De pernas afastadas, mãos sobre os joelhos, à luz das velas e sobre um chão de linóleo axadrezado branco e preto. E avental. Com óculos de massa pretos e expressão séria. Rafael Esteves Martins diz que gosta de passar despercebido, mas já em 2009, naquelas que tipicamente são reuniões secretas, optou por dar a cara. Com 21 anos, era o segundo mais novo maçon na loja, e deixou-se fotografar — dizia — para pôr as pessoas que o conheciam “a pensar sobre o que será, afinal, a maçonaria”.
A reunião era da Grande Loja Tradicional de Portugal (GLTP), uma das lojas maçónicas mista em Portugal, ainda que não reconhecida pelas outras lojas. À data, o Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, António Reis, explicava ao Expresso: “A Grande Loja Tradicional de Portugal é uma falsa obediência maçónica que não respeita os requisitos mínimos constitutivos de uma obediência maçónica e que nós não reconhecemos como tal. Não passa de um clube de amigos”.
Mas nem isso impedia as reuniões da GLTP. Rafael, na altura com 21 anos, tinha sido iniciado há dois. A porta de entrada foi a amizade com o filho mais novo do casal Olinda e Pedro Pinto, ambos maçons. Se há dez anos dizia ao semanário que o objetivo de dar a cara era também pôr as pessoas “a pensar sobre o que será, afinal, a Maçonaria”, agora diz ao Observador que acabou por abandonar a ordem maçónica pouco tempo depois porque percebeu “que não era o que achava que seria”.
Sem se alongar em explicações, remetendo para a estrutura da GLTP qualquer questão, Rafael Esteves Martins diz que não se recorda exatamente da data de saída, mas aponta para “2011 ou 2012” — e notou que “foi parte” da sua vida mas que se resumia a “um facto do passado” que, frisa, agora tem pouca importância.
Passaram dez anos e Rafael Esteves Martins voltou a ser fotografado e a aparecer em páginas de jornais quando, no primeiro dia da nova legislatura, chegou à Assembleia da República para acompanhar a deputada única do Livre, Joacine Katar Moreira. Podia ter sido uma entrada como qualquer outra, de um novo partido com assento pela primeira vez no hemiciclo, mas a opção de indumentária do assessor não passou indiferente aos olhares pouco habituados a homens de saia. Desde então, Rafael Esteves Martins tem contrastado com a habitual presença, na sombra, dos assessores dos partidos na Assembleia da República. Até no gabinete do Livre no Parlamento há mais três assessoras, de quem poucos saberão o nome. Sobre a entrada de saia, haveria de afirmar mais tarde na televisão que a “roupa passa sempre uma mensagem política”.
Ao Observador, fontes do partido garantem que a ligação entre Joacine Katar Moreira e Rafael Esteves Martins cresceu durante a campanha eleitoral das legislativas e que “houve logo um grande clique entre os dois” — daí que, dizem, pouco tenha surpreendido quando a deputada o selecionou para o apoiar nos trabalhos parlamentares.
“A Joacine disse-nos que queria o Rafael e ficámos muito contentes, é um membro que está no Livre desde o primeiro momento”, afirmou fonte partidária ao Observador.
As comissões eleitorais da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e a (quase) discrição nos corredores
A ida para Oxford, onde é leitor de português na Universidade, é um marco na vida de Rafael Esteves Martins, valorizado também por quem se cruzava com ele, vários anos antes, nos corredores da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde frequentava a licenciatura em estudos artísticos. Fez parte de três comissões eleitorais da Associação de Estudantes da FLUL e quem com ele privou de perto, apesar de não se conseguir recordar das notas académicas de Rafael, é rápido a apontar o mérito do assessor: “Ninguém vai para Oxford com média de 12!”. Depois da licenciatura, Rafael Esteves Martins completou, na mesma faculdade, o mestrado em Estudos Comparatistas.
“Quando pensas em esquerda caviar ele é a definição em pessoa”, diz ao Observador um dos elementos da associação de estudantes da época, para logo acrescentar que “socialmente era um porreiro, um rapaz muito simpático”. E o “rapaz muito simpático” da altura era também “discreto”. “Havia muitas pessoas espampanantes na FLUL na altura, não era o caso dele”, diz ao Observador uma das alunas da faculdade que não teve dificuldades em recordar-se de Rafael pelos corredores.
“Havia pessoas de saia na faculdade, mas ele não era uma delas”, afirma, remetendo para o episódio da entrada de Rafael Martins na Assembleia da República. A simpatia que evidenciava não impedia que — ainda hoje — algumas das pessoas que se cruzaram com ele nos tempos de estudante universitário se lembrem do colega como alguém que “parecia ter o rei na barriga”.
