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Pedro Siza Vieira é ministro há dois anos, mas aprendeu uma lição logo nos primeiros dias: “O custo mais elevado para alguém que aceita vir de uma atividade profissional ou da vida privada para a vida pública é mesmo esta sensação de que passamos a ser encarados como potenciais malfeitores”.
O ministro da Economia fazia esta revelação ao comentar as polémicas que marcaram o início do seu mandato, desde logo a questão da empresa que criou com a mulher na véspera de tomar posse como ministro – e que tanta tinta fez correr e que, admite agora, foi mesmo constituída para salvaguardar o património familiar.
“Fizemos isso. Foi bem pensado? Foi tarde? Eu tive dois dias para tomar decisões. O senhor primeiro-ministro convidou-me numa quarta-feira às 07:30 da manhã, obrigou-me a decidir até à hora do almoço e no sábado seguinte eu estava a tomar posse. Tive muito pouco tempo para arrumar 30 anos de vida profissional”, confessa ao programa “Sob Escuta” da Rádio Observador.
Assume que esses foram tempos “penosos”, mas garante que apesar disso nunca pensou demitir-se e não se arrepende de ter deixado para trás décadas de vida no setor privado como advogado para ingressar na política. Tanto que quer dar continuidade à experiência, embora em “funções executivas” e não propriamente como deputado.
Dois anos depois, parece já tratar a política por tu e não precisa de trazer a cartilha do governo debaixo do braço porque já a sabe de cor. Qualquer que fosse pergunta – TAP, serviços públicos, “geringonça” ou crescimento da economia -, a resposta aparecia sempre alinhada com a mensagem que António Costa e vários membros do governo têm tentado espalhar. E mesmo quando assume “francamente” que a execução do investimento público ficou “claramente abaixo das expectativas”, evita responsabilizar diretamente o ministro das Finanças e põe o foco naquilo que o governo anterior deixou por fazer ou na complexidade da máquina do Estado que faz com que as coisas se arrastem no tempo.
[Veja aqui o melhor da entrevista ao ministro da Economia:]
Faltam reformas com a “Geringonça”? Balanço é “francamente positivo”.
Na semana passada, Pedro Soares dos Santos disse nesta entrevista que a “geringonça” tinha efeitos nefastos para o país, por causa da ausência de reformas estruturais.
Creio que o que traduziu esta legislatura foi a capacidade de afirmação de uma primeira etapa de um programa que é mais vasto e de ambição para uma década. Em 2015, afirmou-se a vontade de, numa década, se assegurar a convergência com a Europa. Era um horizonte que nos escapava desde a adesão ao euro e, de facto, vamos no terceiro ano consecutivo de crescimento acima da média da União Europeia. Para fazer isto não bastava ir apenas gerindo a conjuntura.
Portanto, não concorda.
Para fazer isto foi necessário construir um conjunto de reformas e de sinais que foram muito significativos. Logo no programa de governo, as três prioridades eram a recuperação do emprego, a capacidade de recuperação de rendimentos e resolver o problema de financiamento das empresas.
E houve reformas nessas áreas?
Houve uma das principais reformas que foram estabelecidas neste país: conseguimos reformar o sistema fiscal no sentido de criar condições para o investimento empresarial e para a recapitalização das empresas, com medidas como o alargamento sucessivo das deduções e benefícios fiscais ao investimento empresarial; com a remuneração convencional do capital social, que hoje em dia permite apoiar e tornar mais atrativo – do ponto de vista fiscal – o financiamento da atividade empresarial com recurso a capitais próprios do que com dívida. E, finalmente, uma continuação dos incentivos fiscais aquilo que é a investigação e o desenvolvimento.
Está satisfeito com os resultados?
De tal maneira que, em dezembro do ano passado, a Comissão Europeia, no seu survey habitual sobre os sistemas fiscais dos países europeus concluiu que Portugal tem o segundo sistema fiscal mais favorável ao investimento empresarial, e o melhor relativamente à remuneração e capitalização das empresas.
Falando do sistema fiscal, quando este governo tomou posse, uma das primeiras medidas foi travar a descida que tinha sido acertada entre o governo anterior e o PS, para o IRC. Podíamos estar a chegar a 2020 com o IRC a 18%. Isto não seria benéfico para a atração do investimento estrangeiro?
