Ao fim de cinco anos no cargo, Hélder Sousa não será reconduzido como presidente do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE). Segundo avançou o Expresso, o presidente do organismo responsável pelos exames e provas nacionais pediu a renovação da sua comissão de serviço, que terminou em dezembro, mas a sua intenção foi rejeitada pelo Governo. Em resposta, João Costa, secretário de Estado da Educação, justificou a decisão com a necessidade de integrar “novos atores e conhecimentos” no IAVE e “imprimir ao instituto uma nova abordagem e dinâmica das suas atribuições” face às “alterações legislativas introduzidas no sistema educativo”.
Em entrevista ao Observador, Hélder Sousa mostrou-se surpreendido com a decisão da tutela, principalmente pelos motivos invocados. Tranquilo, diz que cargos como o seu são transitórios, e que está com grande expectativa para ver quem serão os novos atores e novo conhecimento que o governo levará para o IAVE.
O que não entende são os argumentos utilizados. “Dá a sensação de que, de 2016 para cá, não tem havido inovação. E é um facto que houve. Sabe-se que houve uma profunda transformação no paradigma da avaliação e isso foi gizado, pensado, e concebido por esta equipa diretiva”, diz em entrevista ao Observador.
Quanto às novas alterações e dinâmicas de que fala o secretário de Estado, diz não baterem certo com a carta de solicitação enviada pelo Ministério da Educação ao IAVE, onde estão as linhas mestras para as provas e exames para aplicação nos anos letivos de 2018/2019 e 2019/2020. “Os argumentos de que é preciso introduzir inovações não colhem com a carta de solicitação por que ela não aponta nesse sentido”, diz.
Para o futuro, deseja que o IAVE seja cada vez mais uma entidade independente, já que “as questões técnicas não podem de maneira nenhuma ser moldadas ou condicionadas por interesses de outra natureza”. Mas recusa comentar a possibilidade de ter sido afastado por questões político-partidárias, concluindo apenas que isso “o futuro o dirá”.
Em algum momento teve ideia de que poderia não ser reconduzido no cargo ou foi uma surpresa total esta decisão do Ministério da Educação?
A questão de ser reconduzido, ou não, não é sequer a questão mais importante. O que é importante é o que vai acontecer no futuro porque é determinante para o sucesso dos alunos e, indiretamente, para o sucesso do país. Neste tipo de cargos, estamos sempre transitoriamente. O que me pareceu muito estranho, e continua a parecer-me particularmente estranho, são os argumentos aduzidos para justificar a não recondução. Parece-me anacrónico porque é incoerente. Os argumentos de que é preciso introduzir inovações não colhem com a carta de solicitação enviada pelo ministério ao IAVE e que não aponta nesse sentido. E os argumentos de que são precisos novos atores e novas ideias dá a sensação de que de 2016 para cá não tem havido inovação. E é um facto que houve. Sabe-se que houve uma profunda transformação no paradigma da avaliação e isso foi gizado, pensado, e concebido por esta equipa diretiva.
Tem ideia de quem poderá ser o seu sucessor ou, pelo menos, o tipo de perfil que ele terá tendo em conta as justificações do secretário de Estado João Costa?
Não sei. Estou na expectativa de ver quem poderá ser.
O que lê nas entrelinhas desta ideia de serem necessários “novos atores” no IAVE? E “novos conhecimentos”?
Não sei. Estou na expectativa de ver quem serão os novos atores e quais serão também os novos conhecimentos. É importante, para além das pessoas, ver aquilo que pode ser trazido de novo ao processo de avaliação já que as grandes transformações e inovações que houve têm sido conduzidas pelo conselho diretivo que agora cessa funções. Haverá coisas novas? Eu próprio ficarei na expectativa. Conhecendo a avaliação como a conheço, como a palma da minha mão, estou na expectativa de ver exatamente quais são.
Como diz, nestes últimos 5 anos houve uma série de inovações e de mudança de paradigma na avaliação, mas esta equipa diretiva esteve sempre à frente delas.
Sim, esta equipa diretiva esteve em tudo o que foram grandes inovações. Para mim, a principal inovação teve a ver com a forma como se reportam os resultados nas provas de aferição. Agora têm uma abordagem construtiva daquilo que deve ser a informação que se recolhe sobre a avaliação dos alunos. E é construtiva no sentido em que dá uma informação que não se esgota numa nota, já que a nota diz muito pouco sobre o desempenho do aluno. Isso, para mim, é o grande salto qualitativo. Obviamente que continuamos com um bloqueio enorme no ensino secundário porque não se quer fazer alterações ao nível do acesso ao ensino superior. Sabemos que isso condiciona também a forma como os professores abordam toda a questão do ensino nos três últimos anos da escolaridade obrigatória. Mas, mesmo assim, o IAVE tem tentado ajudar as escolas: recebemos imensos convites para as apoiarmos a encontrar soluções. Para quê? Para abordarem a questão do ensino e da aprendizagem de forma diferente, ligando-as a novas formas de avaliar, principalmente na sala de aula. E estas soluções têm de se ajustar aquilo que são as orientações que advém do Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória — que é um excelente documento tendo em conta aquilo que se pretende que os alunos adquiram como capacidades e competências para que depois possam integrar a vida ativa de uma forma mais próxima dos desafios que vão enfrentar. Mas isto obriga a mudar profundamente o paradigma do ensino, da aprendizagem e da avaliação. É exatamente esse trabalho que temos estado a fazer com as escolas que nos têm convidado e com sucesso, o comentários tem sido muito positivo.