No seu perfil no site do Livre, Rafael Esteves Martins lembra também que foi dirigente associativo da Escola Secundária Padre Alberto Neto, em Queluz, onde cresceu. Ao apresentador de televisão Manuel Luís Goucha, Rafael disse que sempre estudou em escolas públicas e que isso é parte da sua causa. “Tenho de defender uma coisa que me defendeu a mim, a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde, por exemplo. Tenho a perfeita noção de que se não houvesse este Estado social eu não teria chegado onde cheguei”, disse no programa de televisão, no final de outubro.
Nessa altura, estrela mediática instantânea por causa do episódio da saia, Esteves Martins deu várias entrevistas. Mas agora já não. Aos contactos do Observador respondeu negativamente por “querer voltar o mais rápido possível ao anonimato”.
https://www.youtube.com/watch?v=s1XxCXRqY0g
De membro da JCP à fundação do Livre
O primeiro partido com que teve contacto, pelo menos oficialmente, foi o PCP. Rafael tornou-se militante da Juventude Comunista Portuguesa aos 16 anos, mas acabou por afastar-se por considerar que as juventudes partidárias nasceram “num certo sentido de paternalização dos jovens” na qual não se revê. Assume que “sempre” esteve envolvido com o ativismo, formal ou informalmente, mas que foi no Livre que encontrou “um grupo de pessoas cujos ideais políticos” o “refletiam”. Diz que não há em Portugal mais nenhum partido que dê tanta atenção à União Europeia como o Livre.
E esteve logo nos primeiros passos do partido. Fez parte do grupo fundador e integrou o primeiro grupo de contacto (a estrutura mais próxima de uma direção) do partido, ao lado daquela que continua a ser a cara mais conhecida, Rui Tavares. Ao Observador, fontes do partido reconhecem o empenho e o trabalho do agora assessor de Joacine ao longo dos seis anos de vida do Livre. Dizem que interrompeu apenas a participação presencial mais ativa quando foi para Oxford, mas regressou a tempo de participar nas campanhas eleitorais deste ano.
Em 2018, no VI Congresso do Livre, foi eleito membro do Conselho de Jurisdição, órgão que só abandonou agora, depois da polémica entre Joacine Katar Moreira e a direção do partido ter seguido para o escrutínio da Comissão de Ética e Arbitragem, sendo substituído por um dos membros suplentes da lista.
Nas fotografias publicadas pelo partido no Facebook é possível ver, em muitas das imagens, Rafael Esteves Martins envolvido nas ações de campanha, congressos e setembristas (os eventos de rentreé política do Livre), quase sempre ao lado de Rui Tavares ou de membros do grupo de contacto. No I Congresso do Livre, que contou, inclusivamente, com a presença do atual primeiro-ministro António Costa, Rafael Esteves Martins era membro do grupo de contacto, uma posição de relevo dentro dos órgãos do partido.
Um mural a favor da educação sexual, iscas e chá verde
Deixou de fumar recentemente, optou por trocar o café por chá verde e diz que isso “foi das melhores decisões” deste ano, explicava Rafael Esteves Martins na conta do Twitter que foi encerrada já na tarde desta sexta-feira, depois de num primeiro momento o assessor ter apenas limitado o acesso a esta na sequência da polémica dos últimos dias. É lá que conta que aos 16 anos (a idade de Greta Thunberg) já tinha sido “identificado pela polícia por ter pintado um mural a favor da educação sexual”, que o grupo de teatro em que participou quando estava no secundário foi muito importante, e que, ao contrário do que acontecia na infância, até já gosta de “favas, iscas, dormir e marmelada”.
Na apresentação aos membros e apoiantes do partido, Rafael Esteves Martins lista como interesses “literatura-mundo, estudos camonianos e aprendizagem do sânscrito”. Há, no partido, quem o descreva como um “preciosista” da língua portuguesa. Mesmo quando a língua portuguesa é festejada em eventos menos académicos e mais populares. Rafael já estava em Oxford quando Portugal chegou ao final da Eurovisão, em 2017 e foi lá que assistiu à gala da final que deu a vitória a Portugal. Salvador Sobral cantava “Amar pelos dois” e Rafael Esteves Martins estava acompanhado de alguns amigos, que o visitavam na cidade inglesa, num evento onde estavam também apoiantes de outros países. Questionado pelo Observador sobre se tinham votado na interpretação portuguesa, um dos amigos que o acompanhava é rápido a responder: “Claro que sim!”. E os festejos? “De bandeirinha [de Portugal] na mão”.