As movimentações começaram ainda antes da campanha eleitoral: telefonemas, reuniões, almoços e a definição de um calendário de desgaste. A operação para afastar Rui Rio estava em marcha e só uma vitória ou uma distância muito curta para o PS podia travar o ataque ao líder. Na semana anterior às eleições chegaram informações à própria direção de Rui Rio de que a partir de segunda-feira de manhã, montenegristas e outros críticos — com Relvas à cabeça — iam atacar o líder diariamente na comunicação social para tentar forçar a demissão. Isto até ao anúncio de candidatura de Luís Montenegro, que será feito já esta quarta-feira à noite.

E assim foi. Na manhã de segunda-feira, horas depois do fim do escrutínio, Miguel Relvas pedia na TSF um “nova liderança, novos protagonistas e novas políticas“. E reforçaria as críticas minutos depois no Observador ao classificar o resultado das legislativas como ” claramente negativo” e “uma das maiores derrotas” do PSD. Estava aberto o tiro-ao-Rio. Seguiram-se autarcas como Almeida Henriques (Viseu), Benjamim Pereira (de Esposende, em declarações à Lusa), Emídio Sousa (de Santa Maria da Feira, em declarações Público), Silvério Regalado (de Vagos, em declarações à Renascença) ou Paulo Cunha (de Famalicão, à Agência Lusa).

No dia de reflexão, 5 de outubro, o mesmo Paulo Cunha tinha estado com vários autarcas num almoço em que estava também o antigo secretário-geral de Passos Coelho, José Matos Rosa. O pretexto do almoço foi uma viagem à China que os vários participantes tinham feito em 2016, mas o PSD pós-eleições foi um dos assuntos em cima da mesa. Alguns dos presentes ouvidos pelo Observador saíram do almoço com a informação de que Matos Rosa deveria ser o diretor de campanha de Pinto Luz. Houve autarcas que não se quiseram comprometer uma vez que faltava um dia para as eleições e era preciso “calma com Rui Rio”, mas já todos sabiam que segunda-feira iam começar os ataques públicos e organizados ao presidente do PSD.

O segundo round do grupo dos cinco que agora são sete

Quase todos os elementos do “grupo dos cinco” — o grupo dos líderes distritais que em janeiro tentaram o “impeachment” de Rui Rio —  estavam alinhados na segunda-feira nas críticas a Rui Rio. O líder da distrital de Viseu, Pedro Alves, à Rádio Observador, destacou que esta é “uma derrota para o partido” e um “quebrar um ciclo de vitórias que tínhamos vindo a ter em 2011 e 2015 e refletem a incapacidade que o PSD teve de derrotar António Costa.” Além disso, lembrava que Ferreira Leite e Santana Lopes “acabaram por sair e reconhecer que era derrota pesada para o PSD”.

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Bruno Vitorino, líder da distrital de Setúbal disse também, em declarações ao Observador, que teve “vergonha” de ouvir Rui Rio festejar uma derrota como se fosse uma vitória. Maurício Marques, que em janeiro líder da distrital de Coimbra, deu declarações no mesmo dia à Antena 1 a dizer que “não tem quaisquer condições para continuar na liderança do PSD“.  Maurício Marques saiu da distrital, mas mantém influência, pelo que a distrital de Coimbra estará controlada pelos críticos.

Nessa mesma linha foram as declarações ao Público de Carlos Morais Vieira, líder da distrital de Viana do Castelo, com os membros argumentos dos companheiros do “golpe” de janeiro: “[Rui Rio] quebrou um ciclo de vitórias do PSD desde o tempo de Ferreira Leite e teve um dos piores resultados dos últimos 36 anos”. Deste núcleo duro de cinco líderes distritais que promoveram o impeachment de janeiro, só Pedro Pinto (Lisboa) ainda não se pronunciou. Mas todos os outros tinham o ataque articulado.

E ainda juntaram tropas. O líder da distrital de Santarém, João Moura — que em janeiro apoiou publicamente Rui Rio naquilo a que o presidente do PSD chama de “golpe de Estado” — sempre foi associado aos críticos por ter participado no encontro preparatório dessa tentativa de assalto à liderança. João Moura ganhou as eleições da distrital com o apoio de Miguel Relvas e na estrutura era sabida esta ligação ao anterior secretário-geral. Na altura, João Moura sempre negou essa ligação aos críticos junto de Rui Rio. Mas um dia depois de ser eleito como deputado ficou claro de que lado estava e saiu em defesa da ala montenegrista. O líder distrital de Santarém defendia que “não há derrotas morais” e que o resultado de domingo “é mau em toda a linha.” A direção de Rio já não confiava em Moura, mas agora fica claro que a distrital está perdida para quem avançar contra o presidente do partido.

