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Apanha da azeitona em Valpaços, Vila Real, 9 de novembro de 2023. Dois anos consecutivos de quebra de produção de azeite preocupam os produtores de Valpaços, concelho onde a agricultura é a base da economia e se cruzam técnicas tradicionais com as mais modernas de apanha de azeitona. (ACOMPANHA TEXTO DO DIA 12 DE NOVEMBRO DE 2023). JOSÉ COELHO/LUSA
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JOSÉ COELHO/LUSA

JOSÉ COELHO/LUSA

Preço do azeite disparou mas produtores recusam reconsiderá-lo "um produto de luxo"

O preço do azeite atingiu este ano novo pico. Mas os produtores não o consideram produto de luxo e até acreditam que vai descer um pouco assim que a produção estabilize.

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No final de 2019 o preço do azeite virgem por litro ao consumidor estava, segundo o Observatório de Preços, nos 3,63 euros por litro. A partir daí foi ver o valor subir. O preço médio atingiu o pico, de acordo com os mesmos dados, em fevereiro deste ano nos 9,21 euros. Se analisarmos o azeite virgem extra, então os valores passam dos 3,94 euros para os 9,78 euros, o pico atingido em março deste ano, neste caso um aumento do preço em 2,5 vezes.

Não por acaso foi apelidado de ouro verde ao longo do último ano. 2023 foi o período de escalada do preço praticado ao consumidor. Ainda assim, o consumo, segundo o CEPAAL – Centro de Estudos e Promoção do Azeite do Alentejo, citando dados da Casa do Azeite, caiu 11%. Gonçalo Morais Tristão, presidente do CEPAAL, fala por isso num comportamento resistente por parte do consumidor que não apagou totalmente o azeite da sua lista de compras, apesar da subida de preços. “Nos países tradicionalmente produtores de azeite, portanto Portugal, Espanha, Itália e Grécia, as descidas de consumo foram semelhantes, o que significa alguma resiliência do consumidor, porque os preços aumentaram muito mais. O consumidor europeu quer continuar a consumir o seu azeite”.

Por isso mesmo não há outra razão para a queda no consumo que foi maior nos países que não são produtores tradicionais. “E isso é preocupante, porque os países produtores europeus precisam de colocar o seu produto e temos de apostar nos novos mercados, nos novos consumidores como nos Estados Unidos e no Canadá que, nos últimos anos, até esta alta de preços, tinham aumentado bastante o consumo e que, agora, registaram uma quebra grande”, levando muita gente a mudar do azeite para outro tipo de gorduras.

E aqui chega a reivindicação de promover o azeite e explicar o produto, o que Gonçalo Morais Tristão admite que deveria ser feito por uma associação interprofissional que, aliás, até já está constituída desde 2006 e reconhecida em 2015, mas que tem recursos limitados. O setor aguarda que seja publicada uma portaria de extensão para que a AIFO – Associação Interprofissional da Fileira Olivícola possa receber uma taxa de todos os produtores, independentemente de estarem representados na AIFO que agrega Confederação de Agricultores de Portugal (CAP), Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e de Crédito Agrícola de Portugal (Confagri), Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e Associação dos Jovens Agricultores de Portugal (AJAP) e Casa do Azeite – Associação do Azeite de Portugal.

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“Não estamos a inventar a roda. A nossa vizinha Espanha, o maior produtor mundial de azeite, tem uma interprofissional a funcionar em pleno e é, com base nisso, que faz campanhas pelo azeite espanhol em todo o mundo, no Japão, nos Estados Unidos”. O presidente do CEPAAL ainda se recorda de uma campanha do azeite espanhol em Times Square, em Nova Iorque,  em que anunciavam: azeite é Espanha.

