Os vencedores
Pedro Nuno Santos
Não foi uma vitória de Pirro, mas também não foram favas contadas. O facto de ter ganho com 62%, em 18 das 21 federações e com 23.430 votos contra apenas 14.165 de José Luís Carneiro fazem de Pedro Nuno Santos um vencedor claro dentro do PS. O problema é que a corrida é em duas etapas e a segunda é a mais importante: vencer o país. No fim desta primeira etapa, Pedro Nuno Santos procurou contrariar a imagem de radical (“programa social-democrata” e “sempre europeísta”), pacificar a herança de António Costa (“orgulho imenso nele”) e mostrar abertura para unir o partido (Carneiro foi adversário “circunstancial”), mas vai precisar de mais para ganhar o país. Quanto a ideias, ficou pelas generalidades, como prometer “amor e carinho” aos pensionistas ou salvar o SNS (para o qual só tem como proposta afastar os privados como se fossem o diabo). Além disso, Pedro Nuno Santos parece estar deslumbrado consigo mesmo e chegou a pedir à sala: “Não se acanhem, podem bater palmas à vontade”. O dia era de festa e não há audiência que possa negar que é um vencedor. Mas ao intervalo. Pedro Nuno já lançou os foguetes, fez a festa, só não sabe ainda onde vão cair as canas. E, isso, só a 10 de março se saberá.
José Luís Carneiro
Há um mês, José Luís Carneiro lançou uma campanha partindo do nada. Enquanto Pedro Nuno Santos andou anos e anos a preparar a candidatura, Carneiro acordou um dia de manhã e percebeu que teria de ser ele a avançar. Aqueles que seriam os líderes mais evidentes da chamada “ala moderada” decidiram assobiar para o lado, primeiro, e recolher a casa, depois — quando José Luís Carneiro olhou para o lado, não havia mais ninguém. É, por isso, assinalável que, mesmo com uma derrota, tenha conseguido juntar 36% dos votos. Teve uma campanha sem falhas (excepto, logo no início, a confissão de que viabilizaria um eventual governo minoritário do PSD); identificou com facilidade as principais fragilidades do adversário (daí o mantra “moderação vs radicalismo”); e não deu cambalhotas que o pudessem desprestigiar (não passou a defender a geringonça, por exemplo). Apesar de tudo, não nos entusiasmemos: José Luís Carneiro não ganhou o estatuto de possível futuro líder, nada disso, mas pode usar o rasto destes votos para ter uma vida política depois de 10 de março.
Luís Montenegro
O Natal chegou mais cedo para o líder do PSD. Todas as noites, Luís Montenegro rezava três Pais-Nossos e duas Avé-Marias, pedindo ao Altíssimo que Pedro Nuno Santos ganhasse as eleições do PS. O plano de ataque para as legislativas já estava preparado e agora pode ser posto em prática: Luís Montenegro é o moderado, Pedro Nuno Santos é o radical; Luís Montenegro é o ponderado, Pedro Nuno Santos é o imprudente; Luís Montenegro é o centro, Pedro Nuno Santos é o extremismo. Como ficou provado na campanha interna do PS, esta “narrativa” funciona: José Luís Carneiro aplicou-a e ganhou votos com isso. Por isso, temos todos que nos preparar para, nos próximos meses, ouvir vezes sem conta as seguintes frases: “Pedro Nuno Santos enterrou 3,2 mil milhões na TAP”; “Pedro Nuno Santos anunciou um novo aeroporto sem falar com ninguém”; “Pedro Nuno Santos aprovou a indemnização de Alexandra Reis por Whatsapp, como se estivesse a mandar um emoji a um amigo”; “Pedro Nuno Santos quer entregar-se nas mãos dos bloquistas e dos comunistas”; “Pedro Nuno Santos foi ministro da Habitação e não fez nada para resolver a crise da falta de casas”; e por aí adiante. Neste sábado, Luís Montenegro não ganhou as legislativas, mas ganhou a noite.