Embora não faça parte do grupo do “golpe” de janeiro, o líder da distrital de Leiria, Rui Rocha. Logo no dia seguinte às eleições, o líder da distrital de Leiria dizia, em declarações ao Jornal de Notícias, que “não há capacidade de esta tendência no partido continuar, tendo em conta que o presidente do partido não captou a atenção do eleitorado e, sinto, que o partido está pouco entusiasmado. É necessário alguém que revitalize o PSD e crie uma nova dinâmica. Julgo que isso terá de ser feito por alguém diferente de Rui Rio“.

Nesse mesmo dia à noite foi a vez de Miguel Morgado, outro crítico de Rui Rio dar uma entrevista à SIC Notícias a classificar o resultado como “desastroso”, embora não se tenha assumido como candidato à liderança. Isto ao contrário do que tem dito nos últimos meses. Mesmo sem saber se avança, contribuiu para o tal desgaste mediático de Rui Rio.

Desgaste é para continuar até 4ª, dia do anúncio de Montenegro

A estratégia não era apenas atacar no day after, mas todos os dias até que Luís Montenegro se assuma oficialmente como candidato, o que acontece hoje numa entrevista ao Jornal da Noite da SIC. Ao que o Observador apurou será nesta entrevista que Luís Montenegro vai anunciar que será candidato quando houver eleições, mas não vai impor ou provocar qualquer antecipação de congresso ou eleições.  Na sexta-feira há um jantar de comemoração dos 10 anos de poder autárquico no PSD de Espinho. O jantar até será bom para o “boneco” televisivo, com muita gente em torno do candidato Luís Montenegro, mas a candidatura do antigo líder parlamentar não quer confundir planos. Por isso mesmo, Montenegro optou por anunciar a candidatura antes desse jantar.

Até este anúncio, era fundamental criar um ambiente favorável ao lançamento da candidatura. Esta terça-feira foi a vez do antigo líder da JSD, Pedro Duarte, vir puxar pela candidatura de Luís Montenegro. Se não fosse interpelado até lá, a ideia era declarar o apoio a Montenegro em entrevista à SIC Notícias esta terça-feira às 19h00. Mas, abordado por jornalistas à saída de um pequeno-almoço na Câmara de Comércio Americana em Portugal, Pedro Duarte disse logo ao que ia: “É importante que se diga que era bom que se gerasse dentro do PSD um consenso suficiente em torno de uma equipa e de um líder que pudesse ter essas condições e hoje parece-me absolutamente inequívoco que Luís Montenegro, tendo essa vontade, tem condições para congregar esse novo projeto político dentro do PSD.

A aproximação de Pedro Duarte e Luís Montenegro não é de agora. Quando em junho o antigo líder da “jota” apresentou o seu manifesto, Luís Montenegro compareceu na apresentação, destacando que é um “amigo de há muitos anos”.

Rio não abre o jogo, mas só fica se puder fazer reformas para o país

Rui Rio ainda tentou falar o mínimo possível sobre se irá sair ou ficar no partido. Na segunda-feira houve reunião da comissão permanente, mas nem aos seus mais próximos o presidente do PSD revelou o que irá fazer. No dia pós-eleições, o presidente do PSD limitou-se a ficar a receber os tiros dos opositores, sem ligar as anti-aéreas.

O presidente do PSD só fica se for para fazer a diferença. E isso significa ter abertura do PS para fazer reformas estruturais em várias áreas. E deixar a sua marca dessa forma. Na segunda-feira à noite, Paulo Mota Pinto, presidente da Mesa do Congresso (e que, por inerência, preside ao Conselho Nacional) desvendava um pouco daquilo que é a estratégia do presidente caso fique. No programa Prós-e-Contras da RTP, Paulo Mota Pinto garantiu que o PSD “está aberto para acordos pontuais“, como “aconteceu na anterior legislatura” e deu como exemplo a área da Defesa e “noutras áreas de Estado” onde os dois maiores partidos convergem.

Mota Pinto veio puxar por Rui Rio dizendo que o resultado é “muito melhor que o esperado” e que o PSD, que estava muito pior nas sondagens, recuperou à boleia da “boa prestação” do seu líder em campanha”. O presidente do PSD, tal como tinha dito na noite eleitoral, quer enaltecer o copo meio-cheio enquanto não decide o seu futuro.

