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É um reflexo (quase) natural. Temos uma dúvida, sentamo-nos ao computador e escrevemos duas ou três palavras. Em poucos segundos, o motor de busca devolve um conjunto de ligações relacionadas com a pesquisa que desejamos fazer. Agora imagine que tinha de pagar 30 ou 40 euros para abrir cada um desses links. Parece absurdo, não parece? Mas é mais ou menos isto que acontece aos investigadores e alunos universitários: ou pagam para aceder às publicações científicas ou não conseguem fazer investigação.
Alexandra Elbakyan não foi exceção. A neurocientista, nascida no Cazaquistão, tinha uma tese para escrever numa área muito específica – verificação biométrica de eletrónica de consumo – e para aceder aos artigos científicos que precisava teria de gastar no mínimo 300 dólares (cerca de 267 euros), como escreveu o RT. “Para mim, mesmo a compra de um desses artigos seria um retrocesso financeiro”, respondeu a investigadora por email ao RT.
“Acredito que não deveriam existir obstáculos no acesso ao conhecimento”, disse Alexandra Elbakyan. A União Europeia concorda. A ciência deve estar acessível a todos. Não só à comunidade científica e às universidades, mas à sociedade em geral também. A presidência holandesa da União Europeia assumiu a Ciência Aberta como uma das suas principais áreas de atuação e é também uma das prioridades da Comissão Europeia na área da Investigação, Ciência e Inovação.
“Em conjunto com a atual presidência holandesa, temos lançado múltiplas iniciativas neste campo. Com esta resolução do Conselho de Ministros, Portugal coloca-se na vanguarda deste importante debate“, diz ao Observador Carlos Moedas, comissário europeu para Investigação, Ciência e Inovação. “Julgo que Portugal foi dos primeiros países da União Europeia a responder ao apelo. O Reino Unido, a Alemanha e os Países Baixos também demonstraram grandes ambições nesta área. França lançou muito recentemente um debate público sobre um projeto de lei transversal que visa transformar o país numa ‘República Digital’.”
Ciência Aberta em Portugal
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A democratização da ciência é o princípio básico da Política Nacional de Ciência Aberta aprovada em Conselho de Ministros no dia 24 de março e publicada no dia 11 de abril em Diário da República.
Atualmente, para terem acesso aos artigos científicos, as instituições têm de pagar às revistas científicas. As que o conseguem fazer, claro. Os países em desenvolvimento ou as instituições com menos fundos têm, certamente, mais dificuldade. Portanto, alternativa é cada investigador, ou aluno, pedir o artigo em questão diretamente ao autor do mesmo. Bem, há mais uma alternativa, pirateá-los. E é por causa disso que Alexandra Elbakyan, já chamada de Robin dos Bosques da Ciência, enfrenta uma batalha judicial multimilionária nos Estados Unidos.
Alexandra Elbakyan teve de piratear todos os artigos de que precisava para acabar a tese. E pirateou uns quantos para ajudar outras pessoas. Depois, em 2011, agarrou nos conhecimentos que tinha em programação e três dias montou o site Sci-Hub. Como é que funciona? Quem precisa de um artigo ao qual não consegue aceder coloca o link no Sci-Hub. O programa, usando passwords de acesso a revistas científicas gentilmente cedidas por investigadores, entra no sistema, saca o artigo, disponibiliza-o a quem faz o pedido e arquiva uma cópia para dar a outros investigadores no futuro. Agora, o sistema funciona quase sozinho, identifica artigos em tópicos importantes e importa-os mesmo sem ninguém pedir. O portal já arquivou mais de 50 milhões de artigos e continua a crescer.
“O caso de Elbakyan levanta muitas questões. A mais importante para mim é: será que isto é um sinal de que as revistas científicas vão enfrentar o mesmo destino da indústria da música e dos media? Caso isso aconteça — e podem fazer-se muitos paralelismos — a publicação científica está prestes a ser transformada”, disse Carlos Moedas, em Amesterdão, num encontro para discutir “Ciência Aberta: partilhar e ter sucesso”.
