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Pavel Durov nasceu em 1984. Antes de liderar o Telegram, criou a maior rede social russa, a VK

Steve Jennings

Pavel Durov nasceu em 1984. Antes de liderar o Telegram, criou a maior rede social russa, a VK

Steve Jennings

Pavel Durov, o russo detrás do Telegram que prometeu proteger os ucranianos

Já foi chamado "Mark Zuckerberg da Rússia". Quando foi preciso, garantiu aos ucranianos que podem contar com o Telegram. Quem é o bilionário Pavel Durov, que se tornou inimigo de Vladimir Putin?

Telegram. No último mês, além de “Zelensky” ou “oligarca”, o nome desta plataforma digital de troca de mensagens encriptadas passou a fazer parte do léxico de quem segue a guerra na Ucrânia. Porém, esta app é bem mais do que só uma palavra: para os ucranianos, tem sido a principal fonte de informação segura numa altura em que o seu país está a ser invadido pela Rússia. Ironicamente, quem está por detrás do serviço concorrente do WhatsApp ou Signal é um russo — Pavel Durov, que em 2016 era apelidado pela Forbes como “o Mark Zuckeberg da Rússia”.

Nesse ano, a revista de economia justificava a comparação entre os dois líderes tecnológicos. Apesar das nacionalidades diferentes (o americano nasceu na Califórnia e o russo em São Petersburgo, quando ainda se chamava Leningrado), são os dois de 1984 e criaram redes sociais líderes nos seus países: Zuckerberg, o Facebook, em 2004; e Durov a  VKontakte (VK), em 2006. Não é referido no artigo, mas ambos também são donos, seja por aquisição ou por terem criado, de duas das maiores aplicações de mensagens da atualidade: o WhatsApp e o Telegram.

A Forbes escreveu ainda que os dois tinham “inimigos”. No caso de Zuckerberg, os “gémeos Winklevoss”, cofundadores do Facebook que, como outros fundadores da plataforma, tiveram vários litígios com o líder da rede social. Já no caso de Durov, o nome do inimigo impõe mais respeito: “o Kremlin”.

Se, em 2016, já se apontava o governo russo como opositor do criador do Telegram, não é de estranhar a posição que o magnata tecnológico tem tido durante a invasão do seu país à Ucrânia. Como avançaram vários órgãos de comunicação social na semana passada, como a BBC, Durov disse publicamente — através de uma mensagem que partilhou no Telegram e replicou noutras plataformas, como o Twitter — que ia continuar a proteger os dados dos ucranianos.

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“Se me seguem, sabem que, do lado da minha mãe, a minha linhagem familiar vem de Kiev”, começa por dizer o russo agora radicado no Dubai, no Emirados Árabes Unidos. E continua: “O seu nome de solteira é ucraniano (Ivanenko), e até hoje temos muitos familiares a morar na Ucrânia”. “É por isso que esse trágico conflito é pessoal tanto para mim quanto para o Telegram”, adianta. Depois, sem rodeios, responde às dúvidas sobre si: “Algumas pessoas perguntaram se o Telegram é de alguma forma menos seguro para os ucranianos porque já morei na Rússia. Deixem-me dizer a essas pessoas como a minha carreira na Rússia terminou”.

O que se segue na publicação de Durov é o resumo da história de como o homem por detrás do Telegram se tornou persona non grata no seu próprio país: “Há nove anos, era o presidente executivo da VK, que era a maior rede social da Rússia e da Ucrânia. Em 2013, a agência de segurança russa, FSB [sucessora do KGB], exigiu que lhes fornecesse os dados privados dos utilizadores ucranianos do VK que protestavam contra um presidente pró-russo. Recusei-me a cumprir essas exigências, porque isso significaria uma traição aos nossos utilizadores ucranianos.”

"Há nove anos, era o presidente executivo da VK, que era a maior rede social da Rússia e da Ucrânia. Em 2013, a agência de segurança russa, FSB [sucessora do KGB], exigiu que lhes fornecesse os dados privados dos utilizadores ucranianos do VK que protestavam contra um presidente pró-russo. Recusei-me a cumprir essas exigências, porque isso significaria uma traição aos nossos utilizadores ucranianos"

Este episódio, que aconteceu um ano antes da invasão da Crimeia, fez de Durov uma das caras modernas do contrapoder na Rússia. Tudo por um pormenor que é uma das bases do sucesso do Telegram. A forma como a app está construída e encriptada faz com que seja difícil de banir ou suspender o serviço em qualquer país — por isso é que tem sido tão usada na Ucrânia. Como contava o The Washington Post em junho de 2020, esta defesa do líder do Telegram fez com que ficasse visto como “o homem que enfrentou o Kremlin e venceu, o que é raro”. Porém, a rede social VK não era assim.

