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Poder russo continua a minar Londres. Abramovich, agora português, perdeu visto mas Reino Unido ainda é paraíso de estrangeiros milionários

O empresário russo Abramovich tornou-se cidadão português depois de Londres lhe tirar o visto. Mas as relações do Reino Unido com os oligarcas russos — e não só — continuam de boa saúde.

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Roman Abramovich é um dos mais recentes cidadãos portugueses. A notícia foi dada há dias pelo jornal Público, que explica como o oligarca russo obteve o passaporte graças à sua ascendência como judeu sefardita — num processo que o jornal aponta ter tido por base a sua página da Wikipedia e que a Comunidade Judaica do Porto, que acompanhou todo o processo, garante ter tido “certificações das mais altas instituições judaicas internacionais”. Ao Observador, fonte próxima da Comunidade Judaica garantiu que o processo se baseou em mais documentação que não está disponível na internet.

O processo para obter nacionalidade portuguesa do dono do Chelsea volta a trazer à tona o percurso dos grandes empresários russos que fizeram fortuna na década de 1990 (Abramovich fez dinheiro no petróleo, em sociedade com Boris Berezovsky, próximo do Presidente Boris Yeltsin). A escolha por Portugal, em 2020, foi feita na sequência da perda do seu visto britânico dois anos antes, quando o Reino Unido não lhe renovou o passaporte com o arrefecer das relações entre Londres e Moscovo, após o envenenamento do antigo espião Sergei Skripal em solo inglês. Logo à altura, Abramovich usou a sua ascendência judaica para obter nacionalidade israelita — e poder voltar a entrar no Reino Unido como turista. E, aparentemente, usou a mesma técnica para obter nacionalidade portuguesa e poder movimentar-se dentro da União Europeia.

Manchester City v Chelsea FC - UEFA Champions League Final

Roman Abramovich perdeu o visto britânico. Desde então já pediu nacionalidade israelita e portuguesa

UEFA via Getty Images

O caso deste milionário pode fazer parecer que os britânicos estão a apertar a malha em torno dos cidadãos russos no seu país, por razões políticas. Mas Abramovich pode ter sido vítima da sua visibilidade como dono de um dos maiores clubes de futebol da Premier League. Afinal, o Reino Unido continua a ser visto como um paraíso para muitos estrangeiros com fortuna, por vezes obtida de forma ilegal em países onde as fronteiras entre a política e os negócios estão esbatidas.

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Um relatório publicado pela Chatham House no início deste mês traça um retrato negro: “O Reino Unido tem adotado novas medidas para combater a lavagem de dinheiro e finanças ilícitas, mas não têm tido muito impacto”, dizem os seus autores. O fluxo de dinheiro — na sua maioria russo — “tem minado a integridade de várias instituições britânicas importantes e enfraquecido o Estado de Direito”. Segundo a Transparência Internacional, há pelo menos 160 propriedades no Reino Unido que foram compradas por pessoas suspeitas de corrupção — 84% delas em Londres, a maioria a menos de cinco quilómetros do Palácio de Buckingham. Muitas delas foram compradas através de empresas registadas no estrangeiro, quase sempre em jurisdições offshore, o que pode indiciar branqueamento de capitais.

Oliver Bullough, jornalista e autor do livro O País do Dinheiro (ed. Vogais), não tem dúvidas em afirmar que tal aconteceu devido a anos em que as autoridades britânicas fecharam os olhos à origem do dinheiro russo: “Criava empregos em Londres e simbolizava como os russos se tinham tornado capitalistas gloriosos — o que nos fazia acreditar que isso iria fazer deles também democratas”, afirma o autor ao Observador. “Foram os acontecimentos na Ucrânia, em 2014, que nos fizeram reexaminar estas crenças”. A invasão da Crimeia, a maior hostilidade de Vladimir Putin em relação ao Ocidente e o caso de Skripal fizeram piorar as relações dos britânicos com Moscovo nos últimos anos. Abramovich foi vítima deste ambiente — mas não só continua a ter forma de contornar as restrições, como Londres ainda continua a ser um porto de abrigo para outros como ele.

