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Quando mudava o Governo, mudavam os dirigentes na administração do Estado. Quando alternava um partido, os da situação antiga eram substituídos pelos da nova. No ciclo seguinte acontecia o mesmo, e assim sucessivamente. É a imagem de Portugal desde os anos 80. Mas é também o velho retrato do país do século XIX, durante a monarquia liberal: bastava uma mudança de partido no Terreiro do Paço e alterava-se o perfil da administração e do funcionalismo de cima até abaixo: até carteiros e professores eram substituídos.
A tradição portuguesa de clientelismo e caciquismo é antiga e enraizada. Há cerca de 150 anos, quando entrava em funções, o novo Governo “passava, então, à dolorosa tarefa de se legitimar, ou melhor, de ‘fazer’ eleições, ou melhor ainda, de ‘fazer’ a ‘sua’ maioria. Começava geralmente por substituir os representantes da administração central na administração local: governadores civis, administradores de concelhos e regedores”, descreve Vasco Pulido Valente no livro O Poder e o Povo.
Durante a época do chamado rotativismo monárquico, os boys usavam bigodes retorcidos, bengala e chapéu alto, mas chegava-se a um detalhe na rotação do pessoal que nem hoje existe: “Seguiam-se os funcionários públicos eventuais dependentes de Lisboa. Muitos municípios tinham um carteiro regenerador e outro progressista, um professor primário regenerador e outro progressista: todos rodavam nos empregos com os padrinhos da capital. Nos distritos mudavam igualmente os provedores das Misericórdias, os reitores dos liceus, os auditores administrativos e dezenas de personagens menores”.
Depois deste “render da guarda”, de acordo com a descrição de Vasco Pulido Valente, iniciavam-se “as negociações com os influentes e caciques”. Era a troca de favores por apoios e vice-versa. Nada de novo. Os velhos caciques passaram a ser conhecidos por boys, deixaram o chapéu alto e a casaca e passaram a usar gravata e smartphone. Mas nunca se perdeu a ligação partido-Estado-emprego.
A partir de uma investigação realizada na Universidade de Aveiro — que fez parte de uma rede europeia de académicos que estudaram o chamado “patrocinato” em vários países –, os professores Patrícia Pires e Carlos Jalali entrevistaram 51 políticos em 2008 e 2009 que explicaram como funciona o atual clientelismo português. “Há sempre uma dinâmica de lealdades partidárias, até muitas vezes de faturas a pagar por apoios internos que conduziram à liderança do partido”, contava um político aos investigadores, citado num artigo publicado na revista Análise Social em 2016, com o título sugestivo “Serviço ao poder ou o poder ao serviço? Patrocinato e governos partidários em Portugal”. No entanto, como veremos adiante, Portugal não é dos piores casos e fica apenas a meio da tabela europeia do clientelismo.
Os pressupostos do controlo da máquina administrativa pelos partidos não divergem muito dos do passado, de acordo com estes estudos mais recentes: “conhecimento pessoal”, confiança e “lealdade” potenciadas por necessidades económicas para manter o emprego ou “pressões locais”, são as razões mencionadas nos depoimentos dos 51 responsáveis políticos referidos pelos autores naquele estudo. Carlos Jalali e Patrícia Silva ajudam a explicar as razões da existência do clientelismo partidário, da proliferação de boys, ou do “patrocinato” político, numa linguagem mais académica.
Estes estudos permitem perceber e enquadrar as duas investigações que o Observador publicou esta semana. A primeira sobre o assalto dos partidos ao Estado no setor específico da Segurança Social e do Emprego, onde se percebe que há uma rotação quase perfeita de dirigentes com a mudança dos Governos. E a segunda que demonstra como a Comissão de Seleção e Recrutamento da Administração Pública não conseguiu mudar o perfil do partidarismo na escolha dos dirigentes no Estado: um militante do partido do Governo continua a ter mais hipóteses de ser escolhido do que um independente ou um filiado num partido da oposição.