Com o esquema de acesso a artigos (pouco lícito) do Sci-Hub ganham os cientistas (ou qualquer outra pessoa) que queira aceder à informação e ganham os cientistas que escreveram os artigos científicos — porque assim são lidos e citados por mais pessoas. Afinal quem perde? As revistas científicas. A editora Elsevier, detentora de algumas das mais prestigiadas revistas científicas, diz já ter perdido 75 mil a 150 mil dólares (cerca de 67 mil a 133 mil euros), e por isso decidiu processar Alexandra Elbakyan. Mas esta ação levou a que muitos investigadores prometessem boicotar o acesso às revistas da editora como forma de protesto.
A verdade é que os investigadores estão cada vez mais cansados do monopólio das revistas científicas, que se aproveitam dos financiamentos públicos e do trabalho dos investigadores para terem lucros avultados. São os cientistas que têm o trabalho, mas as editoras é que ficam com os direitos, sem pagarem um cêntimo a quem faz investigação. E os cientistas não podiam simplesmente deixar de publicar artigos científicos? Não, pelo menos não nos modelos atuais. Por um lado, o financiador exige a publicação. Por outro, a publicação é a forma de mostrar o trabalho que se faz e conseguir mais financiamento.
O circuito do dinheiro
Os Estados e a Comissão Europeia pagam para que os cientistas realizem investigação, o dinheiro destes projetos ou das unidades de investigação é usado para pagar a publicação dos resultados em revistas científicas e, depois, os investigadores ou as unidades de investigação ainda têm de pagar para terem acesso aos artigos científicos publicados por outros colegas. Às vezes, até para terem acesso aos próprios artigos. “Queremos acabar com os pagamentos duplicados ou triplicados”, diz ao Observador Maria Fernanda Rollo, secretária de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. “São 13 a 15 milhões de euros por ano só para a b-on [uma plataforma digital de acesso a artigos científicos].”
E os investigadores que querem publicar imediatamente a sua investigação em acesso aberto (Open Access), têm de pagar, não só os custos normais de publicação, mas também uma taxa para a libertação do artigo. Isto, se as revistas tiverem esta modalidade, porque ainda existem algumas que nem mediante pagamento permitem que o artigo de torne de acesso aberto. A Elsevier chega mesmo a pedir aos investigadores que retirem os artigos da plataforma Academia.edu, onde os utilizadores podem partilhar as suas publicações. O grupo Plos One veio alterar o modelo instituído: exige apenas um tipo de pagamento aos investigadores e todos os artigos estão abertos.
“Claro que temos de mudar o padrão em que associamos a qualidade do produto ao preço que pagamos”, diz ao Observador Paulo Peixoto, investigador no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. A própria Plos One sofreu o estigma de, por ser gratuita, ter menos qualidade, mas neste momento já se conseguiu afirmar como uma revista de referência entre a comunidade científica.
Paulo Peixoto acredita que, à medida que se for tornando mais frequente a existência de publicações em acesso aberto, a necessidade de os investigadores publicarem em revistas muito prestigiadas, mas de acesso fechado, vai diminuir, porque haverá revistas de acesso aberto a ganhar prestígio. Mais, se uma das formas de avaliar um investigador é pelo número de vezes que o seu trabalho aparece citado por colegas, isto será muito mais fácil se os colegas tiverem um acesso facilitado a estas publicações.
Via verde, via dourada e a posição das revistas
As revistas científicas estão para os cientistas como as redes sociais estão para os jovens de hoje em dia: quem não publica é como se não existisse. “Publish or perish” (publicar ou morrer) é uma expressão ouvida frequentemente no seio da comunidade científica. E as revistas aproveitam-se desta necessidade: fornecem o serviço, mas a um preço praticamente incomportável.