Optámos por dirigir o alívio da carga fiscal para questões concretas: por um lado apoiar o investimento empresarial, quem investe, quem recapitaliza as suas empresas, baixa a fatura fiscal. O sócio que aumenta o capital social tem um benefício fiscal na sua própria esfera. Pelo contrário, uma redução generalizada da taxa marginal do IRC não assegura que os recursos adicionais libertados serão necessariamente aplicados em investimento. Como o principal problema era assegurar o crescimento do investimento, que apoia a criação de emprego e de emprego de qualidade, tínhamos que desenhar uma política fiscal que fosse dirigida a estes efeitos. Não é por acaso que, no ano passado, tivemos o maior nível de sempre de captação de investimento estrangeiro através do regime fiscal contratual e que ainda este ano temos dois mil milhões de euros em pipeline de investimento estrangeiro. Nunca tivemos níveis tão elevados de investimento estrangeiro em Portugal. E não é seguramente pelo sistema fiscal que ele é desencorajado.
Quando se fala de reformas estruturais, também houve condicionantes impostas pelos parceiros à esquerda. O senhor ministro foi daqueles que se convenceu logo à partida com a chamada” geringonça” ou foi dos que demoraram mais tempo a ser convencidos?
Vim para o governo a meio da legislatura, sabia muito bem qual era a solução que suportava este governo e estava muito confortável com ela. Podemos todos fazer uma avaliação ao fim destes quatro anos daquilo que esta solução governativa e parlamentar trouxeram ao país. O balanço é francamente positivo.
Mas estava convencido desde o início ou ficou surpreendido?
Estava profundamente convencido de que era preciso haver uma reorientação da política económica, disso não tinha dúvida. Este país só tem capacidade de ter futuro se apostar num modelo de desenvolvimento que aposte na qualificação e na inovação. As empresas que nos tiraram da crise e que agora estão fortemente exportadoras não são empresas que tenham apostado nos baixos salários ou na desregulação do mercado de trabalho. Foram as que melhor apostaram em contratar recursos humanos qualificados, que mais apostam na formação dos seus trabalhadores, que mais apostam na investigação e no desenvolvimento e na capacidade de a traduzir em novos modelos de produção e em novos produtos. Se estamos a exportar como estamos a exportar é precisamente com esta base.
Mas quando se começou a formar a hipótese…
Aquilo que eu sentia no final da legislatura anterior era que a política económica do governo anterior estava esgotada. Assentou muito na tentativa de reagir a uma emergência, mas continuava a não conseguir sair daquele paradigma. Aquilo que sabemos hoje é que não conseguimos competir internacionalmente com base na redução dos custos de trabalho. Pelo contrário, temos de encontrar formas de continuar a fazer crescer a produtividade das empresas portuguesas, para ter melhores condições de reter recursos humanos qualificados. A solução que foi criada oferecia, pelo menos, a possibilidade de consagrar algumas ideias. Tudo o que está no programa de governo é o que tem vindo a ser concretizado.
Produtividade tem vindo a cair em setores significativos do PIB
Vamos a questões concretas: o que é que está a ser feito para aumentar a produtividade, que é um dos alertas do Banco de Portugal (o crescimento dos cinco últimos anos assenta no emprego e não no aumento da produtividade da economia)?
Tive oportunidade de apreciar com detalhe o relatório do Conselho da Produtividade. Esse relatório faz uma análise muito interessante à nossa produtividade. Uma coisa é olharmos para a produtividade média da nossa economia, outra é decompormos setor a setor, subsetores e até ao nível das empresas. Se é verdade que a produtividade média não cresceu significativamente nestes anos, quando olhamos para cada setor descobrimos que a indústria transformadora está a assistir a crescimentos de produtividade superiores ao da produtividade da indústria europeia. Nos serviços as coisas estão mais estagnadas, mas também vemos coisas diferentes: há os que estão a crescer em produtividade, engenharias, desenvolvimento de aplicações informáticas, onde somos altamente competitivos. E depois setores onde a produtividade está a cair francamente. Sabe qual é o setor onde a produtividade mais caiu nestes últimos 10 anos? O setor financeiro e segurador. A seguir, o das telecomunicações e o da comunicação social. Ou seja, há setores com um peso significativo no PIB em que a produtividade foi caindo.