Clientelismo: nem novo nem português
O fenómeno não é nacional nem sequer tipicamente latino. No início do século XX, o funcionamento dos partidos nas democracias como rede clientelar já estava bem identificado. Em 1903, depois de estudar os partidos no Reino Unido e nos Estados Unidos, o sociólogo político russo Mosei Ostrogorski identificou uma tendência geral para a profissionalização dos políticos. A escolha interna de candidatos a eleições recaía sobre os mais adequados à sobrevivência da máquina partidária. Das suas viagens aos países anglo-saxónicos, concluiu que os dirigentes partidários eram “um corpo estável de políticos profissionais que têm no seu horizonte imediato a vitória eleitoral e a ocupação de cargos públicos eletivos e de nomeação”.
Ao analisar a prática política nos Estados Unidos, percebeu que os cargos federais estavam “à disposição do candidato vitorioso”, tornando-se a política num negócio. Os partidos apresentavam-se como “organizações de caçadores de lugares e prebendas oficiais, sendo inteiramente dominados pelos interesses dos bosses que controlam votantes, nexos eleitorais e empregos federais e estaduais”, descreveu Ostrogorski, citado pela politóloga Conceição Pequito no livro O Povo Semi Soberano — Partidos Políticos e Recrutamento Parlamentar em Portugal.
Com partidos assim, a impossibilidade de realização plena do ideal democrático seria enunciada por outro investigador cerca de uma década depois. Foi há mais de 100 anos: em 1911, Robert Michels estudou o SPD, o Partido Social Democrata alemão. A sua principal conclusão poderá resumir-se assim: “Todos os partidos acabam por atraiçoar os ideais democráticos, transformando-se em organizações oligárquicas controladas por um pequeno número de indivíduos”, como escrevia António de Araújo na revista Análise Social em 2003. Foi Michels, politólogo alemão, quem estabeleceu a chamada “lei de ferro da oligarquia” dos partidos políticos, a que nenhuma organização partidária escapa. A classe dirigente profissionaliza-se e tenta manter-se inamovível na sua posição. Os dirigentes fecham-se no seu círculo e, “por via de um comportamento de cartel”, edificam uma muralha à sua volta “que só pode ser transposta por elementos que lhe são favoráveis”.
Um político português, Miguel Coelho — deputado e dirigente do PS — escreveu um livro em 2014, com base na sua tese de doutoramento, a provar a existência da “lei de ferro da oligarquia” nos partidos portugueses. Uma das suas muitas conclusões foi sobre a colonização partidária nas empresas estatais. No livro Os Partidos Políticos e o Recrutamento do Pessoal Dirigente em Portugal, Miguel Coelho identificou que, desde 1991, todos os presidentes das sete principais empresas de transportes ― CP, REFER, Metro, Carris, TT, Soflusa e APL ― mudaram consoante a cor do Governo. Com raras exceções, eram sempre militantes do partido liderante. No caso destas empresas de transportes, só foram nomeados independentes como presidentes no tempo de José Sócrates, e, mesmo assim, isso só se verificou numa delas. Miguel Coelho também analisou a ligação partidária dos diretores distritais da Estradas de Portugal desde 1991: na sua esmagadora maioria eram militantes do PS ou do PSD, e raramente permaneciam em funções quando mudava o partido do Governo.
Michels antecipou em mais de um século aquilo que ainda nos continua a surpreender, como quando se considera estranho que a criação de uma entidade como a Comissão de Recrutamento e Seleção da Administração Pública (CRESAP) não acabe com o partidarismo das nomeações. “Quanto às medidas profiláticas contra a emergência das oligarquias, o próprio desenvolvimento encarrega-se de as ridicularizar. Se se estabelecem leis para conter a ‘dominação dos dirigentes’, o que se verifica é que pouco a pouco as leis vão vacilando , mas não os dirigentes”, escreveu aquele cientista político no início do século XX. Esta conclusão podia aplicar-se aos dados que resumimos neste vídeo sobre os concursos da CRESAP:
A profissionalização e o carreirismo dos políticos foi uma tendência também identificada por outro clássico da Ciência Política: em 1917, quando ainda decorria a I Grande Guerra, Max Weber escreveu que há duas maneiras de fazer da política uma profissão: ou se vive para a política no sentido de obter um gozo interior ao serviço de uma causa, ou esta atividade passa a ser uma profissão, como uma fonte permanente de rendimento e passa-se a viver da política. Quem não tem fortuna pessoal para estar ao serviço da causa pública passa a estar dependente. Ao contribuírem para a existência do político profissional, os partidos modernos levam a que a política se transforme, fundamentalmente, “numa empresa de interessados”.
