A economia portuguesa cresceu 2,6% no primeiro trimestre, confirmou esta terça-feira o INE, quase exclusivamente graças ao consumo das famílias. Mas esse é um impulso que está sob ameaça tendo em conta a escalada da inflação, que atingiu 8%, e a rápida subida das taxas de juro na zona euro, que terá impacto sobre as prestações de crédito. Em contraste, o investimento desacelerou (também face ao quarto trimestre) e o peso das exportações – que Costa quer ver subir para 50% do PIB – continua abaixo do pré-pandemia.
“Este é um crescimento que está muito relacionado com o fim dos confinamentos e quase não tem ainda impactos da guerra [que começou a 24 de fevereiro] pelo que no segundo trimestre é muito provável que tenhamos uma queda“, comenta Pedro Braz Teixeira. Ainda assim, o economista não está tão pessimista quanto a Comissão Europeia, que prevê uma quebra de 1,5% no crescimento português no segundo trimestre, face ao primeiro.
Pedro Braz Teixeira, diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade, tinha sido um dos que avisaram que não se devia “embandeirar em arco”, quando o INE avançou, pela primeira vez, com o surpreendente crescimento trimestral de 2,6%, em finais de abril. O relatório mais detalhado, divulgado esta terça-feira, confirma que o contributo principal para esse crescimento foi o consumo privado.
As máscaras só “caíram” em abril mas o INE destaca que já nos meses entre janeiro e março, em comparação com o último trimestre de 2021, houve um “crescimento da despesa em diversas atividades de serviços, após o levantamento da generalidade das restrições à atividade económica impostas no contexto da pandemia Covid-19″.
É isso que leva ao que Pedro Braz Teixeira considera ser um “crescimento anormalmente elevado que tem a ver com a normalização de níveis de consumo que tinham sido proibidos”. Assim, “não se pode pensar que o consumo privado vai continuar a crescer assim no conjunto do ano, não há hipótese nenhuma“, afirma o economista, salientando o “travão ao consumo” que a subida das taxas de juro vai provocar.
Juros a subir. Aumento da prestação mensal pode chegar a 100 euros
Na comparação de trimestre para trimestre, o aumento de 2,1% no consumo privado quase duplicou a variação em cadeia que se tinha registado no trimestre anterior – que tinha sido de 1,1% (isto é, no quarto trimestre face ao terceiro). Como já tinha sido indicado no final de abril, esse foi o grande fator por detrás do aumento de 2,6% do PIB no primeiro trimestre, que surpreendeu até os economistas mais otimistas.
O que os dados mais detalhados mostram, também, é que foi mais veloz o crescimento das despesas em bens duradouros – aqueles feitos para durar vários anos, como automóveis ou eletrodomésticos – do que nos bens não duradouros e serviços: 6,4% contra 1,7%. Porém, como o consumo de bens duradouros representa menos de 10% do total, é no consumo de bens não duradouros e serviços que está a chave para compreender o aumento do consumo, em volume.
Mas, mesmo continuando o ritmo elevado no crescimento económico e o desemprego baixo, Pedro Braz Teixeira diz que há “um limite” na forma como o consumo privado pode continuar a suportar o crescimento nos próximos trimestres – desde logo porque cada vez menos irá importar o “efeito base” de estar a comparar com alturas de grandes constrangimentos associados à pandemia.
O economista diz que, para já, o consumo não está a só a ser feito graças à “poupança forçada” que os portugueses acumularam por não poder ir de férias ou ir menos a restaurantes nos piores períodos da pandemia. Um crescimento mais rápido das compras de bens duradouros poderia indicar que essa poupança estava a ser aplicada de forma mais intensa, explica Pedro Braz Teixeira – mas aqui, sublinha, é mesmo o consumo de bens não duradouros e os serviços que está a ser a “locomotiva” por detrás o crescimento.
E esse é que é o fator que preocupa o economista. Com a inflação em 8%, máximo desde 1993, mesmo a chamada inflação subjacente – que exclui os preços da energia e dos alimentos frescos – também saltou em maio para 5,6%, acima dos 5% do mês anterior. Este aumento rápido dos preços vai pressionar cada vez mais os orçamentos familiares, colocando um travão inevitável no consumo, diz o economista que salienta que mesmo que os preços parassem de subir a inflação anual média já seria de 6,7%.