Oligarca, eu? Prove-o em tribunal

O caso de Abramovich é emblemático por outras razões. Este ano, o milionário protagonizou um caso judicial em Londres contra a jornalista Catherine Belton, da Reuters, que é ilustrativo de como muitos destes oligarcas russos usam o sistema judicial para impedir que circulem suspeitas sobre as origens do seu dinheiro no espaço mediático. “O caso Belton foi fascinante”, comenta com o Observador Elisabeth Schimpfössl, investigadora da Universidade de Aston e autora do livro Rich Russians: From Oligarchs to Bourgeoisie (sem edição em português).

Belton, antiga correspondente do Financial Times em Moscovo, está a ser processada por difamação na sequência de uma queixa de Abramovich. Em causa estão passagens do livro Putin People: How the KGB Took Back Russia and Then Took On the West, onde Belton escreve, com base em declarações de várias fontes (algumas identificadas, outras não), que o dono do Chelsea terá adquirido o clube a mando do próprio Vladimir Putin. “O Kremlin calculou, de forma acertada, que a forma de conseguir ganhar a aceitação da sociedade britânica era através do seu maior amor, o desporto nacional”, escreve Belton no livro, antes de incluir as citações diretas das fontes que atribuem a ideia da compra do Chelsea a Putin.

A autora também escreve que “uma pessoa próxima de Abramovich” nega a ligação ao Kremlin e declara que, “seja qual for a verdade”, a compra do Chelsea se tornou “um símbolo do dinheiro russo que estava a inundar o Reino Unido”. O milionário (a par de outros dois oligarcas russos) decidiu processar a jornalista e teve uma decisão favorável na primeira fase do processo: a juíza considerou, em novembro, haver matéria para avançar para julgamento.

President Putin visits educational centre for gifted children in Sochi, Russia

Abramovich processou a jornalista Catherine Belton por esta ter citado fontes que dizem que o milionário comprou o Chelsea a mando de Vladimir Putin

TASS via Getty Images

As partes chegaram entretanto a acordo, com a editora a reconhecer que o livro contém “alguma informação imprecisa” e a aceitar publicar uma nova edição corrigida. No Twitter, a autora disse estar ansiosa para que esta edição seja publicada, altura em que, diz, “será claro quão pequenas são as correções”.

Elisabeth Schimpfössl explica assim o rumo deste caso: “Londres é um centro de litigação maravilhoso para os super-ricos”, começa por dizer a académica, especialista em sociologia das elites. “Há muitos poucos países como o Reino Unido, onde os casos de difamação tendem a correr bem a quem tem dinheiro para processar.” Isto porque o sistema britânico é diametralmente oposto ao dos EUA, onde cabe ao queixoso provar que o autor tinha intenção de difamar conscientemente (ou seja, sabia que estava a mentir). No Reino Unido, pouco importa se o jornalista ou autor acredita nas suas fontes: se o tribunal considerar que a afirmação não está absolutamente provada, quem a publicou pode ser condenado por difamação.

Schimpfössl considera que este é um grave problema do sistema de justiça britânico. “Seria de esperar que a liberdade de expressão não fosse um problema no local que é o coração do capitalismo”, diz, sobre Londres. Os autores do relatório da Chatham House concordam e afirmam que esta “continua a ser a jurisdição preferida para os que pretendem gerir a sua reputação de forma agressiva”, falando mesmo num “turismo da difamação” que leva estrangeiros com dinheiro a iniciarem processos judiciais no Reino Unido mesmo quando não vivem lá.

Esse é o caso da Rússia já há muito, segundo a professora Schimpfössl: “Devido ao fraco Estado de Direito russo, já há muito que, quando dois amigos de Putin se chateiam, resolvem tudo num tribunal de Londres. E isso enfraquece ainda mais o Estado de Direito russo, porque ele é exportado para o Ocidente.”