Este ano será o primeiro ano em que os alunos que começaram na flexibilidade curricular terão de fazer exames nacionais. Acha que o seu afastamento pode ter alguma coisa a ver com este cenário?
Não vejo como. Na própria encomenda que é feita nas cartas de solicitação elas, em si próprias, não comportam nada de novo. Há uma expectativa de que se consiga através da conceptualização das perguntas apontar no sentido em que a aprendizagem tem de ser feita de forma diferente. Mas isso não traz propriamente nada de novo. Há muitos anos que as perguntas apontam para a necessidade de haver processos de compreensão, de análise, de inferência, processos que obrigam ao pensamento crítico… E estes processos continuam a ser deixados para segundo plano. O que começámos a explicar foi que essa forma de abordar o ensino, essa forma muito conservadora de como os alunos estudam, em que se preocupam com a memorização, não nos leva a melhores resultados.
O que é que nos dizem os resultados?
Os resultados que temos permitem-nos tirar estas conclusões que acabei de dizer e aquilo que me agrada mais é que ao falarmos com os professores — já fiz apresentações em dezenas escolas, para mais de 10 mil professores — e eles começam a perceber que se não mudarem a forma como se ensina e como se aprende dificilmente os resultados vão melhorar. Todos queremos isso, os professores, os alunos e as famílias. E há abertura para essa mudança. Mas não é visível naquilo que são as próprias encomendas que têm sido feitas [cartas de solicitação] porque as provas já comportam esse lado. A questão aqui não é fazer provas diferentes para a flexibilidade, é olhar para os resultados e mudar a forma como se está a ensinar, como os alunos estão a aprender, como os alunos estão a estudar e a preparar-se para as provas. Para mim, a chave está na avaliação, na forma como se faz na escola, na sala de aula, que continua marcada por fazer testes e testes e testes e testes, na perspetiva somativa: repetem sempre o mesmo paradigma e os mesmos erros. Por aqui não se encontram soluções.
Na última entrevista que deu ao Observador, disse claramente que não iam existir provas para a flexibilidade.
Isso não faz sentido nenhum. A flexibilidade pode concretizar-se numa perspetiva de que o saber não está organizado em compartimentos estanques por disciplinas. Ele é aberto e transversal e isso permite às escolas fazer uma gestão do currículo de forma diferente, com maior interdependência entre as disciplinas, com maior capacidade de organizar o próprio tempo de lecionação de forma diferente, de forma a que os alunos possam desenvolver capacidades que não passam só por um processo de explanação da matéria, memorização e reprodução nos testes. Isso não leva a lado nenhum, acaba por produzir um modelo social que nós já conhecemos. Os alunos que estão melhor equipados do ponto de vista social, com mais apoio, com um fundo económico mais favorável, vão ter sempre melhores resultados e os outros piores. Isto não permite que a educação funcione como um elevador social que é o papel que deveria estar a desenvolver.
Mas o secretário de Estado da Educação já por mais de uma vez insistiu que haveria exames nacionais pensados para a flexibilidade. Acha que há aqui uma causa-efeito? Insistir que não há provas para a flexibilidade pode levar à sua saída?
Se pesquisar aquilo que é a carta de solicitação — concebida recentemente pela Secretaria de Estado da Educação e que encomenda as provas para os próximos dois anos letivos — não vê lá nada que indicie provas diferentes. Aquilo que tenho defendido é que pode-se fazer caminho, pode dar-se mais ênfase às questões em que há maior mobilização do conhecimento dos alunos. Podem ter mais a ver com os suportes que as próprias perguntas apresentam, obrigando os estudantes a analisar informação em vez de memorizar. Isso passa mais pelo processo do que pelas provas. Se recuarmos 4, 5, 6 anos já temos provas que comportam esse tipo de itens. Os alunos não estão é a ser preparados para responder aos itens que comportam esse tipo de análise de forma a tirarem o melhor partido possível da cotação disponível. Há sempre uma sistemática perda de cotação em muitas respostas, porque constroem-nas de uma forma muito superficial, muito pontual e não tem a cotação que poderiam ter se fizessem outro tipo de explanação.
E o futuro do IAVE? O que deseja daqui para a frente?
Espero que se consolide como uma entidade que tem conseguido afirmar-se no plano internacional, afirmar-se como um parceiro das escolas no apoio que lhes pode ser dado nesta área muito complexa da avaliação. Complexa mas desafiante e para a qual sinto que os professores estão muito predispostos para ganharem mais capacidade, para trabalhar a avaliação nos exames e na sala de aula. O IAVE tem hoje recursos com uma qualidade que permitem apostar nesse apoio às escolas, e afirmar-se como uma entidade de grande relevância na área da avaliação: temos colaborações com várias entidades públicas para fazer avaliações não apenas de alunos, temos alguma experiência de colaboração internacional com PALOPs, estamos em alguns organismos internacionais e espero que a nova direção mantenha esse tipo de presença. O caminho é esse, é criar uma entidade que tem de ser independente, e isso pode constitui uma preocupação, tem de ser independente porque as questões técnicas não podem de maneira nenhuma ser moldadas ou condicionadas por interesses de outra natureza.
Acha que esta decisão de não reconduzi-lo no cargo está relacionada com interesses político-partidários?
Não comento. O futuro o dirá.