A pergunta era exatamente o que tem o governo de fazer.
Apostar naqueles setores que vêem a sua produtividade crescer e, sobretudo, alargar a receita que eles aplicaram a outros setores da economia.
E qual é a receita?
Beneficiar da qualificação dos portugueses que hoje em dia é muito melhor do que era há 20 ou 30 anos. Beneficiar do grande investimento que fizemos no sistema científico e tecnológico e na capacidade de transferir conhecimento das universidades, dos politécnicos, dos centros tecnológicos para as empresas. Foram estes setores que fizeram crescer as exportações, são estes que estão a investir e são estes que temos de continuar a apoiar. É muito importante continuarmos a investir na formação de ativos além da melhoria do nosso sistema educativo e na capacidade de apoiarmos o crescimento do emprego científico, o crescimento da despesa em investigação e desenvolvimento.
Ainda assim há outros números que contrariam a visão que o senhor tem apresentado.
Eu não estou a dizer que está tudo bem.
Maiores problemas da economia? Endividamento e falta de recursos humanos
Então onde é que identifica problemas que é preciso corrigir com urgência?
O nível de endividamento da economia, no seu todo. É verdade que reduzimos imenso o endividamento da economia em percentagem do PIB. As empresas estão muito menos endividadas do que estavam há quatro ou cinco anos.
Em percentagem de PIB. Em termos absolutos estão iguais.
Em termos absolutos, as empresas e as famílias têm estado a reduzir o seu endividamento. Continuam a reduzir trimestre após trimestre, sobretudo nos últimos 3 anos. E o Estado também começa a fazer um esforço de redução do endividamento. Finalmente baixámos dos 130% do PIB para pouco mais de 120%. Mas este é um problema muito significativo. O que é que está a acontecer às famílias e às empresas? A poupança das famílias está a ser utilizada para reduzir dívida. Têm mais rendimento disponível porque há mais emprego, os salários estão a subir, há mais dinheiro no fim do mês, mas em vez de aplicarem isto de para ser dirigido ao setor produtivo, estão a usar os seus recursos adicionais para amortizar dívida. As aplicações financeiras que estão disponíveis pagam muito pouco e portanto, mais vale deixar de pagar juro sobre o empréstimo à habitação do que propriamente estar a investir.
Portanto não consomem, também.
Não consomem, não poupam e dirigem todo o esforço à redução do endividamento. No caso das empresas, tem permitido que dirijam as suas poupanças para o investimento, e isso tem sido muito positivo. É preciso continuar a fazer um esforço de redução do endividamento. Particularmente numa altura em que a economia está a subir, temos de assegurar a continuada redução da dívida pública porque isso é que nos vai ajudar a criar condições para, no futuro, termos a possibilidade de continuar a investir e a crescer ao ritmo a que estamos.
Consegue identificar mais problemas urgentes?
O problema número um que mencionam os empresários em todo o país que é a falta de recursos humanos. Começamos a estar numa situação muito próxima do pleno emprego, em que em todos os setores e regiões as pessoas se queixam. No final da semana passada estive em Vila Real e em Bragança e posso dizer-lhe que ali a queixa é a mesma. É um problema muito grande, temos que trabalhar em várias frentes, qualificar os ativos para os poder reorientar para as atividades que estão mais carenciadas e temos também de trazer gente de fora.
Trazer gente de fora e oferecer o quê?
No nosso modelo de desenvolvimento, aquilo que nos permite funcionar no futuro é ter a capacidade de nos dirigirmos a atividades altamente especializadas com altos níveis de produtividade. Precisamos de ter pessoas altamente qualificadas e, por isso, as empresas têm de criar condições para dar aos nossos recursos humanos, condições laborais, condições salariais correspondentes às qualificações, às expectativas e às aspirações das pessoas que agora estão no mercado de trabalho. Porque senão, vão para fora. Vivemos num espaço aberto e as pessoas podem ir aplicar as suas qualificações, que são muito apreciadas, noutros locais.
OCDE avisa que subida do emprego esconde estagnação salarial sem precedente
A OCDE, por exemplo, identifica que os salários em Portugal não estão a crescer.