Em A Política como Profissão, Weber descrevia a profissionalização dos burocratas e dos funcionários, mas também dos próprios representantes eleitos. Depender da política leva depois a um estado de necessidade que se reflete naquilo que desde o “guterrismo” se chama em Portugal os jobs for the boys: “Todas as lutas partidárias são não só lutas por objetivos concretos, mas acima de tudo pelo patrocínio dos cargos”, escreveu o alemão citado por Conceição Pequito.
Cem anos depois, qual é a diferença? Pouca. A fidelidade do pessoal partidário à hierarquia foi uma das razões apontadas por alguns dos 51 políticos, dirigentes e ex-ministros nas entrevistas do estudo de Carlos Jalali e Patrícia Silva. Mas essa lealdade não tem apenas a ver com ideais partilhados entre líderes e subalternos. Um boy que precise das nomeações partidárias para viver tende a ser mais leal ao chefe político do que alguém que não precise da política para garantir a subsistência.
Segundo um dos depoimentos recolhidos por aqueles autores da Universidade de Aveiro, a fidelidade dos militantes partidários é garantida não só pela lealdade e cumplicidade de quem milita no mesmo partido, mas também porque são pessoas que a partir de determinado momento vivem destas nomeações e têm delas uma dependência económica: “Eu acho que é muito mais a vontade do outro exercer o poder e para exercer o poder precisa de pessoas que lhe sejam totalmente fiéis para o exercício desse poder; e quem precisa é quem vem da máquina partidária, porque vive da política, precisa do cargo para subsistir economicamente”, disse um dos protagonistas aos investigadores.
Até os ministros independentes são controlados
Os políticos responsáveis pelas nomeações partidárias analisadas pelo Observador nos dois artigos publicados esta semana nunca admitiram que fazem as suas escolhas com base em critérios de cor política. Mas, com o anonimato garantido pelas entrevistas do estudo da Universidade de Aveiro, 78% dos políticos e dirigentes admitiram a Carlos Jalali e Patrícia Silva “a existência de uma influência considerável dos partidos políticos no processo de nomeação dos dirigentes da administração pública, na larga maioria das áreas sociais”.
Segundo este estudo, 51,2% dos dirigentes e políticos entrevistados reconheceram que o recurso a nomeações partidárias era justificado por motivos de recompensa e controlo: 7% mencionaram a recompensa a militantes e dirigentes pelos serviços prestados ao partido, e 28% referiram a necessidade de recrutar gente da sua cor como forma de garantir o controlo da estrutura e das políticas do Governo (12,2% apontaram outros fatores). Um dos entrevistados disse que “quando os partidos vencem eleições, os seus membros esperam ver a sua lealdade ao partido ser recompensada”. Outro político explicava ser “esperado que estes dirigentes partilhem a mesma visão política dos ministros responsáveis pelas áreas setoriais”, o que facilita a implementação das políticas.
Mesmo quando são designados independentes para ministros, os partidos não perdem a mão do que se passa nos gabinetes. “Normalmente, quando é um ministro independente põe-se um chefe de gabinete do partido, que controla”, dizia um alto dirigente político aos investigadores.
Uma vez no cargo, torna-se difícil para um ministro “não ter em conta as pressões partidárias, quer do partido do Governo, quer, eventualmente, do partido da oposição”, dizia outro dos entrevistados. As pressões, como o Observador também explicava no artigo sobre os boys na Segurança Social e no IEFP, surgem muitas vezes das estruturas distritais dos partidos. Era o que explicava aos investigadores mais um entrevistado: “Principalmente ao nível local, ao nível concelhio e ao nível distrital penso que há uma, enfim… uma pressão, ou pelo menos uma tentativa de nomeação, de colocação de pessoas que estejam dentro das estruturas partidárias do partido que está no poder”. Por exemplo, quando era preciso nomear o presidente de uma Comissão de Coordenação Regional, isso seria “impensável” sem o “consenso de alguns presidentes de câmara influentes na região”.
O “conhecimento pessoal” e a “confiança política” são fatores determinantes para as escolhas recaírem tantas vezes em militantes. Como reconhecia outro dirigente ouvido no estudo da Universidade de Aveiro, a escolha tende a recair sobre “pessoas que são cúmplices, que são nossas amigas, que a gente sabe que dão o peito às balas”. Pelo menos 30% dos entrevistados destacaram o critério da relação pessoal conjugado com a competência técnica para justificar as nomeações. No caso de ser necessário fazer uma reforma num determinado ministério ou de ser preciso uma liderança forte, “a tendência será para escolher pessoas que sejam da confiança política e às vezes até pessoal dos ministros”.
