Um estudo encomendado pela Brisa garante que a pedreira Cova da Feitosa, em Moimento (Fátima), não representa risco para a A1, apesar da proximidade excessiva entre a exploração e a autoestrada. A informação foi dada ao Observador na sequência da publicação de duas reportagens especiais sobre as pedreiras em situação crítica no país (aqui e aqui), que revelaram que a margem de segurança mínima entre a exploração e a autoestrada, definida por lei, não está a ser cumprida.
O estudo geotécnico em causa, a que o Observador teve acesso, foi concluído em junho e pretendia avaliar se a pedreira interferia com a via. O técnicos concluíram que não há risco para a circulação na A1, mas dizem que, mesmo assim, a pedreira deve ser tapada. A recomendação segue a mesma linha da Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) que, em fevereiro, ordenou ao proprietário da exploração que repusesse a zona de segurança, para garantir que o buraco fica a mais de 70 metros da via.
O problema é que o proprietário diz que isso não é fácil nem rápido de fazer. Explica que esses trabalhos até já começaram, mas que, com as condições atuais, pode precisar de seis ou sete anos para o fazer — muito além de 2021, prazo que recebeu da DGEG. Garante, ainda assim, que vai cumprir a ordem, mesmo tendo em conta que a proximidade excessiva entre a pedreira e a autoestrada não é da responsabilidade da exploração, que já estava naquele mesmo sítio e àquela distância quando a A1 foi construída. É isso, pelo menos, que garantem dono atual e também a Direção-Geral de Energia e Geologia. Pelo contrário, a Brisa diz que quando ali construiu a A1, não havia qualquer “exploração efetiva” junto ao traçado.
Ordem para tapar e vigiar todos os anos
“A pedreira Cova da Feitosa não representa um risco para a circulação na A1, conforme um estudo recente, realizado no âmbito da atividade de monitorização da rede concessionada à Brisa Concessão Rodoviária, e que conclui que a estabilidade global dos taludes da pedreira adjacentes à zona da autoestrada não está posta em causa”, diz Franco Caruso, diretor de comunicação da Brisa. Sobre a recomendação do estudo para tapar a pedreira, a Brisa diz apenas que “espera que as autoridades competentes e a empresa proprietária da pedreira façam o que for adequado”.
O troço Torres Novas-Fátima tem várias pedreiras nas proximidades, mas nenhuma tão próxima como a Cova da Feitosa. “Foi feito um levantamento das pedreiras próximas da rede que podem representar um risco. A Cova da Feitosa foi a pedreira que se considerou que devia ter uma avaliação mais aprofundada”, explica Franco Caruso. Segundo a legislação das pedreiras (Decreto-Lei n.º 340/2007), a distância entre a parede da pedreira e a via devia ser de 70 metros, mas o Observador verificou que, em alguns pontos, só tinha 20 metros.
O Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), enquanto representante do Estado nos contractos de concessão — como no caso da A1 —, confirmou ao Observador que já teve acesso ao estudo. “[O IMT] já havia solicitado à Brisa esclarecimentos técnicos sobre a proximidade de pedreiras à autoestrada A1 e recebeu muito recentemente cópia de estudos geológicos entretanto realizados por empresa da especialidade a pedido da concessionária.” A Infraestruturas de Portugal (IP) diz ao Observador que também tomou “conhecimento da interferência da pedreira Cova da Feitosa (Moimento, Fátima) com a A1”.
Ainda que não seja responsável pela estrada em questão, a IP, enquanto administração rodoviária, tem de fazer cumprir o Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional e fiscaliza as infraestruturas quando recebe uma comunicação da parte das concessionárias. Neste caso, vai “em articulação com o IMT, promover o procedimento necessário junto da entidade gestora da A1, a concessionária Brisa” — ainda que não tenha explicado que procedimento será esse.
O Observador teve acesso ao estudo, realizado por uma entidade independente, que, apesar de concluir que a análise não permitiu encontrar problemas de estabilidade que colocassem em risco a estrada, também recomenda que a pedreira seja tapada total ou parcialmente. Se for apenas parcialmente, terá sempre de ser até dois terços da altura. Além disso, os autores do estudo sugerem uma vigilância anual do local.
Independentemente do que o IMT, a IP ou a Brisa venham a decidir em relação à pedreira, o IMT “entendeu remeter cópia dos referidos estudos à Direção-Geral de Energia e Geologia [DGEG], para conhecimento e acompanhamento do assunto por aquela entidade”. Contactada pelo Observador, Cristina Lourenço, subdiretora-geral da DGEG, ainda não tinha tido acesso ao estudo, mas disse que, mesmo que não haja risco para a via, isso não altera o facto de a pedreira ter de cumprir a lei e tapar o buraco até perfazer os 70 metros de distância à estrada, conforme previsto na lei que regulamenta as pedreiras.
Governo deu prazo de três anos. Pedreira precisa de mais de seis
Tendo em conta o incumprimento da lei em relação à zona de defesa, a exploração foi incluída no Plano de Intervenção em Pedreiras em Situação Crítica, aprovado em Conselho de Ministros. Neste âmbito, a empresa foi notificada pela DGEG para apresentar um “projeto de execução que identifique a melhor solução técnica para as intervenções de caráter estrutural, de reposição das zonas de defesa à A1“, disse o Ministério do Ambiente (que tutela a DGEG) ao Observador. A DGEG confirma ao Observador que esse projeto já foi entregue por parte do proprietário e que apresenta as medidas de “reposição da zona de defesa à autoestrada através de enchimento [daquela parte da pedreira]”.