A segurança social tem praticamente em tempo real os níveis e as declarações dos salários que são praticados em Portugal. Aquilo que temos visto, mês após mês, é que os salários estão a subir. Tivemos uns tempos com emprego a crescer e diminuição do desemprego, o que puxava bastante pelo crescimento do rendimento das famílias. Mas agora, até pela escassez de mão de obra em muitos sítios, estamos a ver os salários a subir. Em todos os níveis salariais, não só no mínimo. É também o médio e os salários de topo que estão a subir e isso é positivo.
Programa Capitalizar foi uma das reformas mais significativas deste Governo
Quando o senhor ministro entrou para este governo, para além da experiência como advogado, tinha também como cartão de visita o facto de ser amigo do primeiro-ministro. Sendo esse o ponto de partida, que marca acredita ter deixado agora que estamos no final da legislatura?
Espero que não tenha sido isso que me fez ser membro do governo. O meu conhecimento do primeiro-ministro é igual ao que muitas pessoas tinham na altura em que passei pela faculdade de Direito. O facto de o conhecer não quer dizer que não possa contar entre os meus amigos, até mais próximos, dirigentes políticos de outras filiações.
Então acha que foi escolhido porquê?
Primeiro porque tinha a experiência de vida e a experiência profissional que me permitiam desempenhar outro tipo de funções. Por outro lado, porque desde o primeiro momento participei na Estrutura de Missão para capitalização das empresas portuguesas que levou a cabo o programa Capitalizar. Foi uma das reformas mais significativas que o governo pôde introduzir durante esta legislatura. Interviemos nas estruturas de reestruturação empresarial, naquilo que tem a ver com o financiamento das empresas, interviemos na reestruturação das instituições financeiras do ministério da Economia dando disponibilização de recursos às empresas para investirem, interviemos no sistema fiscal. E iniciámos um conjunto de reformas importantes para termos um mercado de capitais que se possa oferecer como alternativa ao financiamento empresarial, que está muito dependente do financiamento bancário. Essa atividade que tive naqueles dois anos após a constituição do governo, deu-me alguma visibilidade no executivo.
E então qual é a marca que deixa passados estes dois anos?
Não sei se posso ter marca. Posso dizer-lhe aquilo em que foquei a minha atividade nestes meses que levo como ministro da Economia: uma articulação mais intensa entre setor público e setor privado à volta de alguns desígnios estratégicos para o crescimento da produtividade e da internacionalização das empresas. Quando trabalhamos com as associações e os clusters setoriais para desenhar formação profissional que responda às necessidades das empresas, a redução de custos de contexto, a identificação de questões de financiamento empresarial, tudo isto para que, em determinados objetivos estratégicos, os setores exprimam de que forma a política económica do governo se pode alinhar com eles. E depois ter fóruns onde se faça o acompanhamento dessas medidas.
Seria essa a sua marca?
Julgo que esses pactos setoriais, já assinámos seis e queremos avançar com outros em breve, são importantes. Queremos agora avançar com o pacto setorial para o setor ferroviário. É muito importante conseguirmos trabalhar com todo o setor, academia, empresas e prestadores de serviços para podermos concretizar os objetivos que nos propomos no setor ferroviário que são um desígnio nacional como o senhor ministro das infraestruturas já disse.
Serviços públicos não estão a funcionar pior… generalizadamente
Uma das dúvidas que ficou, precisamente com o anúncio recente feito por Pedro Nuno Santos, foi se não chegou tarde demais. Este governo não tinha obrigação de ter feito mais pelos serviços públicos quando apanhou já a economia a reagir depois da recessão? Ou a prioridade da reposição de rendimentos impedia que se fizesse o que tinha de ser feito noutras áreas, nomeadamente na saúde ou na ferrovia, por exemplo?
Este governo, se teve alguma virtude, que também pode parecer em alguns momentos defeito, foi a de ter trabalhado de acordo com um plano muito estruturado que apresentou ao país no início da legislatura. O programa de governo dizia quais eram as áreas em que iríamos investir e qual a ordem das prioridades. Na função pública, na programação financeira do Estado e no investimento público. Se olharmos, por exemplo, para o sistema de transportes verificamos que aquilo que era o cenário do metropolitano de Lisboa e do metropolitano do Porto, de supressões, de falta de composições, tudo isso foi superado.
Houve muitas notícias, durante este governo, precisamente desse tipo de problemas.