Algumas revistas já têm modelos que permitem o acesso gratuito dos artigos. Bem, gratuito para os leitores, porque os cientistas continuam a pagar (e caro) a publicação do trabalho que fazem. Os modelos disponíveis são: a via dourada, quando os investigadores publicam diretamente em revistas em que todos os artigos são de acesso aberto, ou quando pagam para que aquele artigo em específico seja disponibilizado de forma livre, e a via verde, quando os investigadores podem disponibilizar uma versão do artigo, mas sujeita a um período de embargo (só depois deste período o acesso será livre).
“Os períodos de embargo devem ser estabelecidos recorrendo à melhor informação disponível, reconhecendo as diferenças nos padrões de utilização e no comportamento entre disciplinas e assegurando que as revistas podem continuar a oferecer opções de elevada qualidade aos autores no futuro”, disse a Elsevier ao Observador, a mesma editora que processou a Robin dos Bosques da Ciência.
“Sendo uma das maiores editoras em acesso aberto, trabalhamos com todas as partes interessadas para apoiar uma transição sustentável, e realizável, para que os investigadores continuem a publicar em revistas de elevada qualidade”, responde a Elsevier. “Uma transição para o acesso aberto até 2020 só será possível se todas as partes interessadas colaborarem para isso.” Mas a editora alerta que é preciso que os investigadores sejam capazes de pagar a via dourada e que a via verde não comprometa a viabilidade e sustentabilidade da revista.
Valores de publicação em algumas das revistas mais procuradas:
EDITORA | MODELO | CUSTO DE PUBLICAÇÃO | EMBARGO |
Elsevier | Via dourada | 500 a 5.000 dólares (cerca de 4.400 euros) | — |
Elsevier | Via verde | sem pagamento adicional | 12 a 24 meses |
Nature | Via dourada | 1.050 a 3700 euros | — |
Science | Via verde | em média 2.900 dólares (cerca de 2.600 euros) | 12 meses |
Plos One | Via dourada | 1.495 a 2.900 dólares (cerca de 2.600 euros) | — |
O grupo Plos One só publica em acesso livre desde que foi criado, em 2007. Ciente de que muitos investigadores têm dificuldade em suportar os custos de publicação, a revista tem um programa de apoio para investigadores que trabalhem em países de baixo ou médio rendimento. Num formato diferente de acesso livre desde a publicação, a PeerJ cobra uma cota anual a cada autor dos artigos, que se for de 399 dólares (cerca de 350 euros) permite ao investigador publicar quantos artigos quiser por ano. Para a publicação de um único artigo a revista cobra 695 dólares (pouco mais de 600 euros).
A conceituada revista Science, publicada pela Associação Americana para os Avanços na Ciência (AAAS), lançou no ano passado a via dourada na revista Science Advances e, conforme disse ao Observador, compromete-se a colocar a versão final do artigo no site PubMed — uma plataforma na área da biomedicina e ciências da vida. Já as revistas Science, Science Signaling e Science Translational Medicine admitem via verde, ou seja, “os autores podem publicar os manuscritos aceites por estas revistas nos repositórios das instituições, após publicação na revista, sem embargo”. Se colocarem o manuscrito no repositório da instituição financiadora estão sujeitos a um embargo de seis meses.
“Bibliotecários e gestores de investigação têm agora a tarefa de assegurar que toda essa investigação, seja ela aberta ou não, esteja disponível e em conformidade com uma miríade de repositórios institucionais”, disse a Thomson Reuters ao Observador. Apresentando-se como pioneira na publicação de acesso livre, a editora apoia a funcionalidade do acesso aberto, criando ligações com os repositórios DSpace, Eprints, Fedora e Sherpa.
Mas não chega publicar em qualquer revista. Se assim fosse, ficava mais barato aos investigadores pagarem a edição de um livro (que pode rondar os 1.500 euros) com o trabalho realizado por todo o grupo de investigação. O que valoriza as revistas científicas é a revisão por pares (peer review), ou seja, por outros cientistas da área. Mas até esta validação está comprometida e merece discussão sobre o modelo de implementação. Quem publica numa revista científica tem o compromisso de ser também revisor na sua área de especialidade, mas a custo zero. Ou seja, o investigador tem de tirar tempo ao seu trabalho de investigação para poder fazer a revisão e não tem qualquer tipo de compensação por isso.