Contactado na altura, António Almeida, gestor da empresa Pedralime, explica que, já em 2001, quando houve uma alteração à lei, a pedreira tinha elaborado um plano de recuperação daquela vertente da pedreira. “Íamos tapando, conforme o plano de recuperação, à medida que tínhamos oportunidade”, diz António Almeida. “Agora fomos chamados para fazer as coisas de outra maneira e para acelerar o processo. Tentámos sensibilizar que isto não se faz de rajada, tem custos económicos muitos grandes.” Além disso, alerta o explorador, é preciso que haja material disponível para se encher a pedreira — como terra ou pedra que, normalmente, são os materiais que sobram de vários tipos de escavações.
Com as condições que tem atualmente — não só as condições financeiras da empresa, mas também as relativas ao material que tem disponível ou que espera vir a ter ao ritmo atual —, António Almeida prevê demorar seis a sete anos até ter a zona de defesa reposta conforme a indicação da DGEG. O problema é que o Governo quer o plano de intervenção nas pedreiras concluído em três anos. “Até 2021, é quase impossível”, diz o gestor da Pedralime.
E o cenário podia ser ainda mais grave, caso a ordem dissesse respeito ao cumprimento do que está estabelecido numa outra lei — o Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, publicado em 2015, que também impõe que as pedreiras deixem uma zona de defesa às estradas nacionais e autoestradas, mas faz contas diferentes: três metros de segurança por cada metro de profundidade. Se a pedreira Cova da Feitosa tiver entre 50 e 55 metros de profundidade, a zona de defesa deverá ser de 150 a 165 metros — mais de o dobro dos 70 metros pedidos pela legislação específica das pedreiras. Para poder cumprir esta distância, a pedreira teria de ser completamente tapada.
Pedreira já existia quando chegou a A1. Mas a que distância?
A história é, porém, um pouco mais complexa. “Aquando da instalação da A1, em 1991, o talude [a parede da pedreira] existente à data era sensivelmente o mesmo dos dias de hoje”, diz Cristina Lourenço, subdiretora-geral da DGEG — embora a Brisa (responsável pela construção da autoestrada) e a Infraestruturas de Portugal não tenham respondido a esta pergunta. Ou seja, a pedreira já lá estava quando chegou a A1 e a estrada foi construída mais perto da exploração do que aquilo que é permitido pela legislação atual.
António Almeida só está a explorar a pedreira desde 2015, mas diz o mesmo: segundo a informação que tem, a estrada foi construída à distância a que se encontra hoje. Desde então, a exploração daquele lado da pedreira não se aproximou da estrada, mas afundou. Sem ter sido parte do processo, o que António Almeida sabe é que a empresa que explorava a pedreira na altura (Brimoi) só foi informada da construção da autoestrada numa fase avançada da obra e que nunca foi indemnizada por potenciais prejuízos que daí possam ter surgido.
O problema é que a Brisa diz precisamente o contrário. Contactada pelo Observador, a concessionária — que foi responsável pela obra — diz que na zona em que foi construída a A1 não havia uma “exploração efetiva” perto do traçado da autoestrada, segundo um mapa datado de 1988, data próxima do início da construção.
“Em 1988, quando foi feito o projeto da A1 para o sublanço Torres Novas-Fátima, a zona em questão tinha cotas da mesma ordem de grandeza das associadas ao terreno natural na zona da A1, o que significa que não existia uma exploração efetiva de uma pedreira – e se existisse não tinha qualquer expressão — nessa zona específica”, diz a Brisa. “O projeto e a construção deste sublanço da A1 cumpriram os requisitos legais.”
Em 1991, quando a autoestrada foi concluída, as pedreiras estavam obrigadas a deixar 70 metros de distância até às autoestradas, segundo a legislação de 1990. Mas, neste caso, a pedreira já lá estava quando a autoestrada surgiu, pelo que não podia, simplesmente, recuar. A obrigação de garantir uma distância de segurança era, por isso, da própria via. Segundo o estatuto das estradas em vigor na altura (de 1949, atualizado em 1971), a distância de segurança era uma vez e meia a profundidade das escavações. Se a pedreira tivesse a profundidade que tem hoje, seria precisa uma zona de defesa superior a 75 metros. O Observador não conseguiu confirmar que profundidade teria a pedreira nessa altura.
Mas a legislação das estradas diz respeito ao que outras atividades devem garantir em relação à estrada — não ao que as estradas devem cumprir quando são construídas. Neste caso, como a estrada é que aparece depois, devia ter sido feito um estudo de impacto ambiental — que referisse não só os impactos ambientais, mas também sócio-económicos. E o mesmo estudo deveria ter estabelecido medidas de minimização do impacto, nomeadamente, do impacto na pedreira, explica uma advogada ouvida pelo Observador. Por exemplo, se a pedreira tivesse uma licença válida para explorar o talude mais perto da autoestrada e tivesse tido de suspender essa atividade, poderia ter direito a uma indemnização. Cristina Lourenço, subdiretora-geral da DGEG, confirma que a empresa tinha licença para explorar aquele lado da pedreira, mas que “a construção da A1 criou uma servidão pública, relativamente àquela infraestrutura, o que impede a exploração ao lado da estrada”. Logo, o interesse público da construção da estrada, sobrepôs-se aos interesses da pedreira.
Certo é que a pedreira tem mais de 70 anos, a conclusão da A1 foi muito posterior a isso — 1991 — e a legislação mais recente é de 2007, para as pedreiras, e de 2015, para as estradas. Mas, ainda assim, terá de ser a exploração a repor o terreno e garantir a zona de segurança à via. “Cabe-me a mim resolver os problemas”, diz António Almeida, gestor da Pedralime. O que o deixa mais descansado é que a Brimoi, que ainda é dona do terreno, tem ajudado no cumprimento da legislação.
Atualizado dia 2 de setembro, às 16h40, com a resposta da subdiretora-geral da DGEG sobre o facto de a A1 ser uma servidão pública.