O programa de investimentos nos metropolitanos, o programa de investimentos na Carris e na STCP, o reforço da oferta, a redução tarifária, tudo isso são investimentos muito significativos nos serviços públicos. Agora é preciso olharmos para o transporte ferroviário. Uma componente muito importante da mobilidade nas áreas metropolitanas é precisamente a questão dos suburbanos da CP, os serviços regionais precisam também de um grande reforço e esta é a altura de o fazer. Temos visto um crescimento muito importante da despesa corrente em matéria de serviços públicos. Foi programada, está a acontecer.
Mas isso não teve apenas a ver com a melhoria dos serviços propriamente ditos, tem a ver também com algumas decisões políticas que foram tomadas, e que implicaram naturalmente um aumento da despesa.
Uma das condições de funcionamento dos serviços públicos é obviamente termos pessoas para responder às necessidades dos cidadãos. A ideia de que podemos ter serviços públicos de qualidade sem termos funcionários públicos não é uma ideia assim muito famosa.
Estava a falar do impacto de medidas como a reposição de rendimentos, as 35 horas.
Foi esse o compromisso inicialmente assumido. Recuperar os salários que tinha sido cortados, recuperar as pensões que tinham sido cortadas, repor os horários de trabalho que tinham sido aumentados sendo – sempre apresentados de forma transitória – e chegar ao final da legislatura com todas as carreiras da função pública descongeladas. Além disso, conseguimos fazer a admissão dos trabalhadores precários da administração pública que, fala-se sempre daqueles que ainda não estão admitidos nos quadros, mas há um movimento muito importante que trouxe para dentro dos quadros da administração pública pessoas que trabalhavam há muitos e muitos anos a satisfazer necessidades permanentes. Houve a vinculação dos professores que também estavam precários e tudo isso é despesa que estava programada e que está a ser realizada. Também trouxemos mais recursos para a administração pública no setor da saúde, no setor da educação houve um crescimento líquido do número de trabalhadores.
O que não impediu a contestação.
O que agora temos de nos confrontar é com as prioridades para os próximos tempos. Temos tido alguma contestação dentro da administração pública por parte dos trabalhadores, mas que já não tem a ver com reduções de salários ou com cortes ou com medidas que se tomaram em prejuízo da administração pública e que têm apenas a ver com a forma como agora vamos continuar a gerir os próximos anos.
Mas o senhor ministro admite que em termos de funcionamento dos serviços tem havido problemas e alguns problemas sérios.
O panorama é muito desigual. Tendemos de facto a chamar a atenção para os factos que não estão a correr bem e é normal que assim seja e é bom que assim seja.
Os médicos, por exemplo, têm queixas em vários hospitais, há utentes que dizem que não conseguem realizar cirurgias, há falta de anestesistas.
Volto a dizer, é mais uma vez o tema de como o projetamos para a frente. Temos tido maior procura de serviços públicos, é normal. À medida que a situação financeira das famílias vai melhorando, as pessoas procuram mais certo tipo de serviços, mesmo serviços públicos. Está estudado: na saúde, quanto melhor é a situação financeira das pessoas, mais elas recorrem aos serviços públicos. Estamos numa situação em que temos mais médicos, a fazer mais consultas, mais cirurgias. Mas aquilo que nos estão a dizer que isso não é suficiente. Não é suficiente aumentar o número de médicos ou de enfermeiros, não é suficiente….
Está a dizer que as coisas estão a funcionar pior porque as pessoas têm mais rendimentos e a economia está melhor?
Estou a dizer que as coisas não estão a funcionar pior generalizadamente. Vou dar-lhe um exemplo que esteve muito em cima da atenção dos portugueses nos últimos tempos que é o afluxo grande de procura dos serviços de renovação do cartão do cidadão. Temos tido, de facto, um crescimento muito anormal da procura, com a alteração da lei da nacionalidade, com o Brexit. Tivémos mais quase 200 mil pedidos do que aquilo que é normal. E os serviços não estavam preparados para isso. Foi preciso, também por isso, tomar medidas de exceção no sentido de melhorar e tornar mais eficaz a resposta.
Mas suponho que não concorde que o problema é que as pessoas iam muito cedo para as lojas do cidadão e que por isso é que deixava de haver resposta para a procura.