“Essa campanha poderosíssima é feita com base nesses financiamentos das interprofissionais, alavancadas com dinheiros comunitários”, atira Gonçalo Morais Tristão. O que a portaria iria fazer era estender a aplicação de uma taxa a todos os produtores de azeite, com um valor por tonelada. De quanto? O valor teria de ser acertado, mas seis euros, por exemplo, por tonelada seria comportável mesmo para os pequenos produtores, acredita o mesmo responsável. Com esse valor, a AIFO conseguiria reunir à volta de 1 a 1,5 milhões de euros, e poderia recorrer a programas comunitários, acrescentando a esse montante mais cerca de 4 milhões, “o que já seria uma  coisa  nunca  vista  no  setor  em  Portugal”. Com esse dinheiro, a promoção seria já relevante.

À margem do 7.º Congresso Nacional do Azeite, realizado em Valpaços, em maio, organizado pelo CEPAAL, o ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, foi inteirado desta questão, tendo deixado, segundo Gonçalo Morais Tristão, palavras “encorajadoras”, já que pediu a apresentação de propostas para o Governo avançar com elas.

Sem que a AIFO tenha esse dinheiro, a promoção do setor é feita “casuisticamente” pelas associações e produtores. O CEPAAL tem feito algumas, nomeadamente nos Estados Unidos, Brasil, Alemanha, Suécia. As exportações de azeite estão em perto de mil milhões de euros, sendo que a maioria se entrega a granel. E é por isso que Gonçalo Morais Tristão diz que Portugal tem de trabalhar para dar valor acrescentado ao produto que exporta. Dizendo que vender para fora a granel é um modelo de negócio de alguns produtores, não o contestando, realça que, em termos de país, “devíamos reter mais valor e valorizar mais o nosso azeite e, para isso, é preciso fazer marca e marketing e conseguir vender a marca portuguesa lá fora”, voltando ao tema da promoção internacional.

Com ela chegará também algo que o setor tem realçado que tem de ser o caminho, a aposta no olivoturismo, tal como hoje já se “vende” o enoturismo. O olivoturismo já existe mas o setor quer multiplicá-lo. Itália, Grécia e Espanha têm apostado nisso e, sem números de projeções para Portugal, Gonçalo Morais Tristão acredita que iria beneficiar muito o país e dar outras fontes de rendimentos aos produtores.

O ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, discursa durante a conferência europeia “Grupos Operacionais PEI-AGRI: Inovação na prática”, em Cascais, 07 de maio de 2024. RODRIGO ANTUNES/LUSA

José Manuel Fernandes, ministro da Agricultura, revogou o diploma do anterior Governo sobre nutri-score

RODRIGO ANTUNES/LUSA

Nutri-score penaliza azeite. Governo já alterou medida do anterior Executivo

Foi publicado em Diário da República a 4 de abril, com data de 22 de março, o despacho da secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Fernandes Tavares, a adotar o sistema de rotulagem nutricional simplificado nutri-score “como medida de saúde pública de promoção da alimentação saudável”, ainda que determinasse a adoção opcional pelos agentes económicos. Nesse mesmo despacho, mandatava a Direção-Geral da Saúde para desenvolver, em 120 dias, o processo de adoção do sistema, nomeadamente a comunicação.

Gonçalo Morais Tristão lamenta ao Observador esta aprovação no que disse ser a 25.ª hora do Governo anterior, já que estendia ao azeite o nutri-score, o que considera de “uma injustiça e imoralidade”, já que, explica, “não aceitamos que um azeite esteja numa prateleira de um supermercado com a letra C e uma Coca-Cola esteja com a letra A. Isso não faz qualquer sentido”. O azeite teria a letra C porque é uma gordura, segundo o algoritmo do nutri-score, mas não é considerado o montante consumido de cada vez.

A contestação já produziu o seu efeito. O atual governo revogou o despacho considerando que se tratava de uma ilegalidade, uma vez que a responsabilidade dessas decisões não poderiam ser da Saúde. E, assim, pela mão do secretário de Estado da Agricultura, João Manuel Moura Rodrigues, foi publicada uma portaria, com data a 11 de junho, a determinar que “a adoção de qualquer sistema de rotulagem nutricional simplificado é opcional e de ­utilização voluntária pelos operadores económicos, e deve ter presente modelos adequados aos produtos ­alimentares portugueses”, competindo à DGAV (Direção Geral de Alimentação e Veterinária) “a definição” desses modelos.

