Os Vencedores

Pedro Nuno Santos

A dureza da contabilidade mostra uma vitória pírrica, mas como as eleições Europeias são imunes a geringonças o resultado é claro: quem fica em primeiro, ganha. Pedro Nuno Santos escolheu a candidata, envolveu-se pessoalmente na campanha e o PS ganhou. Três meses depois de uma derrota em que era o candidato, ganha aqui argumentos para pedir tempo ao partido (e ao país) e reduz a margem para que a sua oposição interna (quase inexistente ou, pelo menos, afónica) possa vir a questionar a sua liderança. Até ao final de 2025, início de 2026, fica claro que se o PS voltar a ir a votos em legislativas, o candidato é Pedro Nuno Santos. Dentro da vitória há, no entanto, más notícias: o espaço não-socialista continua maioritário, confirma-se a viragem do país à direita e não se vislumbra a curto-médio prazo uma maioria de esquerda que permita a Pedro Nuno ter condições para governar. A quebra do Chega também surge como uma espécie de seguro de vida para Luís Montenegro. Ou seja: o secretário-geral do PS solidificou o seu lugar de líder da oposição, mas provavelmente é um cargo que terá de ocupar, no mínimo, por mais dois ou três anos. E não há lugar mais desgastante na política nacional.

João Cotrim Figueiredo

Afinal, as pessoas contam. A Iniciativa Liberal anda há anos a tentar convencer-nos de que é indiferente se a cara do partido é a do Carlos, do João ou do Rui porque as ideias liberais são tão poderosas que se sobrepõem a tudo. Acontece, porém, que a realidade nos diz o contrário. Numa das entrevistas que deu, João Cotrim Figueiredo já tinha admitido que a campanha foi feita à volta do seu nome — facto que, aliás, seria indesmentível, tendo em conta que o slogan de campanha usado pelo partido em todos os cartazes foi “Com Cotrim sim”. No final, confirmou-se que, realmente, “com Cotrim sim”. Por isso, a inevitável pergunta que se segue é esta: e com Rui Rocha? Sim ou não? Se calhar, não.

António Costa

O resultado dos socialistas na Europa (embora só tenham vencido em Portugal, Suécia e Malta) foi melhor que o esperado em termos de mandatos. O grupo dos S&D, do qual faz parte o PS, vai ser o segundo maior no hemiciclo europeu, o que significa que provavelmente serão os socialistas a indicar a presidência do Conselho Europeu. E, aí, António Costa continua a ser o mais bem posicionado ao cargo. O facto de não ser arguido (e, segundo o próprio, nem sequer testemunha) no processo que levou à queda do governo em novembro parece ter-lhe dado a segurança que precisava para se posicionar. Agora, a diplomacia portuguesa fará o resto e até Luís Montenegro e Paulo Rangel vão ter de fazer campanha por Costa em nome do interesse nacional. Além disso, a cereja no topo do bolo da noite Costa é que a vencedora foi uma antiga ministra sua, Marta Temido – um dos rostos do costismo. Mais do que isso: não sobram dúvidas de que Costa valia votos para além do eleitorado-base do PS e que era um secretário-geral de quem os eleitores portugueses gostavam mais do que Pedro Nuno Santos. Não foi ao acaso que, há cinco anos, tendo-o como uma espécie de candidato-sombra ao lado de Pedro Marques, o PS conseguiu vencer as europeias por mais de 11 pontos.

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Os vencidos

André Ventura

E assim, de repente, com a mesma velocidade com que tinha desaparecido, o bipartidarismo regressou. O Chega passou de uns enfáticos 18,1% para uns, por comparação, raquíticos 9,8%, quase sendo ultrapassado pela IL. Com a direita radical a crescer em vários países da Europa, André Ventura minguou. Há umas semanas, nas legislativas, o Chega explodiu por ter conseguido mobilizar um exército de abstencionistas; agora, esse exército ficou em casa. Resta saber se isso aconteceu porque as eleições europeias não provocam indignação; porque a acumulação de feriados convida à preguiça; ou, de forma mais fatal, porque os eleitores potenciais do Chega se sentiram traídos pela decisão do partido em acompanhar o PS em sucessivas votações no Parlamento nacional. Presume-se que André Ventura não queira descobrir tão cedo. Quanto mais tarde voltar a ir a votos, melhor.

Sebastião Bugalho

No filme Big, que valeu a primeira indicação de Tom Hanks para um óscar, um adolescente vive, por magia, uma vida de sonho como adulto durante alguns dias. Acaba por voltar a casa, para seguir a sua vida como adolescente, quando fica perante a inevitabilidade de que tudo tem um tempo e que não se podem queimar etapas. Foi isso que Sebastião Bugalho viveu no último mês e meio. Escolhido pelo PSD para encabeçar uma eleição de círculo nacional, Bugalho não colocou outra hipótese que não fosse vencer. No PSD já havia quem o visse com potencial para a liderança do partido no futuro (nem militante é) ou como futuro candidato a primeiro-ministro. O próprio não enjeitava a ideia quando questionado sobre o assunto. Santana Lopes – meio a brincar, meio deslumbrado – até o via como candidato presidencial, não fosse faltarem-lhe ainda sete anos para a idade mínima imposta pela Constituição para um cidadão ser Presidente da República. O jovem candidato era experiente no comentário televisivo e tinha acesso aos mentideros da política nacional, mas desconhecia a dureza da campanha, a exigência do combate político diário e a voragem do aparelho partidário. E nada disto tinha a ver com a idade, mas com a inexperiência: Bardella, que venceu em França, tem os mesmos 28 anos, mas tem muitos anos de partido e até de Parlamento Europeu. Bugalho esteve próximo de tocar o céu, mas, como dizia um conhecido anúncio da Danone sobre quem quer crescer rápido, faltou-lhe um “bocadinho assim”. Ficou a 38.529 votos da vitória, que seriam fundamentais para alimentar o sonho de um futuro político. Agora tem de dar um passo atrás, tentar afirmar-se como eurodeputado e decidir se quer continuar a apostar na carreira política. Antes de tudo, tem de enfrentar a primeira grande provação de um político: saber lidar com a derrota.