Acho que essas declarações da secretária de Estado foram retiradas do contexto. Eram uma tentativa de explicar porque é que as senhas se esgotavam logo muito cedo de manhã. Temos muito mais procura do cartão do cidadão, isso está visto, mas depois gerou-se um fenómeno – que é normal – que é o das pessoas, sabendo que a resposta está a ser mais lenta, tentarem ir o mais cedo possível de manhã para se despacharem o mais cedo possível.
O problema é quando só há 200 senhas para distribuir. O que significa que não há funcionários suficientes para atender as pessoas ao longo do dia.
O que significa que tivemos de criar medidas para tentar resolver isso de forma diferente. É o que temos de fazer, ser mais ágeis e mais eficientes a responder a fluxos e a procura acrescida por parte dos utentes.
Investimento ficou abaixo, mas não foi por vontade do governo
Falou das prioridades deste governo, uma delas era o investimento público onde os números ficaram constantemente abaixo daquilo que era orçamentado. Mário Centeno é uma das figuras de que o governo já não pode prescindir ou foi um entrave que, em certos momentos, obrigou alguns ministros a virem pedir desculpa aos utentes?
Falando francamente, acho que a execução do investimento público foi claramente abaixo das expectativas. Mas não tivemos uma situação de menor execução de investimento público porque o governo não quisesse ou porque houvesse uma qualquer decisão das Finanças de impedir o investimento público.
Não?
Tivemos muitas dificuldades em concretizar uma série de ações. Fizemos imenso investimento na renovação do parque escolar, 350 escolas intervencionadas. Algumas que são emblemáticas, obras muito complexas de reabilitação das grandes escolas que ainda não estavam abrangidas pelas intervenções anteriores. Estamos a falar do Conservatório Nacional, do Liceu Alexandre Herculano no Porto, do Liceu Camões. Tudo isso são casos em que a expectativa que se tinha era de se ter podido lançar esses investimentos e ter a obra concretizada há mais de um ano. Aquilo com que nos confrontamos são processos muito longos de execução de projetos, com uma contratação pública muito complexa, um crescimento muito grande dos preços no mercado que faz com que quando as empreitadas chegam a concurso, os preços base que foram estudados há um ano, 18 meses atrás, já estão desajustados e portanto os concursos ficam desertos. Houve necessidade de lançar duas e três vezes os mesmos concursos para finalmente ter essas obras adjudicadas.
Está a culpar a máquina e não o decisor.
Estou a dizer que, de facto, o investimento público exige tempo de concretização, tempo para elaborar projetos, tempo para autorizar despesa, tempo para fazer concursos, tempo para obter visto do tribunal de contas. E na verdade, pude constatar que havia muita coisa que estava em falta. Tínhamos muitos projetos anunciados que já vinham do governo anterior, e que na verdade tinham tudo por fazer: apropriação de fundos, elaboração de projetos, etc. Acho que, de facto, se sobrestimou a capacidade de pôr no terreno muitos desses projetos.
Portanto, Mário Centeno não foi um entrave ao investimento público ao contrário daquilo que se acreditava, é isso que está a dizer?
Aquilo que posso dizer é que tenho a convicção de que o principal óbice à concretização dos ritmos de investimento público que julgávamos poder executar nos primeiros dois a três anos da legislatura foi precisamente o tempo que tivemos de dedicar e a atenção e muito trabalho que foi feito por muitos serviços públicos para conseguirem concretizar estas matérias. Julgo que agora vamos entrar num ritmo mais acelerado de investimento público. Porque o investimento público, apesar de tudo, tem estado a crescer…
Tambem porque atingiu níveis bastante baixos…
Estava num nível bastante baixo.
E cresceu este ano, mas está projetado de novo um decréscimo no próximo…
Julgo que vamos continuar a assistir durante a próxima legislatura, pelo menos segundo o nosso programa de estabilidade, a um crescimento anual médio superior a 10 por cento nos níveis de investimento público. Se tudo correr como está programado, vamos chegar a 2019 com um nível de investimento público próximo dos 4 mil milhões de euros, e vamos chegar a 2023 com o investimento público nesse ano acima dos 6 mil milhões de euros. Julgo que, neste momento, já temos obra a correr, já temos processos de contratação em curso, portanto julgo que o ritmo de contratação vai subir.