#Peerreview was troubled from the start, explains @alexcsiszar @Harvard https://t.co/ju0DCgKII9 >@NatureNews pic.twitter.com/jN51nLrtP9
— Calestous Juma (@calestous) April 20, 2016
O ranking das revistas científicas
Os investigadores preferem publicar em revistas que sejam revistas por pares e preferem publicar nas revistas mais prestigiadas. Mas que revistas são essas? As que têm maior fator de impacto, um índice criado pela Thomson Reuters, que se baseia no número de vezes que os artigos dessa revista são citados por outros cientistas.
Mas, por muito irónico que possa parecer, as revistas científicas de alto impacto podem, na verdade, ser menos fiáveis do que as revistas com um fator de impacto mais baixo, refere o site Big Think. Porquê? As revistas de alto impacto só aceitam resultados de investigação surpreendentes, grandes avanços científicos, o que pode potenciar fraude e más práticas por parte dos investigadores, que querem muito ter essa referência no currículo.
Ainda assim, o fator de impacto continua a ser um dos índices de avaliação das publicações mais utilizado, mas estão em estudo índices alternativos e/ou complementares a este. Isto porque, o fator de impacto tem sido alvo de muitas críticas por parte da comunidade científica. Carlos Lopes, diretor do Centro de Documentação do ISPA — Instituto Universitário, enumera algumas dessas críticas:
- estar baseado no número de vezes que os artigos são referidos por autores de outros artigos (número de citações), quando se podia ter em conta também o número de vezes que um artigo é descarregado;
- representar 10 mil revistas quando existem 50 mil;
- só considerar artigos publicados em revistas científicas e deixar de fora atas de congressos, livros e capítulos de livros, ou outras publicações fora das revistas científicas;
- grande parte das revistas, se não todas, são anglo-saxónicas.
Obrigar os cientistas a publicar em acesso aberto, quando são financiados por fundos públicos, pode fazer com que as revistas mudem o plano de negócio. Pelo menos assim espera Eloy Rodrigues, diretor dos Serviços de Documentação da Universidade do Minho e presidente da Confederação Mundial de Repositórios de Acesso Aberto. É por isso que defende os repositórios, mesmo que alguns artigos tenham alguns meses de embargo, e se mostra contra as taxas extra cobradas pelas revistas para quem quer publicar em acesso aberto.
“Este modelo é arriscado, porque as taxas de publicação podem continuar a aumentar ao longo do tempo — e algumas já estão nos dois mil euros [a publicação normal].” Além disso, num modelo em que se continua a pagar valores altos às revistas, permite-se que a publicação científica se mantenha fora do controlo das pessoas que a produzem — os investigadores. Com a agravante de que alguns países continuam sem ter capacidade para pagar as assinaturas e mesmo as taxas de publicação.
Como se acede ao conhecimento hoje em dia?
Pagar 30 ou 40 euros por cada artigo é impensável, por isso, as revistas permitem às instituições fazerem subscrições anuais a partir dos 200 ou 300 euros, um valor que aumenta consoante o número de utilizadores. Mas a maior parte das universidades não pode suportar pagar a subscrição anual de todas as revistas que os investigadores e alunos precisam. Nem mesmo das mais importantes. E foi por isso que em Portugal nasceu a b-on, ou Biblioteca do Conhecimento Online, uma plataforma que agrega os artigos científicos das revistas com as quais estabeleceu contrato.
De uma forma simplificada, trata-se de uma plataforma que subscreve diretamente as revistas e que dá acesso a todas as universidades e unidades de investigação portuguesas. Pelo menos a todas as que contribuam para a cota anual. Cada instituição tem, então, acesso a um leque maior de artigos científicos, pagando muito menos por isso.
Ainda assim, “há investigadores que têm subscrições particulares das revistas que lhes interessam” e que não estão incluídas na b-on, explica ao Observador Palmira Ferreira da Silva, vice-presidente do Instituto Superior Técnico, da Universidade de Lisboa.