Durov conta o que aconteceu depois de ter enfrentado o Kremlin. “Fui demitido da empresa que fundei e fui forçado a deixar a Rússia” — quem ficou responsável pela VK foi Alisher Usmanov, um dos oligarcas russos sancionados pela União Europeia, Reino Unido e Estados Unidos, e, em 2021, a VK passou a ser detida pela Gazprom, empresa próxima do Kremlin. Mesmo assim, Durov afirma: “Perdi a minha empresa e a minha casa, mas faria tudo de novo – sem hesitar. Sorrio com orgulho quando leio a minha publicação no VK de abril de 2014, que mostra os pedidos do FSB e a minha resposta com a minha imagem de marca que lhes enviei  – um cão com capuz” (Durov veste-se sempre de preto e, na altura, era conhecido por um usar casaco negro com capuz, da mesma maneira que Zuckerberg só usava t-shirts).

A publicação desafiante ao governo russo que Pavel Durov fez em 2014

Um irmão matemático e polícia à porta de casa: como se cria uma aplicação de mensagens encriptada

Em 2013, quando o Telegram foi lançado, Durov ainda morava na Rússia e tinha a sua equipa tecnológica e empresa sediadas nesse país, conta na mesma publicação que fez para descansar os ucranianos. A questão é que “se passaram muitos anos desde então”. “Muitas coisas mudaram: não moro mais na Rússia, não tenho mais empresas ou funcionários lá, mas uma coisa permanece a mesma — defendo os nossos utilizadores, aconteça o que acontecer. O vosso direito à privacidade é sagrado. Agora mais do que nunca”. 

Atualmente, a empresa opera a partir de Berlim, na Alemanha, e de outros países, como os Emirados Árabes Unidos — e tudo debaixo da liderança de Pavel, que continua a ser presidente executivo do projeto. No entanto, há uma personagem desta história que é crucial para explicar como nasceu o Telegram. À semelhança de Zuckerberg, os maiores feitos de Durov contaram com o apoio de outras pessoas. Neste caso, de Nikolai Durov, o seu irmão mais velho (tem 41 anos), que tem uma presença pública bem menor e não desempenha nenhum papel de liderança no Telegram.

"Muitas coisas mudaram: não moro mais na Rússia, não tenho mais empresas ou funcionários lá, mas uma coisa permanece a mesma - defendo os nossos utilizadores, não importa o quê", continua por dizer, adiantando: "O vosso direito à privacidade é sagrado. Agora mais do que nunca"

Foi com Nikolai que Pavel criou a VK e o Telegram. Esta é uma parceria que vem desde que os dois eram jovens, contou Pavel ao The New York Times — foi Nikolai que ensinou Pavel a programar, por exemplo. Nikolai teve um percurso bem mais académico e afastou-se dos projetos em 2014, mantendo-se ainda como professor e investigador de matemática na Universidade de São Petersburgo.

É preciso recuar a 2011 para perceber como esta relação criou a app de mensagens. Devido ao sucesso que a VK tinha na Rússia, que permitia que se partilhassem conteúdos sem muitas restrições — incluindo imagens, vídeos protegidos por direitos de autor ou publicações de caráter político –, Pavel estava ter problemas com a justiça russa. Nesse ano, num episódio que se tornou conhecido, teve à porta de sua casa uma unidade das forças especiais da polícia. No meio de tudo, qual era a sua maior preocupação? Não poder falar de forma segura com Nikolai. Nesse momento, como disse ao The New York Times, teve a ideia e, dois anos depois, surgiu o Telegram: uma aplicação que promete aos utilizadores poderem trocar mensagens encriptadas para proteger a sua privacidade.

Em quase 10 anos, o serviço angariou mais de 500 milhões de utilizadores e até tem sido utilizado pelo governo ucraniano para comunicar notícias à população durante a guerra. Ao contrário do WhatsApp, o Telegram tem características que fazem com que o serviço se assemelhe mais a uma rede social e menos a uma app de mensagens, como a possibilidade de se criar grupos sem limite de membros.

O excêntrico russo que também é francês e cidadão da Federação de São Cristóvão e Neves tem um herói: “Edward Snowden”

Atualmente, a fortuna de Pavel Durov está avaliada em cerca de 15 mil milhões de euros, de acordo com a Forbes. No Instagram, o russo dá um vislumbre da vida multimilionária que leva no Dubai (e um pouco pelo mundo) desde 2014, quando fugiu da Rússia. Pavel é conhecido por, à semelhança de outros líderes tecnológicos, ser excêntrico.