Não são previsões otimistas?
Uma das condições para podermos fazer investimento público é termos as condições financeiras dedicadas a isso. Neste quadro comunitário temos de fazer um esforço nacional muito maior para concretizar investimento público. Não temos verbas europeias, por exemplo, para realização de obras rodoviárias. Temos muitas queixas, de empresários e de autarcas, relativamente às acessibilidades aos parques industriais, como dantes se dizia. Não temos recursos europeus para isso, é tudo esforço do orçamento nacional. Mesmo naquilo que são projetos que são comparticipados pela UE, o esforço nacional é muito maior. Em termos daquilo que é o investimento público total, talvez tenhamos valores dececionantes, mas na verdade o esforço financeiro exigido ao Orçamento de Estado é muito maior do que foi no quadro comunitário anterior. Sem esta disciplina das Finanças Públicas, não teríamos agora as condições de dizer que temos espaço orçamental para continuar a crescer o investimento público nos próximos anos.
Governo trocou os pés com os prémios da TAP? Essa questão “está superada”
Vamos mudar de assunto para a TAP. Como advogado assessorou Humbero Pedrosa, um dos sócios do consórcio Atlantic Gateway na privatização. Portanto, conhece bem os dossiers e certamente conhece o acordo parassocial.
Não vou falar sobre isso, como há-de perceber.
Mas esse acordo poderia e deveria ser explicado aos portugueses.
Sim. Com certeza.
O poder do Estado fica ou não esvaziado nesse acordo parassocial, como se viu nesta recente crise dos prémios?
Não vou falar sobre matérias de que me ocupei como profissional antes de vir para o governo, nem o posso fazer. Mas posso dizer o seguinte: a coisa mais importante que oferece este entendimento entre o Estado e a Atlantic Gateway, é a capacidade de as decisões estratégicas da TAP serem sempre condicionadas pelo Estado. É impossível a TAP ser vendida ou deixar de ter o seu hub em Portugal, porque o Estado tem uma presença que condiciona decisivamente essas decisões estratégicas. É verdade que no acordo parassocial, a gestão corrente e executiva da sociedade está confiada a uma comissão executiva que contém membros que são indicados pelo acionista privado, mas as decisões estratégicas pertencem ao Estado. Não devemos confundir aquilo que é verdadeiramente estratégico – o que é a TAP, onde é que deve estar a sua sede e o seu hub.
Não deveria ter sido o próprio Estado a fazer essa separação? O ministro Pedro Nuno Santos foi longe demais quando disse que ia tirar confiança à comissão executiva e depois acabou por não acontecer nada?
Essas questões estão superadas. Há aqui, de facto, questões de continuado esclarecimento da forma como os acionistas e sócios se relacionam. Nós vivemos num país em que 90 e tal por cento das pessoas que chegam aqui ou que daqui saem o fazem por via aérea. Temos comunidades portuguesas espalhadas por todo o mundo. A nossa afirmação continuada no futuro depende dessa capacidade de ter ligações aéreas principais e diretas a vários pontos. Não podíamos ter uma transportadora aérea que ficasse inteiramente disponível para soluções de mercado, ou seja o mercado poder, pura e simplesmente, um dia dizer ‘olha vou alienar isto à Ibéria ou a qualquer outra companhia que tenha menos interesse em Portugal’. O que se conseguiu foi uma presença estratégica do Estado na TAP que assegura essa continuidade de futuro que também foi feita sem um dispêndio financeiro por parte do Estado.
Polémica das incompatibilidades foi “penosa”, mas nunca pensou demitir-se
Saiu da advocacia e entrou na vida política numa fase mais tardia. Alguma vez se arrependeu?
Não. Absolutamente nada.
Alguma vez pensou demitir-se ao longo destes dois anos?
Não.
Nunca lhe passou pela cabeça, mesmo na altura quente das incompatibilidades e da questão da empresa logo quando tomou posse?
Não, isso seguramente não me passou pela cabeça. Embora deva dizer que foi uma situação, pessoalmente, muito penosa. O custo mais elevado para alguém que aceita vir de uma atividade profissional ou da vida privada para a vida pública é mesmo esta sensação de que passamos a ser encarados como potenciais malfeitores. Isso desencoraja muita gente de poder corresponder a um impulso – que até pode estar lá – de serviço público. Acho que este tipo de devassa, de desconfiança e de pressão que se coloca, não só sobre o próprio, mas também sobre a própria família, é uma coisa que desencoraja muita gente.
