Foram precisos quatro meses de preparação para o comandante Carlos Mirpuri realizar um voo que descreve como “histórico”: aterrar aos comandos de um Airbus 340 na Antártida. Foi a primeira vez que um avião deste género pisou o continente gelado, e a primeira vez que um português fez ali pousar uma aeronave.
Na memória de Mirpuri ficou a aproximação, no dia 5 de novembro, a uma “pista esculpida em gelo”, que se mistura “com o terreno circundante e o imenso deserto branco ao redor”. Fazer ali pousar um A340, com passageiros a bordo, tornou “o julgamento da altura desafiante, para dizer o mínimo”, conta ao Observador.
Carlos Mirpuri é fundador, vice-presidente e piloto da transportadora Hi Fly e foi a pedido de um cliente que se dispôs a levar 23 passageiros e carga para a Antártida. Partiu da cidade do Cabo, na África do Sul, para uma viagem de cinco horas.
Com uma carreira de 42 anos, é curta a lista de destinos para onde Mirpuri ainda não tinha voado. Era, no entanto, o caso da Antártida. A experiência não desiludiu: “Indescritível, emocionante, mágico. Sentimo-nos no topo do mundo, apesar de estarmos literalmente no lado oposto”.
Depois de aterrar neste “deserto branco com uma área maior que a Austrália”, o comandante da Hi Fly diz que pouco fica por fazer. “Ficamos com a sensação de que não há mais nenhum voo que nos devolva a gratificação que sentimos quando chegamos a uma pista esculpida em gelo glaciar, onde não há aerogares nem controle de fronteiras. É uma sensação de liberdade única”, conta.
A aterragem do A340 da Hi Fly na pista de gelo da Antártida agora vista "de dentro".
Morro de inveja só de olhar para isto pic.twitter.com/NUEPHKahB4— José Correia Guedes (@cpt340) November 22, 2021
Um dos maiores desafios desta operação foi mesmo localizar a pista, não só devido à luz intensa refletida pelo gelo, mas também porque “não há absolutamente nenhum auxílio à navegação”, incluindo guiamento visual, em Wolfsfang Runway, a pista onde aterrou na Antártida. Foi preciso também considerar a possibilidade de erros nos altímetros devido às temperaturas muito baixas.
No “Diário do Comandante”, um relato que escreveu para Hi Fly, Mirpuri descreve a pista de Wolfsfang como “extremamente dura”, o suficiente para “suportar um avião pesado”. É nesta placa de “gelo glaciar azul” que são “rasgados entalhes” com equipamento especial, necessários à aterragem e que são inspecionados antes da operação.
“Tendo a pista 3.000 metros de comprimento, aterrar e parar um A340 tão pesado naquele aeródromo não seria problema. Pelo menos, não no papel, já que nunca um A340 aterrou ali”, escrevia o comandante no diário de bordo.
Foi por isso com satisfação que percebeu que o avião se tinha comportado conforme o esperado. “Quando parámos, ouvi uma salva de palmas na cabine. Estávamos contentes. No final de contas, estávamos a fazer história”, recorda ao Observador.
Mirpuri explica que os voos para a Antártida costumam ser feitos com “aviões tipo cargueiro, sem o conforto de um avião comercial”. O A340 não só oferece mais conforto como é mais seguro e é capaz de fazer a viagem de ida e volta sem ter de reabastecer — um fator importante num continente com disponibilidade limitada de combustível.
Imagens inéditas e exclusivas da aterragem do Airbus A340 da Hi Fly na Antártida. Carlos Mirpuri, o comandante do voo, foi meu copiloto nos Boeing 737 da TAP e mais tarde meu instrutor de voo no Airbus 320. Um dos mais brilhantes pilotos que alguma vez conheci pic.twitter.com/xXBfkX5Opa
— José Correia Guedes (@cpt340) November 22, 2021
Com quatro reatores, o Airbus é também capaz de levar “bastante carga” e passageiros para este destino remoto. E vai continuar a fazê-lo: este “voo de validação” veio abrir portas a ligações regulares. “Autorizei o lançamento de operações repetitivas, e entre novembro e fevereiro temos previstos voos entre a Cidade do Cabo e Wolfsfang”, revela o comandante.
Durante esta temporada, a Hi Fly vai transportar turistas, cientistas e carga essencial para o continente. Só é possível, no entanto, voar neste período — entre novembro e fevereiro —, que corresponde ao verão na Antártida. “O inverno é de um rigor tal que impede operações de transporte aéreo regulares” durante o ano inteiro, remata o piloto.