Rui Tavares

O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Francisco Paupério venceu as primárias numa primeira volta, mas o politburo do partido (chama-se Grupo de Contacto, no Livre), com Rui Tavares à cabeça, não gostou do resultado. Houve de imediato (sob a capa de outros órgãos) tentativas de afastar Paupério, mas a pressão mediática falou mais alto e o candidato conseguiu ir a uma segunda volta e vencê-la. Rui Tavares nunca conseguiu ultrapassar o facto de a sua candidata preferida nas primárias não ser a cabeça de lista e – depois de os simpatizantes não lhe terem feito a vontade – amuou e limitou-se ao mínimo indispensável na ajuda a Paupério durante a campanha. Rui Tavares é um ativo eleitoral para o Livre, mas não quis colocar a sua popularidade ao serviço do seu candidato europeu. No fim do dia, com a guerrinha interna desperdiçou uma oportunidade única de internacionalizar o Livre. Paupério terá culpas na derrota, mas o grande responsável é, sem dúvida, Rui Tavares.

Inês Sousa Real

O PAN está mesmo a caminho da irrelevância. A culpa não é só de Pedro Fidalgo Marques — foi um mau cabeça de lista, mas nem o melhor dos candidatos conseguiria evitar a catástrofe. O problema é que o PAN, basicamente, tem duas causas: o ambiente e o bem-estar animal. A primeira, está diluída: só nesta eleição, tivemos o PAN, o Livre e o BE, pelo menos, com um discurso largamente ecologista. Já a segunda causa é curta para construir um partido viável. Soma-se a isso, claro, a incapacidade mobilizadora das lideranças. Para o PAN conseguir dar a volta, seria preciso que Inês Sousa Real se transformasse numa deputada extraordinária. Não parece que vá acontecer.

Os sobreviventes

Luís Montenegro

Se o líder parlamentar do PSD já citou Marisa, a fadista, no Parlamento, esta noite aplica-se a mesma máxima da música então citada por Hugo Soares, Melhor de Mim: “É preciso perder/ para depois se ganhar”. Montenegro perdeu em votos, mas pode ter ganho em estabilidade. É inegável que foi uma derrota porque a AD ficou em segundo lugar e porque o PS ficou em primeiro. Mas a margem da derrota foi curta, o Chega perdeu força e o espaço não-socialista continua a ser maioritário. André Ventura, mais fragilizado, não quererá ir a votos em outubro. Pedro Nuno Santos, que vence pela primeira vez uma eleição como secretário-geral, não tem espaço de governação alternativo, mesmo que um dia vença legislativas. A nenhum dos dois adversários interessa contribuir para o derrube do Governo de Luís Montenegro, que assim vai ter um mandato de, pelo menos, três anos em que pode mostrar a sua marca de governação. O resultado força ainda, por imposição dos eleitores, o regresso do velho centrão político que pode ser fundamental para a estabilidade de um governo minoritário. A noite deu-lhe ainda mais um brinde colateral: António Costa pode chegar à presidência do Conselho Europeu. Isso traz a Montenegro duas vantagens: afasta Costa de qualquer cargo nacional onde o possa importunar (num regresso a São Bento ou em Belém) e ainda passa a ter um compatriota no importante órgão europeu.

Catarina Martins

O Bloco de Esquerda viu a sua representação no Parlamento Europeu reduzida a metade, mas – depois de ter ficado de fora do parlamento regional na Madeira e nos Açores – a eleição de Catarina Martins tem sabor a vitória. Além disso consegue afirmar-se como o maior dos mais pequenos à esquerda do PS. Os novos competidores no espaço ecologista, e até da defesa animal, como o Livre e o PAN, perdem sempre contra o Bloco de Esquerda. O velho competidor CDU também se mantém atrás, embora a menos de 5 mil votos. Os tempos não estão favoráveis para a esquerda, mas o Bloco vai sobrevivendo.

João Oliveira

Foi por pouco. A CDU teve menos 65.535 votos do que em 2019 e menos um eurodeputado. João Oliveira foi eleito na última hora e no último esforço — e, assim, os comunistas vivem para lutar mais um dia, como se costuma dizer. Mas a forma como Paulo Raimundo festejou este resultado periclitante, dizendo que foi uma noite em que as coisas “correram bem” e anunciando “estar mesmo muito contente com o resultado” mostra que os comunistas já se dão por satisfeitos com muito, muito pouco.