Apesar de manter alguns custos, o problema dos investigadores tem uma solução moderadamente satisfatória, mas a sociedade em geral continua sem ter acesso a grande parte dos artigos científicos que são baseados em investigação paga com fundos públicos. Um dos objetivos da Política Nacional de Ciência Aberta, recentemente aprovada em Conselho de Ministros, é esse mesmo: garantir que a informação está acessível e é compreensível para todos — e é aqui que entram também as atividades de divulgação de ciência.
Os doentes ou familiares mais curiosos já aproveitam as publicações científicas disponíveis para colocarem questões aos médicos sobre novas formas de tratamento. A Ciência Aberta poderá promover ainda mais os conhecimentos científicos dos cidadãos. Mas, mais interessante ainda, pode ser perceber que utilizações farão as pessoas que trabalham em empresas de tecnologia e inovação e que normalmente não fazem as subscrições destas revistas, diz ao Observador Claudio Sunkel, diretor do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) e vice-diretor do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S).
Mas quem é que vai financiar este acesso gratuito e generalizado à Ciência?, pergunta o investigador. O IBMC publica cerca de 200 artigos por ano, o que corresponde a cerca de 300 a 400 mil euros, lembra. O comissário Carlos Moedas refere que “os custos inerentes à publicação [sem embargo], podem ser inseridos no pedido de financiamento e por isso serem reembolsados aos investigadores”.
Tirando a questão do financiamento, as vantagens do acesso aberto a artigos e dados parece ser consensual. É a melhor forma de aumentar a credibilidade das publicações e atestar a integridade científica dos cientistas, porque a investigação pode ser replicada e validada. Além disso, só com acesso às publicações os cientistas conseguem partilhar informação, perceber que trabalho já foi feito e que perguntas permanecem por responder. O acesso aberto a todos os públicos, além de privilegiar a transparência, abre espaço a ideias originais e caminhos inovadores.
Os repositórios públicos da ciência
Temos uma dúvida, sentamo-nos ao computador e escrevemos duas ou três palavras. Mas desta vez escolhemos um motor de busca dedicado a publicações académicas. Para termos acesso a um artigo científico aberto, ou temos a sorte de a revista o ter disponibilizado, ou o encontramos num repositório público, como as plataformas das universidades, onde se disponibilizam as teses e resumos das conferências.
São os repositórios públicos já existentes que servirão de base de publicação na política de Ciência Aberta nacional. A secretária de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior lembra que as universidades já têm repositórios digitais onde devem colocar as dissertações de mestrado e as teses de doutoramento e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) tem o Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), um agregador dos repositórios das instituições e um local onde os artigos científicos resultantes do financiamento desta agência são disponibilizados.
No total, são já quase 100 repositórios em Portugal, incluindo universidades, politécnicos, unidades de investigação e centros hospitalares, que produzem resultados científicos. “Portugal foi inovador na maturidade e qualidade da rede de repositórios. Portugal está no pelotão da frente na Europa e mesmo fora da Europa”, diz Eloy Rodrigues, responsável pela criação do primeiro repositório português e lusófono — o da Universidade do Minho. “Portugal tem hoje em dia uma das redes mais abrangentes e robustas.”
Nuvem da Ciência Aberta
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A nuvem europeia para a Ciência Aberta oferecerá a 1,7 milhões de investigadores e a 70 milhões de profissionais dos setores da ciência e da tecnologia, na Europa, um ambiente virtual para armazenar, partilhar e reutilizar os dados a nível interdisciplinar e transfronteiriço. Tem um custo estimado de 6.700 milhões de euros em cinco anos.
A própria Comissão Europeia pretende criar “uma ‘nuvem’ europeia dedicada à ciência aberta (Cloud) que permitirá aos milhares de investigadores europeus circularem, partilharem e reusarem dados em mercados globais e sem fronteiras”. Mas o comissário Carlos Moedas lembra que, no que diz respeito aos dados, o programa Horizonte 2020 “prevê que o acesso aberto deve ser promovido, sem constituir porém uma obrigação”. Ainda assim, os níveis de adesão a um projeto-piloto em algumas áreas “são muito animadores — 65% dos investigadores-alvo partilharam dados”. “Estes resultados levam-nos a ambicionar alargar este projeto-piloto a todo o programa, já em 2017.”