Ao Público, mesmo antes da publicação da portaria, o Ministério da Saúde já tinha dito que a decisão era ilegal. “Um despacho feito à última hora pelo anterior Governo, sem ponderação e contrário a posições assumidas por Portugal que sempre defendeu a harmonização com a adoção de um sistema a nível europeu”, declarou fonte do gabinete de José Manuel Fernandes ao jornal.

Depois dessa portaria, o Governo atual pôs assim fim ao semáforo que estabelece cores para indicar o valor nutricional dos alimentos.

Mas Gonçalo Morais Tristão ainda reivindica a revogação do despacho de 2019, do então ministro da agricultura, Luís Capoulas Santos, que impedia o programa de desenvolvimento rural de até final de 2020, abrir novos concursos para financiar novas áreas de olival ou estruturas de transformação de azeitona.

Assumindo, contudo, que o despacho não está já em vigor, o responsável do CEPAAL fala numa decisão “muito perniciosa para o setor”, e que diaboliza o olival intensivo e superintensivo de regadio “como se quem produzisse azeite em sistema superintensivo fosse um criminoso de lesa majestade”. Esse despacho de Capoulas Santos explicava que eram abastecidos pelo Alqueva, nessa altura, 60% (57 mil hectares) da área de regadio da região que totalizava 95 mil hectares. E determinava à EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva), com um conjunto de outras entidades, que procedesse a um estudo sobre o estabelecimento (ou não) de “limites máximos para a expansão desta cultura no perímetro da rega”.

Ainda que o despacho limitasse o acesso a fundos do PDR até 31 de dezembro de 2020, Gonçalo Morais Tristão gostava que, de qualquer forma, fosse revogado. “Esses coisas escritas, o melhor é apagá-las”, pedindo isso mesmo ao atual ministro. “O setor olivícola precisa todo ele de ser apoiado”.

Preços mantêm à tona olival tradicional

O olival tradicional é, ainda, a maior parte desta cultura em Portugal, ainda assim tem perdido terreno. Dos 377 mil hectares de olival, quase 25% estão em plantação intensiva e superintensiva, que têm densidades médias superiores a 300 árvores por hectare, quando há 10 anos correspondia a cerca de 9%. 13,8% da área de olival tem mesmo densidades superiores a 1.500 árvores por hectare, maioritariamente localizados no Alentejo (95,8%). Também em Espanha o tradicional de sequeiro domina com 70,2%, sendo de 29,8% culturas regadas — e destas em regime intensivo estão 23,2% e em superintensivo 9,5%.

Gonçalo Morais Tristão vai explicando ao Observador que o tradicional, com os custos de produção muito elevados, depara-se com dificuldades. “Se é verdade que os preços hoje em dia permitem que o tradicional também consiga por a cabeça de fora, certo é que os preços provavelmente não vão continuar sempre assim e o tradicional precisa de ser apoiado porque os custos  são muito grandes”.

Ou seja, esta responsável diz não ter dúvida de que se os preços do azeite voltarem a valores muito mais baixos o “setor tradicional começa a não ter capacidade para ganhar qualquer lucro”. E o preço para que fica à tona da água é de certa de seis euros. Descendo mais do que isso não conseguirá compensar os custos de produção, diz o presidente da associação. Se os preços ao consumidor subiram também os custos de produção estão hoje mais elevados. “O azeite custa a produzir”, por isso, e apesar de os preços subiram muito esse agravamento tem “uma grande virtude”: “Dar a entender ao consumidor que o produtor tem os seus custos e que foram alterados nos últimos anos devido ao Covid-19, às dificuldades de transportes, à inflação. Esses custos aumentaram e o consumidor precisa saber disso”. Gonçalo Morais Tristão também diz que os preços têm de descer um pouco “mas para isso é preciso que a produção aumente, porque os preços aumentaram muito nesses últimos dois anos porque houve quebras de produção enormíssimas, sobretudo em Espanha. Tem de haver um equilíbrio no preço, mas de maneira nenhuma podemos considerar o azeite como um produto de luxo”. 