“Quando vemos o que está a acontecer a Catherine Belton, vemos o risco que as pessoas correm quando escrevem abertamente sobre estes oligarcas.”
Oliver Bullough sobre o processo movido por Abramovich à jornalista Belton

Oliver Bullough tem uma visão ligeiramente diferente sobre o tema. Considera que a situação é “problemática”, mas não tanto pela lei em si — “é pelos custos exorbitantes da Justiça”. “Muitas vezes o problema não é os jornalistas perderem os casos, é o facto de terem de gastar tanto dinheiro para conseguirem defender-se em tribunal. Às vezes nem sequer chegam a julgamento, mas entretanto as pessoas já foram afogadas em cartas e gastaram uma fortuna”, diz. O que produz outro efeito perverso: cria medo e previne que outras pessoas arrisquem escrever determinadas histórias. “Quando vemos o que está a acontecer a Catherine Belton, vemos o risco que as pessoas correm quando escrevem abertamente sobre estes oligarcas.”

O autor sabe bem do que fala, ou não lidasse com o seu próprio processo. E não é no Reino Unido, mas sim em Portugal. Desde outubro que o britânico está a ser alvo de uma ação cível em Portugal, movida por Bornito de Sousa, o atual vice-presidente angolano. Em causa está um episódio que Bullough descreveu no seu livro O País do Dinheiro, que envolve a compra do vestido de noiva de 30 mil dólares pela filha de Bornito, partilhada num reality show no canal TLC: “Isso significa que, no caso raro de um ministro ganhar tanto como o chefe, ele teria de ter poupado durante mais de dois anos e meio para conseguir comprar aquele vestido à filha. Para além disso, teria de ter pago os voos para Nova Iorque e o alojamento na América, bem como o copo de água para 800 convidados em Luanda”, escreve Bullough.

Os vestidos de noiva que tornaram a filha de ministro angolano estrela de um programa de TV

Bornito de Sousa pede ao jornalista uma indemnização de mais de meio milhão de euros e pede que o autor se retrate “dos juízos de valor e imagem” que fez. Ao Observador, Bullough explica que já respondeu formalmente à queixa, “explicando que ele não tem razão”, e está a aguardar para saber se o processo vai seguir para julgamento ou não. “Espero não vir a conhecer o interior de um tribunal português”, desabafa.

As casas vazias de Belgravia compradas por empresas offshore

Oliver Bullough tem-se distinguido no Reino Unido pela denúncia da presença de dinheiro ilícito de estrangeiros, na maioria russos, em Londres. Em 2016, criou juntamente com o amigo Roman Borisovich as chamadas “Kleptocracy Tours” em Londres: juntam turistas num autocarro e passeiam por algumas das zonas da cidade para mostrar as casas caras — e na maioria das vezes vazias — de muitos cleptocratas conhecidos. Borisovich é também autor do documentário From Russia With Cash, onde através de uma câmara oculta denuncia casos de agentes imobiliários a fazerem negócios com cleptocratas. Em 2016 falou sobre o tema com o Observador: “Dá para mudar as leis do Reino Unido e passar a obrigar os offshores que tenham propriedade cá a divulgar as listas de ativos todas e os nomes que estão por detrás. Se isso acontecer, não vão poder esconder o dinheiro”, sugeriu à altura.

Como comprar um apartamento de luxo em Londres com dinheiro público russo

A dimensão do fenómeno é verdadeiramente sentida nuns quantos bairros seletos de Londres — Chelsea, Kensington, Belgravia —, mas as fortunas envolvidas são gigantescas. Bullough traça o retrato de uma das suas tours em O País do Dinheiro: “Um apartamento estende-se por um único piso de duas propriedades geminadas e custou à Cane Garden Services Ltd., uma empresa registadas nas Ilhas Virgens Britânicas, quase 13 milhões de libras. Esta exuberante empresa de fachada que adora o luxo está registada numa casa de apostas na Caledonian Road, uma avenida sem brilho de Londres norte onde é mais fácil encontrar anfetaminas do que um bom advogado. Isso será um sinal de alerta? Talvez sim, talvez não. Aí vem outra vez aquela sensação de tonturas. Assim que se começa à procura de sinais de alerta, começa-se a vê-los em todo o lado. As casas número 85 e 102 pertencem ambas a empresas offshore registadas na mesma morada em Hong Kong. A empresa da Libéria a quem pertence o número 73 está registada no Mónaco. Um apartamento no número 86 pertence à Panoceanic Trading Corportation, uma empresa do Panamá com um nome que parece saído de um thriller dos anos 60. Um bandido não seria assim tão óbvio, pois não? Ou isto é bluff duplo?”