Isto justifica-se muitas vezes porque, como dizia outro protagonista, a máquina do Estado tem “a capacidade de defender os seus interesses boicotando as medidas adotadas pelo poder político”. Dificilmente um ministro consegue “fazer as coisas avançar rápido” sem ter pessoas da sua confiança na cadeia hierárquica.
Quem vive longe da realidade dos partidos tem dificuldade em perceber que estas nomeações têm também a ver com a necessidade de garantir que a cadeia hierárquica funciona: “O crivo da lealdade partidária é raras vezes posto de lado”, admitia outro entrevista aos académicos da Universidade de Aveiro. E acrescentava: “Admito que a vivência do partido crie solidariedades fortes e que crie essa perceção da confiança e, portanto, admito que quando se escolham pessoas de confiança e com uma vivência de quem tem uma vivência partidária forte”.
Todos estes fatores, uns mais benignos e outros menos positivos explicam a proliferação do pessoal partidário na estrutura do Estado. Este padrão, a que os autores do estudo chamam de “politização estratégica, não distingue as novas das velhas democracias e “tem sido identificado na Holanda e mesmo no Reino Unido”, por diversos estudos de cientistas políticos.
Uma das conclusões é que “a perceção que o eleitorado tem da utilização do patrocinato pode aumentar o desinteresse e o distanciamento dos cidadãos em relação aos partidos políticos e, ao mesmo tempo, reduz o potencial dos partidos para a mobilização do eleitorado, o que pode ser uma ameaça para a qualidade da democracia, na medida em que esta depende da participação dos cidadãos”. De acordo com Carlos Jalali e Patrícia Silva, “o patrocinato pode ser parte da solução para os desafios enfrentados pelos governos partidários; mas poderá também ser parte do problema em termos dos desafios da qualidade da democracia.”
Mais recentemente, nos anos 1990, o cientista político italiano Angelo Panebianco definiu um conceito novo. Se a luta política é uma espécie de guerra e se as eleições são batalhas entre opostos, os lugares no Estado são os despojos a que o vencedor tem direito. O italiano definiu a colonização do aparelho do Estado como esse sistema de despojos ou spoils system: “Os políticos obtêm empregos em entidades estatais ou paraestatais, graças aos bons ofícios do partido em que militam”, escreveu. É este o modo de vida dos políticos profissionais que se tornam profissionais da política. Daí o “elevado nível de conformismo dos funcionários e a sua enorme subordinação perante as decisões dos líderes”, argumenta Panebianco.
A procura por um lugar no Estado ou a noção de que ter um cartão de militante dá acesso a empregos, tem vindo a transformar a própria natureza dos partidos. Os cientistas políticos Richard Katz e Peter Mair dizem que os partidos tradicionais deram lugar ao partido-cartel, que se distingue pela sua dependência dos recursos públicos: “Orienta-se mais para os eleitores do que para os filiados e preocupa-se mais com o acesso aos recursos do Estado do que com a mobilização da sociedade civil.”
Os boys são universais e Portugal nem está assim tão mal
Apesar de o retrato parecer negro, Portugal nem está assim tão mal posicionado no ranking do clientelismo político. No livro “Party Patronage and Party Government in European Democracies“, de Petr Kopecky, Peter Mair e Maria Spirova, sobre o peso dos militantes partidários no aparelho do Estado, foi criado um índice e elaborado um ranking de 15 democracias europeias, onde se mede o nível de influência dos partidos nessas nomeações.
Na obra publicada em 2011, os investigadores — que receberam contribuições de estudos de outros países, entre eles o da Universidade de Aveiro –, verificaram que o país onde a administração pública tinha menos influência dos partidos era o Reino Unido (0,09). Do outro lado, a Grécia era o país onde o clientelismo tinha mais força.
Com a Grécia em primeiro lugar no ranking, a Áustria surge em segundo lugar e a Alemanha aparece em quarto, o que contraria a ideia generalizada que a sul o clientelismo partidário é maior. Portugal está bem classificado, encontrando-se neste ranking na metade da tabela dos países com o Estado menos partidarizado (é sexto em 15 países analisados logo depois dos britânicos e dos nórdicos). Isto em dados que são anteriores à criação da CRESAP.
