O PAN confirmou o seu estatuto de saco de gatos interno, mas também de gato de Schrödinger na relação com os campos ideológicos tradicionais. O PAN está dentro de uma caixa em que é de esquerda, mas também de direita, assumindo, porém, ser apenas de centro. A reeleita líder Inês Sousa Real faz, no entanto, uma correção de caminho: afasta a ideia (criada em 2022) de que o PAN pode ser um satélite do PS e mostra-se disponível para negociar no futuro, quer com governos liderados por socialistas, quer pelo PSD. Só há uma linha vermelha, à atenção dos sociais-democratas: que essas negociações não incluam o Chega.

O primeiro passo para que possa negociar com todos é, então, afastar a ideia de que tem relações privilegiadas com o PS. Essa primazia, a acontecer, é por o PS estar no Governo e não por ser o PS. Nesse particular, Inês Sousa Real abriu o Congresso a criticar o Governo de António Costa por não aproveitar os fundos comunitários, por se ter “esquecido o relógio climático”, de deixar a “proteção animal para último plano” e de ser “mãos largas com quem mais polui e lucra” ao mesmo tempo que “fecha a mão na hora de chegar a quem mais precisa.”

A linha de críticas continuou no discurso de encerramento, já com o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro a assistir, exigindo “um governo que volte a dialogar e que não viva em constante autodefes” e que “ao invés de ter uma obsessão com o défice e a dívida, governe com o foco na resolução dos problemas das famílias, no combate às alterações climáticas e na defesa dos direitos dos animais.”

Ainda na estratégia de desvalorizar a ligação ao PS, Inês Sousa Real disse aos microfones da Rádio Observador, no debate com Nelson Silva, que “o PAN já votou várias vezes favoravelmente Orçamentos do PS e não foi esta direção”, numa alusão a André Silva. Na mesma ocasião, a líder disse que “o PAN não tem sido a muleta do PS” e falou em “contexto de oposição”.

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Nem esquerda, nem direita: o centro que permite negociações com PS ou PSD

Na moção de estratégia global de Inês Sousa Real aprovada no Congresso, há a vontade de ser catch all center: apanhar tudo o que é votos ao centro. Em particular, os que fugiram para outros partidos em 2022: “[Pretendemos] recuperar os votos que já foram do PAN e que migraram para outros partidos, como para o Partido Socialista, para o Iniciativa Liberal, o PSD e trabalhar para captar as pessoas que tm um voto ao centro“:

Nessa perspetiva de partido de centro, o PAN diz aos seus eleitores que tanto pode aprovar um Governo liderado pelo PSD, como um Governo liderado pelo PS. “Prognósticos só depois do jogo”, disse Inês Sousa Real na Rádio Observador.

A líder do PAN pediu um “posicionamento ideológico na economia”, em particular na economia verde, até porque considerou, em declarações no Observador, “matérias como a habitação, educação, transportes públicos é boa uma posição livre de preconceito ideológico”. Além disso, defendeu, também aos microfones  Observador, a “ideia de que o PAN não é de esquerda nem de direita, é um partido progressista”

Inês Sousa Real pede, assim, “um debate ideológico, com um caderno de encargos sério”, que permita impor as causas do PAN “independentemente da força política que esteja a governar.” Numa altura em que o espaço não-socialista pode precisar do Chega para ter maioria no Parlamento, Inês Sousa Real deixa apenas uma linha vermelha para qualquer negociação futura com o PSD: “O PAN jamais terá disponível para viabilizar Governos com a extrema-direita.”

A afirmação do PAN como um “verde” Europeu

Uma outra parte da definição ideológica do PAN pode passar pela sua filiação na família europeia dos Verdes, atualmente o quarto maior grupo do Parlamento Europeu. Daí que a moção aprovada este sábado proponha “continuar a ligar o PAN à rede europeia e internacional de partidos ambientalistas” e “concluir a adesão aos European Greens e fazer parte da família verde europeia”.

A família dos Verdes Europeus é colocada na matriz ideológica do centro-esquerda e partilha várias das causas do PAN: a ecologia, a defesa da igualdade de género ou o europeísmo. Os parceiros europeus do PAN, aos quais o partido se quer aproximar, estão normalmente mais confortáveis em aliar-se com partidos de centro-esquerda (como acontece com o SPD, na Alemanha).

‘Os Verdes do PS’ e os privatizadores. Um assunto levado a púlpito

A relação do PAN com os outros partidos foi um dos temas levantado por vários congressistas a partir do púlpito. Do lado da oposição interna vieram críticas precisamente à excessiva colagem ao PS e o pedido para que isso deixe de acontecer. Paulo Batista, apoiante da lista B, afeta a Nelson Silva, lembra que o PAN começou “a campanha eleitoral autárquica num palco do PS. Literalmente, num palco do PS” e “as legislativas a fazer um discurso na AR que foi o melhor discurso do PS.” Deixou por fim um repto:”Não podemos ser a bengala do PS.”  Também Rui Prudência, igualmente da lista B, defendeu: “Não queremos ser Os Verdes do PS”.

Ninguém surgiu a defender acordos com o PSD, embora tenham sido poucos a rejeitar de forma liminar negociações com o centro-direita. O delegado Luís Martim deixou, a esse propósito, uma reflexão: “Poderíamos dar apoio a um Governo que privatiza a ferrovia? Que entrega os CTT?”

Além disso, num outro plano, o local, o delegado Ricardo Reis pediu que, ao invés de privilegiar os maiores partidos de centro-esquerda e centro-direita (PS e PSD), o PAN devia ter como prioritário, nas autárquicas, “coligações pré-eleitorais com movimentos de cidadãos” e com partidos da mesma família europeia (o Livre).

Já no fim da sessão o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes, elegeu o PAN como “parceiro parlamentar responsável”, quer “quando não havia maioria”, quer já “em maioria”, em que continua a negociar com o PS.