“Londres é mais perto de Moscovo do que Nova Iorque, por exemplo. É fácil trazer a família para cá, têm uma comunidade russa onde se integrar e é mais fácil abrir negócios aqui do que em países como a Alemanha, por exemplo. Portanto eles viajam de cá para lá com frequência."
Elisabeth Schimpfössl, socióloga que estudou as elites russas

O impacto é diretamente sentido nas ruas daqueles bairros, onde estas casas permanecem vazias quase todo o ano. “É muito impressionante quando se anda por lá, são locais sem alma. Não há lojas, não há pubs, porque não há pessoas para os usar”, aponta Oliver Bullough ao Observador. Mas o autor sublinha que a sua principal preocupação está nos efeitos macro: “Não devemos sobrevalorizar isto, acontece apenas em algumas partes pequenas de Londres. Creio que o mais importante é o impacto na política e na economia.”

England

As Kleptocracy Tours ocorrem em bairros de Londres como Kensington, Chelsea e Belgravia

Universal Images Group via Getty

Thomas Mayne, um dos autores do relatório da Chatham House, enfatizou ao Observador como esta tendência está a afetar a própria cidade em termos sociais: “Nos últimos vinte anos os preços das casas em Londres dispararam, as novas gerações não conseguem comprar uma casa. E a própria National Crime Agency já disse isto: é fruto deste capital que vem de fora e grande parte desse capital é suspeito.” Para os especialistas ouvidos pelo Observador, não há vontade política em investigar melhor a origem destes fundos: “Para eles, os russos são dinheiro. Há um grande movimento de lobbying que não tem qualquer interesse em mudar as regras”, resume a austríaca Schimpfössl, que vive no Reino Unido desde 2009.

Tudo começou na década de 1990. Com o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria, a Rússia abriu-se ao capitalismo. O caos de uma sociedade em transformação rápida e das privatizações permitiu a alguns, na maioria próximos do poder, acumular fortuna. “Aí eles vinham para Londres para lavar dinheiro, mas também para trazer as suas famílias para um local seguro, numa altura em que na Rússia o ambiente ainda era implacável”, aponta Elisabeth Schimpfössl. No início dos anos 2000, já com Putin no poder, o Kremlin passou a perseguir judicialmente os que se afastavam da sua linha, como ilustra o caso de Mikhail Khodorkovsky da petrolífera Yukos, condenado por questões políticas (entretanto libertado, vive atualmente em Londres). “Isso criou um medo profundo até aos ossos em muitos, que vieram para Londres para se tornarem menos visíveis”, acrescenta Schimpfössl.

Hoje em dia, a capital britânica tem um pouco de tudo. Empresários próximos do Kremlin, russos que caíram em desgraça com o regime e até oligarcas que gostam apenas da ideia de colocar os filhos em boas escolas. “Londres é mais perto de Moscovo do que Nova Iorque, por exemplo. É fácil trazer a família para cá, têm uma comunidade russa onde se integrar e é mais fácil abrir negócios aqui do que em países como a Alemanha, por exemplo. Portanto eles viajam de cá para lá com frequência”, resume a professora.

Um sistema que permite fazer amizade com o primeiro-ministro

E, a par de todos esses fatores convenientes, existe um sistema montado para os super-ricos que lhes permite trazer o dinheiro da Rússia sem questões. A Chatham House chama-lhe “os facilitadores” — o mesmo termo usado pelo comité de Segurança do Parlamento britânico, que em 2020 publicou um relatório onde denuncia a rede de “advogados, contabilistas, agentes imobiliários e profissionais de relações públicas” que, diz, ajuda indiretamente a “promover os interesses nefastos do Estado russo”. “Desenvolveu-se uma indústria de segurança privada no Reino Unido para prestar serviços à elite russa, em que empresas britânicas protegem os oligarcas e as suas famílias, procuram kompromat [termo russo para material comprometedor que possa ser usado como chantagem] sobre os competidores, e, por vezes, ajudam a lavar dinheiro através de empresas offshore e a fabricar relatórios, ao mesmo tempo que os advogados dão apoio para que possam litigar.”