RepositóriUM
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Quando o repositório da Universidade do Minho começou a ser pensado, em 2002, estavam a surgir os primeiros repositórios a nível internacional.
O objetivo do repositório, lançado em 2003, era dar maior visibilidade ao trabalho científico da universidade – não só as teses, mas também artigos científicos.
O grande impulsionador da implementação dos repositórios nas instituições foi a criação do Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP).
Eloy Rodrigues lembra que “os repositórios de dados ainda estão numa fase bastante embrionária”, mesmo a nível internacional, porque são muito mais complexos de criar, seja do ponto de vista técnico (porque as bases de dados podem ter formatos que não são suportados pelos repositórios), seja do ponto de vista das políticas (que terão de definir quem tem acesso a que dados e como).
Os repositórios devem ainda ser mais do que um mero depósito das publicações, lembra Maria Fernanda Rollo. Devem ser dinamizados, divulgados e contextualizados, devem ser atualizados — não só em termos de conteúdos, como de software — e devem ser tornados acessíveis, não só por estarem disponíveis, mas por poderem ser usados e entendidos por todos. Se isto não acontecer, é o mesmo que ter um monte de livros numa biblioteca sem catalogação, organização, e onde a humidade vai destruindo o acervo.
“Além disso, tem de existir uma política de enquadramento e curadoria dos conteúdos digitais”, refere Maria Fernanda Rollo. Mas porquê um curador? “Porque não podemos correr o risco de ter estruturas digitais que ninguém consegue consultar, conteúdos que ficaram perdidos em estruturas desatualizadas.”
A secretária de Estado alerta, no entanto, que apesar de se pretender um acesso livre aos artigos científicos, resultados e dados, a propriedade intelectual dos mesmos será sempre respeitada, assim como será assegurada a proteção dos dados. Aliás, numa parceria com com a Sociedade Portuguesa de Autores, Maria Fernanda Rollo espera promover uma campanha junto do público escolar sobre a propriedade intelectual. Apesar de os conteúdos estarem disponíveis livremente na internet, e de os cidadãos os poderem usar, a atribuição dos autores continua a ser obrigatória. A própria Comissão Europeia vai propor uma diretiva de direitos de autor (Copyright Directive).
Temos de considerar que haverá sempre conteúdos que não podem ser disponibilizados, ou outros conteúdos que serão sujeitos a um período de embargo antes de se converterem em conteúdos de acesso livre, lembra ao Observador Carlos Lopes, diretor do Centro de Documentação do ISPA — Instituto Universitário.
“Ainda existem investigadores que acham que publicar em acesso aberto é desvalorizar o trabalho que fazem. É preciso valorizar os investigadores”, defende a secretária de Estado. Mas Carlos Lopes vai mais longe: é preciso vencer a iliteracia científica. E não se refere à falta de conhecimentos científicos dos cidadãos — esses vão acendendo à informação, que vão aplicando no dia-a-dia —, mas ao facto de muitos cientistas não se terem apercebido que o paradigma mudou e que podem e devem disponibilizar a investigação que realizam em plataformas de acesso público.
Os investigadores têm de libertar-se das amarras impostas por um conjunto limitado de revistas e apostar em novas medidas do impacto da investigação, ou seja, não só pelo número de vezes que o artigo é citado, mas também pelo número de vezes que os documentos são descarregados dos repositórios e pelo tipo de utilizadores que o fizeram. Carlos Lopes dá o exemplo da instituição que representa: “Temos 4.400 documentos no repositório do ISPA que já foram descarregados 2,5 milhões de vezes, principalmente por países dos PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa]”. Estes números, reforçam, para o investigador, a importância da disponibilização da informação e o facto de ela estar em português.