O estudo também divide o nível de influência partidária nas nomeações para ministérios, direções gerais, outras entidades da administração indireta do Estado. É também feita uma divisão por áreas que incluem Economia e Finanças, Justiça, Defesa, Administração Interna, Saúde, Cultura, Educação, Negócios Estrangeiros. Ou seja: por tutelas ministeriais, embora elas variem de país para país.
Mas, afinal, porque tem o Reino Unido níveis tão baixos de partidarização? Todos os cargos da administração pública são nomeados por concurso através de uma comissão independente. Isto embora haja uma ligeira intervenção do primeiro-ministro, que tem de aprovar a escolha dos dirigentes de primeiro e segundo grau (diretores-gerais e diretores-gerais adjuntos).
Até aos anos 1990, o Reino Unido tinha o Estado claramente partidarizado, com uma lógica de “winner takes it all”, assente no bipartidarismo: quem estava no poder, fosse do Partido Trabalhista ou dos Conservadores tinha mais cargos no Estado.
Com a nomeação por uma entidade independente, a partidarização passou a ser feita — de acordo com a obra de Petr Kopecky, Peter Mair e Maria Spirova — de forma mais sofisticada. Durante os anos de Tony Blair todos os membros de gabinetes eram nomeados pela comissão independente, mas depois o Governo trabalhista (num hábito que continuou com Gordon Brown) nomeava vários assessores que minavam os gabinetes com membros dos partidos. Além disso, alertam os investigadores, muitas vezes os diretores entravam como independentes, mas acabavam, por força do sistema, por vestir a camisola do partido que estava no poder. A Dinamarca tem um sistema parecido com o britânico, em que todos os cargos de topo têm, por princípio, exclusivamente o mérito.
No extremo oposto está a Grécia. Uma das justificações para a bancarrota do Estado grego está precisamente no clientelismo promovido pelo Estado. Ele existe desde o século XIX, mas piorou com a entrada do país na então chamada Comunidade Económica Europeia, pois nunca houve tantos recursos para distribuir. Em 2012, ao Público, o politólogo grego Christos Lyrintsis, denunciava que, “nos últimos 35 anos, os dois maiores partidos reinventaram e reorganizaram as redes de patrocínio”, com o objetivo de controlar a máquina do Estado e vários sectores da sociedade civil. O mesmo politólogo explicava que a alternância de partidos “produz um efeito perverso e acentua a polarização política, já que, após cada mudança de governo, se verifica uma maciça alocação de favores à clientela do partido vencedor.” Basicamente, o partido no poder tem influência sobre toda a administração pública.
O antigo presidente da CRESAP, João Bilhim, fala de alguns exemplos fora da Europa sobre meios de recrutamento. O Chile, por exemplo, “tem um sistema parecido com o português”, em que “os cargos são todos ocupados por concurso”, exceto o diretor-geral. No entanto, “não é uma entidade administrativa que conduz o processo, mas a própria direção-geral do serviço público.” É tudo por concurso, “até os cargos de dirigentes das escolas secundárias”.
Timor, por exemplo, ainda tem um sistema mais exigente que o português, já que foi imposto pelas Nações Unidas durante a missão de paz no país, após a independência da Indonésia. Em Timor, as escolhas são por concurso público e é escolhido apenas uma pessoa para o cargo, em detrimento de uma short-list. O caso da Austrália é parecido com o português: são nomeadas três pessoas numa short-list e a lista não é ordenada para o responsável político poder escolher livremente.
Já em Espanha, a lógica também é partidária, mas as entidades do Governo de Mariano Rajoy estão, segundo João Bilhim, a ponderar implementar um sistema similar ao português, criando uma espécie de CRESAP no país.
Parece contraditório serem os próprios partidos a tentarem criar formas de atenuar a sua própria dominação do aparelho do Estado. Talvez seja por isso que depois os sistemas como a CRESAP pode sempre ser contornados para tudo continuar na mesma debaixo da capa aparente de uma certa meritocracia. Será, pelo contrário, que faz mesmo sentido é os partidos que estão no poder controlarem de forma assumida a administração pública?