Pedro Nuno Santos escolheu o horário nobre televisivo para não só apresentar a proposta final do PS, como também para fazer chegar ao maior número de pessoas, de todas as formas possíveis, que não será pelo seu partido que o acordo orçamental falhará. O peso desta culpa pode ser fatal e o líder socialista desdobrou-se em garantias, desde o “estamos no caminho da viabilização” ao “não quer ficar de fora”, ao mesmo tempo que estendia duas opções ao Governo para ultrapassar o maior entrave ao acordo: a descida alargada do IRC. Para não perder a face, até a Passos Coelho recorreu para preservar a linha vermelha do PS e agora espera pressão dos empresários a seu favor.
O plano que o Governo apresenta para a descida do IRC, que culmina numa taxa nominal de 17% em 2027, “nunca terá o apoio do PS”, declarou quando, na sede nacional do partido, apresentou a sua contraproposta ao que tinha ouvido do Governo no dia anterior. E a solução que encontrou para contornar este “nunca” revela que o maior problema para o partido não é aceitar uma descida de um ponto percentual em 2025, mas sim que isso possa significar um compromisso para uma redução que vá por aí fora, até aos 17% que o Governo prevê para o final da legislatura.
Pedro Nuno Santos procurou, assim, separar águas entre o já e o daqui a diante. O PS até aceita uma redução de 21% para 20% da taxa nominal do IRC no próximo ano, se nos três anos seguintes o Governo não voltar a reduções e reintroduzir, em substituição, o Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento criado em 2014, era Passos Coelho primeiro-ministro — o que o líder do PS fez, claro, questão de lembrar.
Se o Governo não quiser esta opção, o PS tem outra para ultrapassar a questão do IRC, que é aplicar já em 2025 o Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento e nos anos seguintes o Governo pode entender-se com quem quiser para continuar a sua “estratégia fiscal de redução da taxa estatutária do IRC para 17%”.
Concluindo. Ou há redução mínima já, mas mais nenhuma além desta na legislatura. Ou não há redução e há, em vez disso, crédito fiscal ao investimento e o Governo faz o que quiser nos anos seguintes. Com isto pretende sacudir dos seus ombros um peso insuportável para alguém que vem da ala esquerda do PS e enfrentou a direção de António José Seguro — que, em 2014, assinou um acordo com o Governo para a descida do IRC (que foi uma das primeiras coisas que o PS de Costa rasgou). Ao mesmo tempo não quer fazer vingar a ideia de qualquer problema com as empresas, garantindo que o que separa do PSD “não é o desagravamento fiscal dos impostos sobre o capital, mas a estratégia seguida para o fazer “.
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Nos momentos a seguir à declaração de Pedro Nuno Santos, o PS desmultiplicava-se em garantias sobre a vantagem que os próprio empresários reconheciam à medida. Na SIC Notícias, o socialista Ascenso Simões (que ainda há tempos defendeu publicamente que o PS não viabilize este Orçamento) revelava ter falado com dois empresários relevantes do país que elogiaram a solução do PS. Os socialistas esperam que o alinhamento dos empresários com uma medida que o Governo de então chegou a estimar conseguir reduzir para 7% a taxa efectiva de IRC e que serviu para atrair investimento num período concreto em que quer era preciso reanimar a economia no pós-troika.
Ao lado, na CNN Portugal, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), Armindo Monteiro, elogiava não a medida mas a “atitude construtiva, de procura de soluções” do líder do PS e o partido logo alertara para a declaração. Já não tanto para a afirmação mais adiante em que o presidente da CIP dizia que “seria caricato que um Orçamento de Estado não fosse aprovado por se querer reduzir um ponto percentual num imposto que é elevado”. Ainda assim, o representante dos empresários portugueses defende “qualquer solução que impeça uma crise política” e que “é importante que haja um entendimento mínimo”, notando que não se trata de uma questão de evitar eleições, mas de evitar crises imprevisíveis — de que os empresários também não gostam.
A cada contraproposta que tem surgido neste processo negocial vem sempre associada uma carga de pressão sobre quem a recebe em mãos e o PS não fez diferente esta sexta-feira à noite. “Estamos no caminho da viabilização”, disse Pedro Nuno Santos na conclusão da sua declaração sobre o Orçamento e ainda acrescentou que há que “agarrar a oportunidade de ter a estabilidade política com a contribuição do PS”. “Não vemos nenhuma razão para que não haja abertura do Governo para aceitar uma destas propostas em relação ao IRC, desafiou.
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Mas se o IRC era o irritante mais difícil de contornar para o PS, ainda há arestas que o partido quer limar no IRS Jovem. Já reclamou como uma vitória que o Governo tenha trabalhado “em cima do regime em vigor” e que foi criado há dois anos, na governação socialista, mas isso não chega.
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Elencou primeiro o que aceita do Governo: três em quatro alterações propostas. A única coisa que não quer é que este quadro de descontos fiscais para a população até aos 35 anos se estenda por 13 anos. O atual regime aplica-se a cinco anos e o PS aceita que possa passar para sete, mas não para mais do que isso — isto “sem prejuízo que avaliação futura” conclua que a medida deve ser alargada, preveniu. De resto, disse estar de acordo com “o alargamento do universo da aplicação da medida independentemente do nível de qualificações”, com o alargamento da medida para todos os jovens entre os 18 e os 35 anos e ainda como o alargamento do limite do benefício do IRS Jovem para 55 Indexantes de Apoio Social (IAS), em vez dos 40 IAS do modelo em vigor.
Sobre as soluções que apresentou, o líder do PS garantiu que são “muito moderadas e vão no sentido da proposta do Governo”. “Se o acordo for conseguido, estarão criadas as condições para que o PS viabilize o Orçamento”, declarou desimpedindo o caminho até ao dia 1o de outubro. E isto porque esse é o prazo para a entrega da proposta de Orçamento à Assembleia da República, que quer ver primeiro para oficializar a posição socialista. Mas, em forma de pressão, vai já avisando que a viabilização pode estar já ao virar da esquina e nem ser preciso esperar pelo dia em que a proposta é conhecida.
Quanto ao que se passará daí em diante — caso a proposta do Governo passe —, no debate e votações na especialidade, Pedro Nuno Santos disse que não ficará pelo que conseguir acordar agora no Orçamento — até porque considera que três medidas que tinha proposto (para pensionistas, investimento em habitação e regime exclusividade no SNS) não estão suficientemente assumidas por parte do Governo. Sendo certo que quando o PS apresentar propostas “fará sempre essa apresentação com a preocupação de garantir a estabilidade orçamental e a não deturpação do Orçamento durante o processo da especialidade”. A corrida pelo lugar do aluno mais ajuizado da sala ainda não terminou.