Em 2012, foi notícia depois de ter atirado pela janela dos seus escritórios para a rua notas de cinco mil rublos (na altura, cerca de 150 euros) dobradas como aviões de papel. Como contou na altura a RT, o episódio levou a lutas na rua e críticas ao multimilionário. Um ano mais tarde, em 2013, Durov voltou a ser notícia no ocidente depois de oferecer ao ex-espião e denunciante norte-americano Edward Snowden, que Pavel considera um “herói pessoal”, um emprego como responsável de cibersegurança na VK. As excentricidades poderiam ter continuado, mas o que aconteceu a seguir já dissemos: nesse ano, as secretas russas entraram na sua vida.

Edward Snowden Gives First Interview In Russia

Pavel Durov diz que vê Edward Snowden como um "herói pessoal"

Getty Images

Ao sair da Rússia, em 2014, Durov tornou-se cidadão da Federação de São Cristóvão e Neves, um arquipélago nas Caraíbas, conta o Moscow Times. Em 2021, tornou-se também francês, escreve o The Guardian. Além disso, apesar de grande parte da sua vida ter sido passada em São Petersburgo, onde concluiu a licenciatura, a maior parte da infância do líder do Telegram foi vivida em Turim, Itália, como contava a Bloomberg em 2013.

Apesar disso, Pavel assume que sem a Rússia não haveria Telegram. Numa entrevista ao The New York Times em 2014, afirmou: “A melhor coisa sobre a Rússia naquela época [quando criou o VK e, anos depois, o Telegram] era que a Internet não era completamente regulada. De certa forma, era mais livre do que nos Estados Unidos”. Havendo pouca regulação, projetos como o VK ou o Telegram, que Durov assume que tiveram “inspiração” nos concorrentes Facebook e WhatsApp, floresceram sem grandes dificuldades.

A Rússia pode sair da internet? “Para isolar os russos não basta cortar cabos”

Não obstante, isso começou a mudar em 2013, altura em que lança a famosa aplicação de mensagens. “Agora, a Internet é vista de forma suspeita por Putin, que chegou a apelidá-la de ‘Projeto CIA e tomou medidas para isolar a Rússia do resto do mundo digital”, escrevia na altura o The New York Times. Este receio de Putin mantém-se hoje em dia, havendo fortes suspeitas e acusações de que Putin está a avançar com um plano para cortar o país da internet, como o Observador explicou recentemente neste artigo.

O poder do encriptado Telegram

Os “chats secretos”, chamadas de voz e chamadas de vídeo são encriptadas de ponta a ponta no Telegram. Ou seja, como explicou recentemente a BBC, “não podem ser lidas nem pela empresa”. Este poder do Telegram é que leva desde entidades estatais, como o governo ucraniano, até grupos terrorista, como o ISIS, a confiarem nesta app para as suas comunicações. Com esta dicotomia de utilizadores, claro que há controvérsias.

O Telegram é muito semelhante ao WhatsApp, mas tem mais funcionalidades

Como conta o The Washington Post, o Kremlin não é alheio ao que se passa no Telegram. Se, por um lado, é por aí que milhões de russos podem ver o que se passa na Ucrânia, também foi aí que, sem censura, viram um discurso adulterado de Volodomyr Zelensky, o presidente da Ucrânia, a dizer às tropas ucraniana para se renderem. Ou seja, aqui Durov é novamente comparado a Zuckerberg — um dos maiores problemas que enfrenta é as suas plataformas estarem a ser usadas como máquinas massivas de propaganda política.

Oleksandra Tsekhanovska, chefe do Hybrid Warfare Analytical Group, do Ukraine Crisis Media Center, com sede em Kiev, foi uma das críticas destes efeitos da falta de supervisão no Telegram e mostra o outro lado da falta de intervenção de Durov, diz a AFP, como cita o Gadgets360. “Para o Telegram, a responsabilidade sempre foi um problema, e é por isso que era tão popular mesmo antes da guerra numa grande escala com extremistas de extrema-direita e terroristas de todo o mundo”, disse. Resta é saber, no final do conflito, se Durov conseguirá manter o Telegram acessível. Ainda esta sexta-feira, o governo do Brasil decretou, como conta a Veja, a suspensão do serviço, o que tornará mais difícil para a população poder usar a app. Mas, pela forma como Pavel construiu a ferramenta, será impossível qualquer governo silenciá-la. Afinal, Pavel criou-a para poder falar sem receios com o irmão — e conseguiu.

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