Londons Iconic Gherkin Building Up For Sale

O Parlamento britânico denuncia uma rede de 'facilitadores' que envolvem advogados, contabilistas e agentes imobiliários

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Ao mesmo tempo, muitos destes oligarcas — alguns até cleptocratas — tentaram com sucesso aproximar-se do poder político. As ligações surgem desde cedo: no livro de Catherine Belton (a autora que está a ser processada por Abramovich), o russo Sergei Pugachev, mais conhecido como “o banqueiro de Putin”, recorda-se como quando chegou ao Reino Unido se encontrava com lordes “que lhe pediam para que fizesse donativos ao Partido Conservador, sem perguntas”.

E o Partido Trabalhista também tem os seus telhados de vidro. O antigo primeiro-ministro Tony Blair, por exemplo, tornou-se consultor do Presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev, em 2011, alegadamente por um valor de milhões. O antigo ministro Peter Madelson também aconselhou uma empresa cazaque, suspeita de corrupção.

Mas com os conservadores há mais tempo no poder (desde 2007), é com eles que os oligarcas russos têm tentado estabelecer mais contacto. O caso mais visível foi o de Lubov Chernukhin, mulher de um antigo ministro de Putin, que ofereceu 200 mil libras aos tories em 2019. Cinco anos antes, já tinha pago mais de 150 mil libras para participar num evento que lhe permitiu jogar ténis com David Cameron (primeiro-ministro à altura) e Boris Johnson (que liderava a Câmara de Londres). Segundo os registos da Comissão Eleitoral, é a maior doadora de sempre do Partido Conservador, tendo oferecido quase dois milhões de libras ao partido nos últimos oito anos.

“A quantidade de dinheiro que está a ir para a política, e sobretudo para o Partido Conservador, nos últimos anos é alarmante”, diz Oliver Bullough. “Não se oferece dinheiro sem querer algo em troca.” A grande questão é exatamente o quê. “Pode não haver nada de mais no facto de alguém querer jogar ténis com Boris Johnson ou ir a este tipo de festas. Mas temos de colocar a questão: se mantêm contactos na Rússia, terão algumas lealdades lá ou alguma motivação em termos de influência política que pode tentar limitar o Partido Conservador e o governo?”, questiona Thomas Mayne na conversa com o Observador.

London Evening Standard's 1000 Most Influential Londoners In Association With Burberry

Boris Johnson com o amigo russo Alexander Lebedev, filho de um antigo espião do KGB

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O autor do relatório da Chatham House acha, por exemplo, que a amizade do primeiro-ministro Boris Johnson com um destes empresários russos, Alexander Lebedev, é particularmente preocupante. Os dois são amigos há anos — tão próximos que, um dia depois da sua vitória eleitoral em 2019, Boris decidiu ir à festa de Natal organizada por Lebedev. O russo, filho de um antigo espião do KGB, tem dupla nacionalidade e é membro da Câmara dos Lordes desde 2020, por nomeação do próprio primeiro-ministro. A proximidade é tanta que, segundo o jornal Guardian, Lebedev terá estado presente num jantar em casa de Johnson, em 2016, onde este equacionou com amigos se deveria ou não apoiar o Brexit.

Dos riscos de segurança à ameaça à democracia

Oliver Bullough não vai tão longe como Thomas Mayne. “Há um risco de segurança, mas é difícil calibrá-lo ou saber quão grande é, porque não sabemos a sua dimensão real”, diz. Mais do que influência a favor de Moscovo, o jornalista crê que estes contactos são úteis para os oligarcas russos influenciarem os políticos a não alterarem as regras que lhes permitem viver de forma luxuosa em Londres. “Putin não tem uma quinta coluna em Londres. Podemos ser tentados a pensar que Putin está a comprar aliados, mas o maior problema não é esse: é que a economia britânica continua a estar aberta a dinheiro vindo de qualquer lado.”