Esta terça-feira, à saída da audiência com o Presidente da República, Rui Rio reiterou estar “disponível para fazer acordos de reformas estruturais”, já que “não há possibilidade de reformas estruturais para o país sem os dois grandes partidos”. Rio destaca que isso vai depender do que “sair do acordo entre PS e Bloco de Esquerda”. A continuidade de Rio está assim dependente da utilidade que entende que pode ter para o país. Se um acordo à esquerda não inviabilizar acordos que incluam o PSD em áreas como o “sistema político” ou a “segurança social”, o presidente do PSD pode ficar em nome do “interesse nacional”. Se assim não for, faz as malas.

Normalmente, a seguir a cada ato eleitoral é convocado um Conselho Nacional para análise dos resultados, mas Rio colocou esta terça-feira José Silvano a avisar que isso não acontecerá já nos próximos dias. Rio quer ganhar tempo para ver o que faz António Costa. O secretário-geral disse, em declarações à Lusa, que “neste momento, a única preocupação do dr. Rui Rio é com o interesse nacional e em exercer funções como líder da oposição”.

Mas os ataques vêm até de onde menos esperava. O antigo Presidente da República, Cavaco Silva, escreveu esta terça-feira que o resultado não o podia deixar de “entristecer”, defendendo que a tarefa mais importante do PSD é “reconstruir a unidade do partido e de mobilizar os seus militantes”, mesmo os que se afastaram ou foram afastados. E aí, com surpresa, Cavaco Silva nomeou uma antiga governante de Passos: “Como é o caso de Maria Luís Albuquerque, uma das mulheres com maior capacidade de intervenção, que conheci durante o meu tempo de Presidente, e muitos outros”. O antigo Presidente da República tinha estado ao lado de Rui Rio num encontro discreto antes das diretas do PSD. Do outro lado estava a “má moeda” Santana Lopes, mas ainda assim o ato foi visto como um apoio a Rio.

O PSD e as eleições de dia 6

O antigo ministro de Cavaco Silva, António Capucho, em declarações à Rádio Observador, diz que subscreve na “íntegra” o que disse o antigo líder do PSD (embora tenha dito que o exemplo de Maria Luís Albuquerque foi “infeliz”), mas também disse que Rui Rio tem “todas as condições para permanecer” ao leme do partido até ao Congresso e até de reforçar a liderança nessa circunstância. Para Capucho, Rio até estará a “ponderar” antecipar o Congresso, o que lhe poderá “trazer vantagens“.

A estratégia da atual direção passava por deixar os críticos a desgastarem-se no espaço público, falando sozinhos, e só no fim concertar uma resposta. Rui Rio já percebeu, porém, que tem de começar a ocupar espaço mediático no contra-ataque e amanhã o seu vice-presidente Nuno Morais Sarmento vai dar também hoje uma entrevista à RTP, depois da de Luís Montenegro, para iniciar a resposta da direção aos críticos. O presidente do PSD tem até agora a seu favor os críticos que apareceram serem basicamente os mesmos que o andaram a criticar nos últimos dois anos. Salvo algumas exceções não há mais, nem menos.

Saída de Rio trava e desbloqueia candidaturas

Miguel Pinto Luz e Luís Montenegro, já se sabe, avançam para a liderança do PSD. Se Rui Rio avançar, Paulo Rangel não avança. Mas se o atual líder do PSD se retirar, toda uma ala do partido fica órfã de candidato. E Rangel é sempre um candidato com possibilidades de disputar a contenda com Montenegro, caso fique com os apoios de Rio e a vantagem de ter o aparelho da direção em funções.

Rui Rio continua  a contar com o apoio de boa parte dos líderes de distritais importantes como Braga, Porto ou Aveiro. Isto além de distritais como Bragança e Vila Real. Se decidir ficar no partido, o líder do PSD vai lutar para ganhar. No passado, como aconteceu em janeiro, já provou que se sai bem quando o pressionam e demonstrou mestria a controlar o aparelho (com o apoio de Salvador Malheiro).

Se o atual presidente não avançar, também não vai dar — como diz um dirigente do PSD que apoia Rio ao Observador — o partido de “mão-beijada” a Montenegro. Rui Rio escolherá um candidato para apoiar que faça frente à ala de Montenegro. É aí que Paulo Rangel ganha espaço, sendo o favorito de alguns dos atuais apoiantes de Rio para enfrentar o antigo líder parlamentar do PSD. Se o eurodeputado — que teve um resultado historicamente baixo nas Europeias — decidir resguardar-se, Jorge Moreira da Silva pode tentar impor-se como o candidato da fação deixada órfã por Rui Rio.

As cartas dentro e fora do baralho no futuro do PSD