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Xavier Laine/Getty Images

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Portugal seria das economias mais penalizadas com novo fecho das escolas

Poucos países industrializados têm maior percentagem de casais com filhos em que ambos os pais trabalham. Fecho das escolas custou 83 milhões de euros na primeira vaga da pandemia.

Portugal é um dos países da OCDE onde há uma maior percentagem de casais com filhos em que ambos os pais trabalham. É, também, um dos países onde há, à partida, menor recurso ao teletrabalho e menor percentagem de mães com trabalhos em part time, designadamente pessoas que fizeram essa opção para terem mais tempo para os filhos. Estas são algumas das razões que mostram como Portugal deverá ser uma das economias mais penalizadas por um eventual novo fecho das escolas – uma decisão que, segundo pesquisa económica recente, é capaz de penalizar, a longo prazo, o produto económico e os rendimentos individuais futuros de forma potencialmente irreversível.

Para já, o Governo indicou, pela voz do ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, que está “inclinado” para manter as escolas abertas, pelo menos para já. Mas o primeiro-ministro, António Costa, admitiu esta segunda-feira que o confinamento a anunciar esta semana será, muito provavelmente, “muito próximo” do de março – em que a decisão de mandar os alunos para casa foi das medidas que mais afetaram a vida de uma parte significativa da população. E isto quer dizer que as escolas, afinal, vão fechar? Costa disse que a “vontade do Governo” não é essa e cita os especialistas: “a posição mais consolidada por parte dos peritos não aponta para o encerramento dos estabelecimentos escolares”.

A hipótese estará a causar preocupação a muitos pais, numa altura em que o Governo não abre o jogo sobre o que vai decidir na quarta-feira sobre as escolas: se vão continuar a funcionar ou se vão fechar (como aconteceu no confinamento geral iniciado em março que, ao contrário do que foi recomendado pelo Conselho Nacional de Saúde Pública, envolveu desde o início o fecho das creches e pré-escolas e, também, a passagem das aulas para plataformas remotas).

A ministra da Saúde, Marta Temido, considera que o fecho das escolas é uma “decisão extrema”. “Tomámos uma opção no passado mês de Março em relação a esta matéria, numa altura em que o aconselhamento técnico ia num determinado sentido e o Governo decidiu encerrar porque considerava que assim se conseguia conter a transmissão de um fenómeno novo e que conhecíamos ainda mal”.

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“Hoje, o conhecimento é muito diferente e sabemos os efeitos nefastos que o encerramento de escolas trouxe sobre os processos de aprendizagem, de escolarização, sobretudo dos mais frágeis, os mais vulneráveis, e é um tema que temos de encarar com a maior ponderação porque é sem dúvida uma decisão extrema”, disse Marta Temido.

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Na “primeira vaga”, em março de 2020, o Governo criou um mecanismo de assistência às famílias, mas tornou-o inacessível nos casos em que havia pelo menos um dos pais em teletrabalho, mesmo quando se tratava de famílias com crianças mais pequenas, cujo desenvolvimento carece de maior atenção (o que é tão mais importante quanto mais longo for o período do confinamento).

Nessa altura, o Governo gastou 83 milhões de euros com a medida, segundo os dados disponibilizados pelo ministério do Trabalho, depois de ter recebido 201 mil pedidos de apoio. Inicialmente, tinha sido avançada uma projeção com o valor máximo de 294 milhões de euros, tendo em conta o universo total de 750 mil trabalhadores potencialmente elegíveis.

Portugal entre os países com mais lares onde ambos os pais trabalham

Estes números da Segurança Social não refletem, porém, a perda de produtividade que está associada a uma decisão de fecho das escolas, ressalva o instituto londrino de pesquisa económica Capital Economics – notando que as consequências económicas serão piores para uns países do que para outros, e Portugal está entre os mais penalizados.

Num relatório divulgado ainda durante a “primeira vaga”, o Capital Economics dizia que “o impacto pode ser muito grande, especialmente nos países onde há uma maior percentagem de casais em que ambos os pais trabalham”. E Portugal é um dos países da OCDE onde essa percentagem é maior — 71%.

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Posto de outra forma, quase três em cada quatro lares portugueses com crianças (com até 14 anos de idade) têm ambos os pais a trabalhar – um dado que coloca Portugal apenas atrás da Suécia (83,1%), Dinamarca (78,6%) Eslovénia (78,3%) e Países Baixos (74%).

A média da União Europeia é de 61,5% e a média da OCDE é ainda menor (60,7%), ou seja, tanto num caso como no outro são menos de duas em cada três as casas onde vivem crianças e onde os dois pais não estão habitualmente em casa para poder cuidar das crianças e assisti-las no seu desenvolvimento.