Uma das questões que ficou por esclarecer foi a razão de um profissional tão experimentado e tão reconhecido, decidir formar uma empresa com a mulher na véspera de tomar posse. Esse timing estranho levantou suspeitas, nomeadamente a de que tinha criado aquela empresa para transferir para ali parte do seu património. Desmente que seja verdade?
Isso até é bastante íntimo, mas é assim: a minha mulher há muito tempo dizia que deveríamos ter o nosso património arrumado numa empresa que pudesse ser preservada no caso de alguma coisa nos vir a acontecer. Temos três filhos, um deles menor, e portanto queríamos ter as coisas bem arrumadas. E ela disse ‘olha, agora que deixas de ter rendimento ao nível que ias ter, convém preservar estas coisas’. Fizemos isso. Foi bem pensado? Foi tarde? Eu tive dois dias para tomar decisões, mas o senhor primeiro-ministro convidou-me numa quarta-feira às 07:30 da manhã, obrigou-me a decidir até à hora do almoço e no sábado seguinte eu estava a tomar posse. Tive muito pouco tempo para arrumar 30 anos de vida profissional.
Portanto, tomou algumas decisões sobre pressão que hoje não teria tomado da mesma forma?
Não, não tenho nada a esconder. Tudo aquilo é público. Todas as pessoas sabem o que eu tenho. De uma maneira até que nos devia levar a refletir se é estritamente necessário que o público saiba que eu tenho um automóvel X ou uma casa Y.
Acha que é demais?
Acho que é importante que se construa uma relação de confiança e de transparência na forma como todos os titulares de cargos políticos exercem as suas funções e aquilo que são os seus interesses. Aquilo que sinto é que, de alguma maneira, se utiliza esta exigência de transparência – sobre a qual devemos ser cada vez mais exigentes – para também, às vezes, apenas estimular algum tipo de curiosidade.
Foi o que mais o surpreendeu negativamente na vida política?
Não, isso não me surpreendeu. Mas custou-me passar por isso.
Tem alguma coisa que o tenha surpreendido negativamente?
Na verdade, não posso dizer isso. Posso dizer o seguinte: aquilo que me impressiona no exercício da função política é que a visibilidade pública sobre a atividade política incide, às vezes, sobre os piores aspetos disso. Estimula-se muito aquilo que é o confronto e muito pouco aquilo que é o trabalho sobre questões concretas. Tem-se muita visibilidade sobre aquilo que são os ditos mais agressivos, mas não se mostra aquilo que são pessoas a trabalhar, empenhadas em encontrar aquilo que julgam ser as melhores soluções para problemas coletivos. Esse tipo de ambiente em que a atividade política se vai desenvolvendo, às vezes, por si só, dá uma imagem negativa da atividade política. Por outro lado, quase premeia os comportamentos menos construtivos, digamos assim.
E ainda assim, tem vontade de continuar?
Eu gosto do que estou a fazer. Não tenho nunca a perspetiva, em nada do que fiz na vida, de que as coisas sejam eternas ou para continuar, mas, obviamente, quando saí da sociedade de advogados que ajudei a fundar e larguei a profissão que levava há quase 30 anos, era porque tinha interesse em fazer aquilo que estou a fazer.
Então quer dizer que podemos contar com Pedro Siza Vieira numa das listas do PS agora para as próximas legislativas? Acha que essa é uma possibilidade real, concorrer a deputado?
Acho que essa não é uma questão que me deva ser colocada.
Bom, há-de ter que ser colocada.
Por alguém que não jornalistas e não numa antena em direto.
Mas gostava ou não?
Não acho que a minha vocação seja para ser deputado. Aquilo que posso trazer à vida pública é, de facto, num exercício de funções executivas, no sentido de fazer progredir algumas matérias ou tópicos em que acho que dou contributo positivo. Foi para isso que me convidaram e é isso que estou empenhado em continuar a fazer.
Para continuar na Horta Seca [Ministério da Economia]?
Isso não sei.
[Siza Vieira “Sob Escuta”. O vídeo da entrevista na íntegra:]