Não tive tempo de passar para a folha. Não era possível concentrar-me. Pensei que tinha sido tudo anulado”. Joana diz que a única prova que tem daquele dia está na comunicação social. “Há reportagens sobre isso, mas nunca pensei que tivesse que pedir um comprovativo”, refere.
Joana, tal como André, são professores de espanhol. “Se consideraram aquele exame eu chumbo e não poderei candidatar-me no próximo ano. O que é estranho, porque sou a única professora de espanhol no meu agrupamento. E não haverá mais professores para lecionar a disciplina”, refere.
André confessa que todo este processo é “surreal”. “Eu completo cinco anos de trabalho em setembro e se não fizer este exame não poderei ser reconduzido”, diz o professor de uma escola na Quinta do Conde, na Margem Sul. Joana teme o mesmo destino e, no próximo ano, perder as 26 horas de aulas que dá em duas escolas do agrupamento do Restelo.
Aos 28 anos, o professor Rui Assunção não consegue responder à pergunta: onde dá aulas? “Dei aulas até junho, mas como era a recibos verdes estou em férias forçadas”, diz ao Observador. Também ele tentou fazer o exame na Escola Secundária Marquesa de Alorna, em Lisboa.
“Supostamente terei o exame esta terça-feira, mas não sei a que escola devo dirigir-me”, explica. Também ele tentou obter informações por diversas vias. Sem sucesso. “Liguei para a Direção Geral de Educação, para o secretariado de educação… Davam-me um número e nada… davam-me outro, nada. Mandei mails para várias entidades”, diz o professor. A horas do exame, não tem dúvidas. Pelas 9.00 vai estar na mesma escola onde tentou fazer o exame em dezembro.
Os professores são unânimes quanto ao exame que tentaram realizar naquele dia de dezembro. O professor André considerou idêntico aos exames de 4º e 6º ano que vigiou. Os amigos de Rui quando viram o enunciado gozaram-no. “É isto que é preciso para ser professor? Então também posso ser professor”, disseram-lhe. Nenhum deles percebe qual o critério de avaliação.
“A partir do momento em que dizem que as pessoas com mais de cinco anos de experiência não estão obrigadas a fazer o exame… É ridículo obrigar as pessoas que acabaram a formação há menos tempo, que estão mais atualizadas. Um professor que tirou Educação Física há 20 anos não está atualizado como um professor que terminou agora”, defende Rui.
Também Pedro Miguel Silva tentou fazer o exame na Escola Secundária Marquesa de Alorna. Sem sucesso. Sem aulas no ensino público desde junho de 2013, acabou por ir lecionar para o privado. Mas está desempregado há já meio ano. “Não consegui fazer o exame por falta de condições e informaram-me que essas pessoas ficariam automaticamente inscritas. Mas coloco o código na plataforma e não aparece em lado nenhum na base de dados o meu número de identificação”, queixa-se.
O professor de Educação Física e Educação Especial critica o exame e tece argumentos para isso. “Há duas coisas mal feitas: a primeira é colocar em causa o ensino. Outra é não se perceber a lógica de que pessoas com menos cinco anos de serviço fazerem o exame, quando devia ser ao contrário. Os que estão há mais tempo é que deveriam fazer para haver uma renovação e atualização”.
Governo diz que 4 mil vão fazer o teste. FENPROF diz que há professores esquecidos
Em declarações ao Expresso, o secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário disse que são quatro mil os professores a fazer a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) esta terça-feira. Em dezembro foram realizadas 8 mil provas que já estarão corrigidas.
Mário Nogueira, o secretário-geral da FENPROF, fala em incompetência do Ministério e informa que há vários exemplos como os acima referidos. “O Ministério até na malfeitoria é incompetente. Temos um conjunto de professores a queixarem-se disso. Recebemos diversos mails, com os devidos comprovativos”, começou por dizer ao Observador. E continuou: “Para o Ministério vale tudo. O Ministério não observa, não quer saber da democracia. Não vê as leis. (…) Para constarem da lista são aqueles que falharam o exame de dezembro por razões que lhes são alheias… mas qual lista?! Não há lista. Não há lista com as escolas. Nada. O Ministério não os atende. Nunca se viu nada assim”, acusou.
Recorde-se que os Tribunais Administrativos de Beja, Coimbra e Lisboa rejeitaram durante esta segunda-feira quatro pedidos de suspensão da prova de avaliação. O TAF de Coimbra, por exemplo, alegou que esta é como uma segunda oportunidade para os professores, que deveria ser vista, por si só, como “positiva” e que é “absolutamente insusceptível de lesar qualquer direito, liberdade ou garantia constitucionalmente protegidos”.
Ainda durante a tarde de segunda-feira, o Ministério da Educação enviou uma nota às redações onde deixava explicito que apenas as pessoas envolvidas no processo — denominado “serviço de natureza urgente e essencial — terão acesso às escolas onde se realizará a PACC. Mário Nogueira, em Coimbra, não demorou a responder e defendeu a legalidade das reuniões sindicais nas escolas, agendadas na sexta-feira, um dia depois do anúncio da data da prova.
“A FENPROF divulgou, em conferência de imprensa, realizada esta tarde em Coimbra, o conteúdo de dois pareceres jurídicos que suportam, um deles, a legalidade da realização de reuniões sindicais nas escolas da PACC, à hora em que esta prova deveria decorrer, e, no outro, a ilegalidade de qualquer punição dos docentes que não realizem a prova com a sua retirada do concurso que já está a decorrer”, pode ler-se no site oficial da Federação Nacional de Professores.
As redes sociais, essas, são verdadeiros pontos de encontro para os professores, onde se critica, questiona e responde. Há grupos no Facebook e blogs que tratam temas da Educação e que, por estas alturas, têm forte adesão. O “Movimento pela vinculação de professores contratados” é um exemplo. Aqui colocam-se vídeos associados ao tema, questões e mensagens que deixam adivinhar verdadeiras cisões entre os professores. “Carrascos”, que se refere aos vigilantes convocados, é uma das palavras que se vê repetida.
O Blog DeAr Lindo é outro site de referência onde os professores se juntam para retirar duvidas e ajudarem-se uns aos outros. Por aqui há várias histórias, entre elas a de uma professora de Vila Real que teria de se deslocar até Chaves, a 70 quilómetros, para fazer a prova. Mas não o fará, porque tem formação e não pode “perder um dia inteiro”. Em comum, entre todos as plataformas online que tratam o assunto, há uma coisa: dúvidas.