No extremo oposto estão países como a Grécia (49,9%), Itália (49%), Polónia (47,3%) e Israel (42,7%), tudo países onde menos de uma em cada duas famílias têm os dois progenitores a trabalhar.

O Capital Economics acrescenta a estes dados os cálculos – difíceis de obter – que dizem que entre 15% e 20% da força total de trabalho no Reino Unido e na zona euro tem filhos em casa. Sendo Portugal, como vimos, um país onde há mais casais a trabalhar, será seguro assumir que o país estará mais próximo do topo desta banda do que do fundo, isto é, mais próximo de 20% do que de 15% (da população ativa que tem filhos em casa).

Ora, neste contexto, “vamos assumir que as escolas são encerradas por quatro semanas”, dizia o Capital Economics. “Se assumirmos que um quinto [os tais cerca de 20%] da população ativa podem necessitar de tirar tempo para cuidar dos filhos, isso tem um potencial para colocar em risco 6% do PIB trimestral, ou 1,5% do PIB anual”, notava a economista Victoria Redwood.

“Na prática, o efeito deverá ser mais contido do que isso por várias razões”, acrescenta a economista. Há vários fatores que podem mitigar o impacto – desde logo a idade das crianças, porque obviamente uma criança de dois anos implicará um dispêndio de tempo e energia menor do que um jovem com, por exemplo, 13 anos.

“Se assumirmos que um quinto [os tais cerca de 20%] da população ativa podem necessitar de tirar tempo para cuidar dos filhos, isso tem um potencial para colocar em risco 6% do PIB trimestral, ou 1,5% do PIB anual”
Capital Economics, relatório sobre custo do encerramento de escolas durante a primeira vaga da pandemia

Por outro lado, sendo desaconselhada a exposição dos mais velhos, os avós não devem ser opção – e as amas também são uma opção arriscada porque podem implicar mistura de “bolhas” e, potencialmente, contribuir para o contágio. Em Portugal, sendo um dos países onde ambos os pais tendem a trabalhar, mais do que a maioria dos países, a ausência dessas alternativas implicará uma perda económica comparativamente maior.

Além disso, salienta o Capital Economics, a perda económica estimada também nunca será total porque, mesmo com crianças pequenas, a redução de produtividade nunca é a 100% . Há aquilo que os economistas chamam de “elasticidade do produto”: potencialmente “os colegas [sem filhos] podem cobrir a produção” de quem não pode trabalhar como poderia se não tivesse filhos.

E poderá também haver alguma “elasticidade do produto” obtida através da gestão familiar feita entre os dois progenitores, “fazendo algum trabalho noutros horários, como à noite, quando as crianças dormem” ou alternando as responsabilidades entre os dois pais. Neste último ponto, porém, Portugal também não estará numa posição comparativamente favorável, já que tem a maior taxa de divórcios da Europa – 61 divórcios por cada 100 casamentos (em 2019) – o que sugere que uma percentagem maior das crianças vive apenas com um dos progenitores ou em residência alternada.

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Ao Observador, Melanie Debono, economista do Capital Economics que segue Portugal, comenta que, olhando para o primeiro confinamento, “o impacto dos encerramentos das escolas na atividade económica acabou por se revelar menos significativo do que o inicialmente temido”. “Houve vários outros fatores que tiveram um impacto bem mais importante no produto económico como, por exemplo, o fecho de fábricas que não tinham condições para acomodar as regras de distanciamento físico”, assinala Melanie Debono.

Nesta fase, e com vários países da Europa já em segundo confinamento (ou a caminhar para isso, como Portugal), o Capital Economics mostra-se um pouco mais otimista. “Como o plano parece estar a ser, em regra, não fechar as escolas, acreditamos que será menor o impacto sobre o PIB do que se viu no segundo trimestre”, diz Melanie Debono, acrescentando que “além disso, se neste novo confinamento houver uma tendência maior para manter as fábricas abertas, como está a acontecer em França pelo menos”, então este lockdown poderá não ser tão penalizador.

Perdas letivas terão impacto duradouro. E desigual

Dois académicos que se debruçaram sobre a difícil tarefa de calcular as perdas relacionadas com o encerramento das escolas, à escala internacional, são Eric Hanushek e Ludger Woessmann. Os dois argumentaram, num paper feito para a OCDE e terminado em setembro, que aquilo que se perdeu com a perturbação da atividade letiva no início de 2020 “não será facilmente recuperado mesmo que as escolas regressem rapidamente aos seus níveis anteriores”.

“Embora os níveis precisos de aprendizagem perdida ainda não sejam conhecidos, a pesquisa existente sugere que os alunos entre o 1º e o 12º anos de escolaridade podem esperar obter, ao longo da sua vida, rendimentos que serão 3% inferiores” aos que teriam em circunstâncias normais, afirmam Hanushek e Woessmann.