No caso russo, porém, a postura agressiva do Kremlin e as ligações à realpolitik são demasiado grandes para serem ignoradas. Em 2006, o antigo espião do KGB Alexander Litvinenko foi envenenado num hotel em Londres, com o Tribunal Europeu de Direitos Humanos a responsabilizar diretamente o Kremlin por essa morte. ​​Mais recentemente, foi a vez de ser envenenado Sergei Skripal, com Londres a apontar o dedo a Moscovo.

“Pode não haver nada de mais no facto de alguém querer jogar ténis com Boris Johnson ou ir a este tipo de festas. Mas temos de colocar a questão: se mantêm contactos na Rússia, terão algumas lealdades lá ou alguma motivação em termos de influência política que pode tentar limitar o Partido Conservador e o governo?”
Thomas Mayne, co-autor de relatório da Chatham House sobre a cleptocracia em Londres

O comité de Segurança do Parlamento alertou no ano passado para o risco real de virem a repetir-se casos semelhantes no futuro: “Desde que Putin subiu ao poder em 1999, alguns dos seus críticos e do governo russo procuraram refúgio no Reino Unido, temendo acusações criminais com motivações políticas. São indivíduos relevantes para os Serviços de Informações Russos, que podem tentar atacá-los de diferentes formas”, escreveram os deputados. É que Litvinenko e Skripal podem nem ser os únicos: uma grande investigação do BuzzFeed deu conta de que o governo britânico está a analisar a morte de 14 pessoas ligadas à Rússia em território inglês.

É um risco real num ambiente em que se cruzam aliados do Kremlin e dissidentes caídos em desgraça, com ambos a fazerem de Londres uma segunda casa. Se os deputados do comité de Segurança invocam este problema, os da comissão de Negócios Estrangeiros reforçam: “O uso de Londres como base para os bens corruptos de indivíduos ligados ao Kremlin está agora ligado a uma estratégia maior da Rússia que tem implicações para a nossa segurança nacional”, avisam. “Os bens guardados em Londres apoiam direta e indiretamente a campanha do Presidente Putin para subverter o sistema internacional, minar os nossos aliados e destruir as ligações internacionais que apoiam a nossa política externa.”

Palavras duras, a que se somam as ações em privado. Apesar de Londres ter carregado na retórica contra a Rússia desde a invasão da Crimeia — e de retirar o visto a indivíduos como Abramovich após o caso de Skripal —, nos bastidores o dinheiro destes russos ainda pode ter valor. Um relatório sobre cleptocracia do Hudson Institute garante, por exemplo, que Cameron foi aconselhado a não impor sanções a cidadãos russos em Londres em 2014.

Retired colonel sentenced to 13 years in prison for spying

Sergei Skripal, antigo agente do KGB, foi envenenado no Reino Unido, em 2014

TASS

“É claro que há um risco político e de segurança ligado a este dinheiro, não apenas para o Reino Unido, mas para todo o Ocidente”, resume Oliver Bullough ao Observador. “O problema é que não conhecemos a sua verdadeira dimensão.” E o investigador aponta outro dado relevante: “O Reino Unido tem uma política muito semelhante em relação a dinheiro vindo do Médio Oriente, da China e de outros locais. Gostamos muito de falar da Rússia, porque Putin é um vilão à James Bond. É mais difícil arranjar uma fotografia que represente um vilão chinês para por na capa de um jornal, por exemplo.”

Para o autor, o verdadeiro drama está no facto de a cleptocracia representar um desafio às próprias democracias ocidentais, porque mina a confiança e cria a ideia de “um mundo à parte”, dos beneficiados. “Quando se tem a porta aberta para o dinheiro, venha de onde vier, cria-se a ideia de que não há problema em roubar, porque pode-se esconder esse dinheiro noutro sítio. É um buraco negro gigante, que convida a mais corrupção. E a corrupção é inimiga da democracia.” Um problema para os britânicos, mas não só. O caso de Abramovich e do seu pedido de nacionalidade português ilustra bem que, num mundo globalizado, as fronteiras do dinheiro estão longe de ser questão apenas para a City de Londres.

*Artigo alterado às 11h30 para acrescentar informação da fonte da Comunidade Judaica do Porto, bem como o facto de que o caso Belton-Abramovich teve entretanto como desfecho um acordo entre as partes

**Artigo corrigido: Skripal foi envenenado, mas não morreu no ataque

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