Roubos de azeitonas

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O setor tem-se deparado, nos últimos tempos, com um aumento de roubos de azeitonas. O preço do azeite também contribuiu para esse fator que a GNR já disse ter duplicado em 2023. “O Estado tem de olhar para isto”, e se Gonçalo Morais Tristão considera que a Guarda Nacional Republicana tem feito o que pode há outras medidas que têm de ser feitas, nomeadamente a de controlo das entidades intermédias e lagares que rececionam azeitona que ao receberem produto roubado e produto legítimo acabam por fazer uma “lavagem” à furtada.

“É preciso controlar essas entidades. Não seria muito difícil as autoridades controlarem as entidades que rececionam a azeitona roubada e fechá-las e  meter os donos na cadeia ou processá-los para que não repitam”.

Gonçalo Morais Tristão acredita que os preços vão voltar a baixar e quando isso acontecer poderá novamente haver retoma do consumo. As produções deste ano já se esperam, mesmo em Espanha, melhores. Este país, que tem 40% da produção mundial, teve, na campanha de 2022/2023, uma produção de azeite abaixo das 700 mil toneladas, considerada a mais pequena dos últimos 20 anos em Espanha. Com impacto nos stocks que, consequentemente, também baixaram. Este ano espera-se uma melhor campanha. O que com mais oferta poderá conduzir a uma descida de preços. Ainda que estando a falar de agricultura, o tempo é que ditará o rumo. “Espera-se que este ano as produções mundiais, se tudo correr bem, aumentem e, portanto, que haja um aumento dos stocks e que os preços possam diminuir um pouco”. O início da campanha foi positivo. É esperar para ver até ao fim. “Hoje em dia com as alterações climáticas não sabemos o que vai ocorrer.”

E, por isso, fez-se bem em apostar no olival de regadio com a escassez de água que existe? Gonçalo Morais Tristão socorre-se da frase proferida no Congresso em que Filipe Duarte dos Santos, professor e especialista em ambiente, para dizer que “a oliveira é das árvores mais adaptáveis às alterações climáticas. Está aqui há milhares de anos”.

“Hoje em dia qualquer cultura agrícola ganha muitíssimo se for regada. Como há menos água, especialmente em períodos estivais, a maior parte das culturas precisa de ser apoiada com água e isso aconteceu também no setor olivícola. A grande mudança e modernização do setor olivícola português deu-se com a introdução da rega, sobretudo na zona do empreendimento para fins múltiplos do Alqueva. Isso ajudou muito o aumento das produções e a regularidade. Apesar e por causa das alterações climáticas, é que precisamos de continuar a identificar sítios onde possa haver mais regadio para apoiar a olivicultura e outras culturas agrícolas”, assumindo a necessidade de se represar mais água. “O Alqueva está cheio de água. Porque há barragens”, e embora sem bola de cristal Gonçalo Morais Tristão acredita que vai haver água para os olivais.

Quando o Alqueva foi projetado, recorda, estava pensado sobretudo para a rega do milho. Consoante os ciclos, diz Gonçalo Morais Tristão que também se assume produtor deste cereal, o milho pode requerer sete ou oito mil metros cúbicos de água por hectare. O olival precisa de menos de metade, diz defendendo, por isso, que “não consome tanta água como muitas outras  culturas”, além disso, garante, “tem vindo a fazer um grande caminho em termos de eficiência hídrica”. Na década de 1960, o  país agrícola de regadio “consumia cerca de 16 mil metros cúbicos por hectare; hoje em dia consome 3 a 4 mil metros cúbicos por hectare. Claro que gasta mais no total porque há mais área agrícola”.

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