Mariana Mortágua
Pedro Nuno Santos está tão habituado a fazer política com Mariana Mortágua que, no dia em que avançou para o PS, fez questão de ligar à líder bloquista. Mortágua apressou-se a revelar, na televisão, o telefonema que classificou de “cortesia”. O camarada Pedro, em entrevista ao Observador, elevou a ligação para outro nível e disse que não só tem uma “boa relação” com Mortágua como cimentou com ela uma “relação de confiança”. Se para António Costa, o Bloco era um partido pouco fiável (ao contrário do PCP, de quem só precisaria de um aperto de mão), para Pedro Nuno é o parceiro preferido. O Bloco de Esquerda teve um dos seus melhores resultados em 2019 quando a repetição da “geringonça” era uma possibilidade e um dos piores em 2022, quando essa hipótese se esfumou. Mariana Mortágua tem assim, no Largo do Rato, não só um amigo, mas também uma espécie de sócio e até concordam nos termos em que essa sociedade será constituída: com um acordo escrito à Cavaco. Muitas das exigências do Bloco que esbarraram num muro reerguido por um Costa maioritário e das contas certíssimas – como a manutenção de uma TAP pública ou a reposição do tempo de serviço dos professores – podem ver agora a luz do dia. Para isso basta o amigo Pedro chegar lá.
Os vencidos
Fernando Medina
Desde que foi escolhido como sucessor de Costa na câmara de Lisboa que Fernando Medina entrou direto para a lista golden boy de líderes do PS do futuro. Ainda venceu (apenas uma vez) a câmara de Lisboa e isso alimentou um folhetim sobre o futuro do partido entre um PS à esquerda, pedronunista, e um PS ao centro, medinista. Mas, depois disso, a vida de Medina foi como uma ciclovia cheia de buracos. Ora o Russiagate, ora a forma como perdeu a maior câmara do país, ora o envolvimento num processo judicial. Como ministro das Finanças fez um brilharete com as contas, mas o mal já estava feito. Mesmo por caminhos igualmente sinuosos, o seu arquirrival, Pedro Nuno, chegou a líder do PS. Mas pior do que isso: José Luís Carneiro, com um resultado honroso, ganhou o direito a ser o rosto dos moderados no partido. Agora todos vão preferir olhar para a ala carneirista e, por isso, começa a ser difícil acreditar que existem medinistas para além do próprio Medina.
Augusto Santos Silva
Mesmo que o quisesse disfarçar, o ainda presidente da Assembleia da República alimentava a esperança de passar, de forma quase direta, do segundo para o mais alto cargo do Estado. Desde as guerras com André Ventura até às deslocações de estilo presidencial no país e no estrangeiro, Santos Silva já estava a fazer uma campanha pré-presidencial na AR. A visibilidade que o cargo lhe dava – além de gravitas-extra e estatuto – era o trampolim perfeito para depois se afirmar como um potencial candidato apoiado pelo PS à Presidência da República. Ora, Pedro Nuno Santos até quer que o PS apoie de forma clara uma personalidade para Belém em 2026, não quer é que seja Santos Silva. O PS de Pedro Nuno mais depressa escolhe Francisco Assis, ou mesmo Carlos César, do que Santos Silva. E o segundo cargo da Nação (a tal montra presidencial) está em perigo: se houver uma maioria de esquerda no Parlamento, Pedro Nuno estará inclinado a indicar Francisco Assis, seu apoiante, para presidente da AR.
E o pendurado
António Costa
Com a vitória de Pedro Nuno Santos, António Costa não tem — definitivamente, não tem — um aliado à frente do PS. O novo líder do partido pode jurar uma, duas ou três vezes que conta com Costa, que adora Costa e que sente imensa falta de Costa. Mas a verdade é que Pedro Nuno Santos vai fazer tudo o que conseguir para passar com um bulldozer por cima da memória do agora antigo líder. O novo chefe do PS tem agora alguns meses para fazer isso e para se impor ao passado. Há duas datas que deixam António Costa pendurado no PS. A primeira, indefinida, é aquela em que soubermos o que se vai passar com o processo que o tem como suspeito no Supremo Tribunal de Justiça. A segunda data está mais do que definida: 10 de março. Nesse dia, acontecerá uma de duas coisas: se Pedro Nuno Santos ganhar o poder, Costa entra em modo hibernação; se Pedro Nuno Santos perder o poder, Costa entra em modo recuperação. Até lá, tem de esperar.