"Embora os níveis precisos de aprendizagem perdida ainda não sejam conhecidos, a pesquisa existente sugere que os alunos entre o 1º e o 12º anos de escolaridade podem esperar obter, ao longo da sua vida, rendimentos que serão 3% inferiores” aos que teriam em circunstâncias normais
Eric Hanushek e Ludger Woessmann, investigadores

Haverá uma perda para os alunos afetados mas, também, de uma forma agregada, para os índices de produtividade dos países. “No caso dos países, o crescimento de longo prazo mais baixo, devido a estas perdas de aprendizagem, poderá significar uma perda de produto económico anual de 1,5%”, calculam os académicos.

Além destes “prejuízos” médios, os autores salientam, também, que “as perdas não irão incidir [sobre as pessoas e países] de forma homogénea”, já que “as perdas económicas vão ser mais sentidas pelos alunos em desvantagem”, ou seja, aqueles que pelo contexto socio-económico das suas famílias terão menos condições – de contexto familiar ou de equipamento técnico – para atravessar um confinamento com as menores perdas possíveis.

O pior: não será fácil recuperar o terreno perdido. Passada a pandemia, seja isso quando for, “não bastará voltar à forma como as escolas eram em 2019. Será necessário torná-las escolas melhores”, para que seja possível compensar o mais possível. Uma das prioridades deve ser, defendem, uma abordagem mais individualizada, como resposta à maior variação de conhecimentos que inevitavelmente se forma, no contexto de uma turma.

Governo apoiou pais devido ao fecho das escolas. Mas com limitações

O encerramento de escolas na primeira vaga levou o Governo a criar então um apoio para os pais que não pudessem trabalhar a partir de casa e tivessem de cuidar de filhos menores até 12 anos (ou em casos de deficiência ou doença crónica).

Estes pais, no caso de trabalharem por conta de outrem, tiveram falta justificada e receberam um apoio financeiro excecional, correspondente a dois terços da remuneração base, o que não incluiu outras componentes do salário. Mas com limites: no mínimo 635 euros (o equivalente, então, ao salário mínimo) e, no máximo, 1.905 euros (3 vezes o SMN). O dinheiro foi recebido através das empresas, que tiveram de comprovar não haver condições para o teletrabalho.

O apoio abrangeu ainda trabalhadores independentes, mas, nesse caso, correspondendo a um terço das remunerações sujeitas a Segurança Social. O mínimo mensal correspondeu a 438,81 euros (o valor do Indexante de Apoios Sociais do ano passado), e atingiu, no máximo, 1.097,03 euros (2,5 IAS).

O Governo impôs ainda outras limitações, prevendo nomeadamente que se um dos pais estivesse em teletrabalho o outro não poderia beneficiar desse apoio excecional. Uma decisão que diminuiu o alcance da medida, tornando difícil para muitas famílias a conciliação entre as duas tarefas, ainda mais nos casos em que  apenas um dos pais pôde ficar a trabalhar a partir de casa.

No total, foram abrangidos 201 mil trabalhadores, entre trabalhadores por conta de outrem, trabalhadores independentes e do serviço doméstico, com um custo de 83 milhões de euros.

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Quando o Governo anunciava estes incentivos, na primeira quinzena de março, pouco antes do início do confinamento, a situação do país era então bem distinta. Por essa altura, Portugal, com menos de 100 novos casos diários de Covid-19, olhava para Itália e percebia qual era o potencial de destruição do vírus, quer em termos de pressão sobre os serviços de saúde, como em termos de mortes.

O confinamento e as medidas restritivas que se seguiram acabariam, no entanto, por ‘roubar’ uma fatia considerável do crescimento habitual, tanto em Portugal como noutros países um pouco por todo o mundo. Por cá, a quebra de PIB para este ano, sem paralelo em democracia, deverá rondar os 8%.

Ao longo de todo este período de pandemia, várias famílias e empresas saíram afetadas. Apesar de o Banco de Portugal não esperar uma quebra do rendimento disponível no conjunto do país — tendo em conta que o desemprego em 2020 deverá ficar em níveis não muito acima de 2019 (quando atingiu uma taxa de 6,5%) — a verdade é que cerca de 45% dos portugueses afirmaram numa sondagem encomendada pelo Parlamento Europeu que, de uma forma ou de outra, a pandemia teve impacto nos seus rendimentos.

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Também nas empresas, apesar de não ter havido grande variação nas falências (devido aos apoios governamentais), há cada vez mais dificuldade em vários setores de atividade particularmente afetados, como o turismo, o comércio ou a restauração.

O novo confinamento, que começará esta semana, mas que ainda não tem contornos totalmente definidos, terá lugar, por isso, num contexto bem diferente da situação vivida em março e abril.

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