Preços voltam a acelerar em maio. INE calcula inflação em 8%
Por outro lado, os portugueses que têm crédito à habitação com taxa variável, sobretudo aqueles que compraram casa nos últimos anos, devem chegar ao fim deste ano com aumentos das prestações que devem aproximar-se dos 100 euros por mês – subidas em torno de 25% em relação às prestações médias pagas por estes novos contratos. Este é o impacto previsível do agravamento das taxas de juro, sobejamente sinalizado pelo BCE, nas prestações de crédito à habitação – mas poderá ser ainda pior se a subida dos juros nos mercados continuar a surpreender pela rapidez.
A confirmar-se que estes dois fatores vão levar a uma desaceleração do consumo, então torna-se mais preocupante o comportamento menos fulgurante do investimento neste trimestre: o investimento total desacelerou para um crescimento de 3% (menos do que os 3,9% do trimestre anterior) e o indicador da “formação bruta de capital fixo”, frequentemente usado como sinónimo do investimento, cresceu 3,3% (quando tinha sido de 4,4% no quarto trimestre).
O início da guerra mas, sobretudo, o aumento dos preços da energia que já vinha de trás, pode ajudar a explicar o crescimento mais baixo do investimento. Um efeito que foi parcialmente compensado pelo aumento do consumo público, que no quarto trimestre tinha tido uma variação percentual em cadeia negativa (-0,7%) e neste primeiro trimestre acelerou para um crescimento de 1,1%.
A aceleração da execução do PRR pode dar uma ajuda, caso ela se confirme apesar de todos os problemas associados à falta de mão de obra e subida dos preços das matérias-primas. Mas, mesmo assim, “ter mais consumo público e menos investimento não é uma estratégia saudável de crescimento a médio prazo“, argumenta Pedro Braz Teixeira.
Como já se estimava, neste primeiro trimestre o Produto Interno Bruto (PIB) já recuperou o nível pré-pandémico. Porém, o peso das exportações no PIB subiu de 41,4% para 42% – mas ainda está a alguma distância dos 43,2% que havia antes da pandemia. “Ou seja, o PIB já recuperou mas as exportações no PIB ainda não“, salienta o economista, lembrando que António Costa estabeleceu como desígnio elevar o peso das exportações no PIB para 50% até 2030.
Ainda assim, noutra perspetiva que não o peso das exportações no PIB, Paula Carvalho, economista do BPI, comenta ao Observador que o crescimento foi também impulsionado pelas exportações, “sobretudo turismo, mas também a parte de mercadorias“.
Foi, por isso, diz Paula Carvalho, um crescimento “bastante saudável. “De qualquer forma, antecipa-se que o consumo privado regresse a ritmos mais moderados já nos próximos trimestres, em linha com comportamento histórico”, afirma a economista, destacando também a chamada “poupança excedentária – almofada de poupança acumulada na pandemia – que deverá continuar a compensar o aumento do peso dos juros e da inflação, embora estes fatores se reflitam de forma heterogénea nos agregados familiares“.
BPI aumenta previsão de crescimento em 2022 para 6,6%
Face aos dados publicados, os economistas do BPI decidiram rever em alta a previsão do crescimento do PIB em 2022 de 4,2% para 6,6%. Em nota enviada às redações, esta terça-feira, o BPI diz que “os riscos para o atual cenário estão balanceados, na medida em que se incorpora o impacto de fatores limitativos do crescimento, como i) a permanência de estrangulamentos nas cadeias de produção, com impacto na manutenção de preços mais altos em alguns produtos, ii) inflação mais alta durante mais tempo, iii) aumento das taxas de juro, com impacto nos encargos com dívida contraída (ou a contrair)”.
Porém, como o próprio BPI reconhece, “os indicadores de atividade relativos ao segundo trimestre sugerem que a economia continua a expandir, mas que entrou numa fase de mais para menos“.
Os economistas assinalam que “o turismo mantém uma forte dinâmica no início do segundo trimestre, com o número de hóspedes em abril a ultrapassar em 1,6% o nível de abril de 2019”. Porém, o indicador diário de atividade que o Banco de Portugal divulga (semanalmente) e que junta informação diária de indicadores de oferta e de procura, “sugere, a pouco mais de um mês do fim do trimestre, que a atividade está a crescer 7,2% homólogo, mas que a tendência é de abrandamento“.