Há muito que Guilherme Peixoto é mais do que um padre da Póvoa de Varzim. Tornou-se famoso um pouco por todo o país (e até com notícias no estrangeiro) por se ter tornado DJ — chegou a milhares de pessoas nos tempos da pandemia e não mais parou. O auge da carreira vai ser participar na Jornada Mundial da Juventude, particularmente com um concerto antes de o Papa Francisco celebrar a missa de envio.
Prefere não pensar muito no momento antes de o mesmo se tornar real, até para que os nervos não tomem conta do corpo, mas sente o peso da responsabilidade de acordar os jovens antes da chegada do Papa Francisco. É exatamente isso: a atuação do padre DJ vai funcionar como uma “espécie de alvorada, um despertar do Parque Tejo” onde milhares de peregrinos vão passar a noite na tradicional vigília da Jornada Mundial da Juventude.
“Muitos dos peregrinos dormem pouco ou não dormem e esta é a maneira de antes da eucaristia haver um momento para acordar”, explica ao Observador, antecipando uma alvorada que está marcada para as 7h30 de domingo, antes daquele que é considerado o ponto alto da JMJ de Lisboa e em que Francisco vai anunciar o país onde se realizará o próximo evento.
JMJ teve direito a tour especial
A JMJ 2023 está no calendário da tour do padre Guilherme com três eventos: começou no dia 29 de julho na Expolima, em Viana do Castelo, passou pelo Espaço Agros em Vila do Conde e Póvoa de Varzim, e vai terminar no dia 6 de agosto no Parque Tejo, em Lisboa. Mas não só de paragens oficiais se têm feito os últimos dias antes do arranque da Jornada: esta segunda-feira, dia 31 de julho, o padre Guilherme esteve em Rio de Mouro, Sintra, e animou a noite de largas dezenas de jovens no dia em que celebrou 49 anos.
“É o meu aniversário. Vou seguir para Rio de Mouro, em Sintra, e a diocese de Viana do Castelo vai ficar lá durante a Jornada Mundial da Juventude e hoje é a festa da chegada, aquele tecno espiritual”, anunciou o padre nas redes sociais — no Instagram tem mais de 120 mil seguidores e no TikTok mais de 235 mil.
https://www.tiktok.com/@padreguilherme/video/7261994411632938273
Nas últimas semanas, o padre tem partilhado vários vídeos com alusão à Jornada Mundial da Juventude, nomeadamente com o lema “Esta é a juventude do Papa“. E antes de os jovens que foram acolhidos pela diocese de Viana do Castelo rumarem a Lisboa, o padre DJ deu uma festa, pôs música e deixou o momento nas redes sociais com uma mensagem no Instagram: “Quando o discurso do Papa Francisco chega à linguagem eletrónica.”
A Igreja (e não um supermercado) onde as pessoas têm de voltar a sentir-se em casa
Ao Observador, Guilherme Peixoto descreve a presença de 58 peregrinos nas suas paróquias, durante a última semana, como uma “riqueza muito grande”, um momento especial em que centenas de milhares de jovens chegam a Portugal com “vivências de fé e uma energia” que nem sempre está à vista da população. “Trazem-nos uma vida de fé, são alegres, têm fé e não têm vergonha de ter fé“, realça, sublinhando que em Portugal muitas vezes existe “falta de tolerância e paciência” para com a Igreja católica — “Nem o benefício da dúvida nos deram para este encontro. É demasiado fácil criticar uma instituição que por norma não se defende.”
O padre Guilherme acredita que o afastamento dos jovens da Igreja está diretamente relacionado com o facto de os seus pais se terem desligado. “Até podem fazer o batismo e a primeira comunhão, mas se não vivem a fé é difícil que filhos possam vir a ter fé”, justifica, enquanto acrescenta que até há crianças que querem estar na igreja, particularmente com os amigos, e que se queixam de que “os pais não os levam”.
“Os pais olham para a Igreja como um supermercado, tiram o que querem, não há compromisso e quando voltam a precisar vão outra vez”, atira o padre Guilherme Peixoto.
Questionado sobre o posicionamento do Papa Francisco sobre questões fraturantes, nomeadamente sobre mulheres, divorciados e LGBTQI+, Guilherme Peixoto recorda que “Cristo abomina o pecado, mas não o pecador”. “Cristo era alguém com capacidade de tolerar, tolerar até é redutor, Cristo procurava integrar e é isto que o Papa Francisco faz, mostrar que temos de integrar e aceitar as diferenças. A Igreja não é um juiz, o único juiz é Deus. Quem somos nós para marginalizar?”, questiona, elogiando o “caminho fundamental” do chefe da Igreja em “abrir as mentalidades da Igreja e dos cristãos”.
“É necessário voltar a chamar toda essa gente que foi ostracizada para que essas pessoas sintam a Igreja como a sua casa. Enquanto a Igreja não conseguir fazer com que as pessoas se sintam em casa, há um problema e a culpa é da Igreja”, argumenta.
A música sempre presente e os headphones abençoados
Numa entrevista ao Observador em 2020, o padre contava que a música foi a forma que arranjou de se aproximar dos fiéis em plena pandemia. Trabalhou para chegar aos cinco mil crentes das paróquias de Amorim e de Laúndos através de comunicados escritos, mas as pessoas “não os liam até ao fim”, o que o levou a investir em vídeos sempre com um “toque de humor à mistura”.
Os seguidores começaram a crescer e a veia artística, que há muito existia, começou a aproximá-lo cada vez mais das pessoas. Mas a pandemia obrigou-o a cancelar tudo quando Guilherme Peixoto já tinha uma agenda artística fora do contexto paroquial. “Sempre quis ser padre, mas os ambientes de bares, copos com amigos e discotecas nunca foram estranhos para mim. No seminário, além do grupo de cantares, tinha uma banda de rock com outros seminaristas. Durou até ao último ano.”
DJ Padre Guilherme. Conselhos pastorais e deep house para alegrar os dias de isolamento
Natural de Guimarães, foi à chegada à Póvoa de Varzim que se descobriu como DJ. Com um grupo de voluntários, abriu o Ar de Rock Laúndos, um bar cujo principal objetivo começou por ser angariar fundos para pagar as dívidas da paróquia. “Nessa altura, passava música nos intervalos do karaoke. Comprei um programa para começar a misturar, depois uma mesa de mistura, depois um controlador melhor e já lá vão 14 anos”, contou há três anos ao Observador. Conclusão: as dívidas foram saldadas, a Igreja Matriz de Laúndos acabou por ser restaurada e a paróquia ganhou uma nova sede para o agrupamento de escuteiros, tudo graças ao sucesso do bar.
“No início foi difícil. Há sempre pessoas que se escandalizam com um padre a passar música”, admitia, ao sublinhar que nunca deixou de ser quem era por ser padre. Para Guilherme Peixoto, música (seja ela qual for) e igreja nunca foram incompatíveis. Diz que, ao longo dos anos, sempre contou com o apoio do Bispo de Braga — “Às vezes, na brincadeira, diz que tenho de ter juízo”. No ano passado, durante uma visita ao Vaticano, levou os headphones ao Papa, para que o próprio Francisco lhos abençoasse.
Agora, vai subir ao palco do Parque Tejo no último dia do evento, 1h30 antes da missa de envio, celebrada pelo Papa Francisco. Não vai usar os headphones abençoados, esses passaram a estar em casa, junto à mesa de mistura, porque têm um “simbolismo demasiado grande” para andarem na rua.