As espingardas já estão na rua e a contagem sobre quem pode apoiar quem segue a todo o vapor. A mais recente entrevista de Paulo Rangel precipitou o calendário interno, motivou ondas de choque por todo o partido e desfez o segredo mais mal guardado da São Caetano: o eurodeputado tem tudo pronto para avançar para a liderança social-democrata, tem recebido fortes incentivos por todo o país e pode ter encontrado uma das peças que faltavam no quebra-cabeças: como conquistar os votos de Lisboa, uma das quatro grandes estruturas do PSD onde verdadeiramente se decidem as eleições internas.
Nas últimas diretas, Miguel Pinto Luz, vice-presidente de Cascais, foi a jogo e conseguiu impor-se a Rui Rio e Luís Montenegro nos distritos de Lisboa e Setúbal. O resultado não permitiu passar à segunda volta, mas, numa corrida altamente bipolarizada, os expressivos 10% (12% se os votos da Madeira tivessem sido contabilizados) foram a prova de vitalidade de Pinto Luz no aparelho social-democrata.
Existe, por isso, uma bolsa de votos que pode ajudar a determinar o vencedor das próximas eleições internas do PSD. Rui Rio nunca conseguiu convencer as estruturas de Lisboa, Montenegro só conseguiu ganhar no distrito depois de Pinto Luz sair da corrida e Paulo Rangel, não tendo anti-corpos, também não tem generais na capital. Tudo somado, Miguel Pinto Luz pode ser um apoio-chave para quem quiser derrotar Rui Rio.
O Observador sabe que o número dois de Carlos Carreiras mantém todos os cenários em aberto, incluindo desistir para apoiar Rangel na corrida à liderança e abençoar uma candidatura única. Pinto Luz sempre assumiu vontade de ir novamente a votos assim que a oportunidade surgisse, mas o mais do que provável avanço de Paulo Rangel veio baralhar todos planos que mantinha.
A proximidade entre os dois é conhecida e a grande prioridade de Pinto Luz é evitar que Rui Rio se mantenha à frente do partido. Entre todos os cenários considerados, uma aliança entre os dois é possível e Pinto Luz pode ser o ticket de que Rangel precisa para chegar aos quase 7 mil eleitores combinados de Lisboa, Setúbal e Madeira, zonas de influência direta de Pinto Luz.
A semana em que Rangel afastou os fantasmas que faltavam para avançar para o PSD
Assegurar as tropas de Lisboa será decisivo para alimentar as possíveis aspirações de Rangel. No Porto, os homens do eurodeputado esperam conseguir capitalizar a insatisfação das estruturas com Rio. Em Braga, José Manuel Fernandes, eurodeputado e homem forte na região, não deverá hesitar em apoiar Rangel. E Aveiro, sendo a mais difícil de conquistar, é, pelo menos, disputável.
Estas movimentações já foram notadas nos bastidores sociais-democratas pelos homens de Rio e pelas tropas de Montenegro. Nos próximos dias, desconfiam estas duas fações, Paulo Rangel e Miguel Pinto Luz devem finalmente oficializar a aliança e mostrar ao que vêm. A partir daí, tudo ficará mais claro. Aconteça o que acontecer, no entanto, ninguém vai estender a passadeira vermelha a Rangel.
Rio ainda conta — e conta com um número mágico
Por muitas contas que se façam no PSD (e elas estão a ser feitas), tudo dependerá da decisão de Rui Rio: analisados os resultados das autárquicas de 26 de setembro, o líder do PSD vai ou não novamente votos?
No núcleo duro do líder social-democrata ninguém arrisca uma resposta. Na verdade, essa resposta não existe: só depois de contados os votos nas urnas é que será possível ter uma verdadeira noção do sucesso ou do insucesso da estratégia de Rui Rio, que sempre definiu estas eleições como absolutamente prioritárias para a sua continuidade à frente do partido.
Existe, ainda assim, um número mágico para os apoiantes mais próximos do líder social-democrata: se na noite eleitoral o PSD conseguir mais 13, 14 ou até 15 câmaras do que aquelas que conquistou em 2017, o líder social-democrata teria uma narrativa vencedora a que se agarrar. Concretizado este cenário (considerado muito positivo pelos operacionais do presidente do PSD), Rio medirá depois o conforto que tem ou não no aparelho e decidirá em conformidade.
Até porque ninguém ignora — e Rui Rio também não — que quem ganhar as próximas diretas no PSD estará em melhores condições do que nunca para devolver o partido ao poder. A perspetiva de fim de ciclo de António Costa — que Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de alimentar na última semana — torna o cadeirão da São Caetano muito mais apetecível.
Rio, que esteve os últimos quatro anos na travessia do deserto da oposição, a sofrer as agruras provocadas pela máquina trituradora de líderes em que se transformou o PSD, não quererá desperdiçar a oportunidade de chegar a primeiro-ministro. E esse será o fator mais preponderante na decisão de Rui Rio.
Tropas de Montenegro têm discurso anti-Rangel — mas ainda não têm líder
A provável continuidade de Rio em jogo e o presumível avanço de Rangel torna a corrida mais dura para quem quiser disputar com seriedade a vitória. O incumbente tem a máquina oleada e Rangel tem a onda mediática. Seria sempre um eleição muito bipolarizada. Ainda assim, não é possível descartar Luís Montenegro destas contas.
O antigo líder parlamentar do PSD foi o grande challenger de Rio nas últimas eleições e quase roubava o partido com os 47% dos votos conseguidos na segunda volta. O resultado — traumático para quem acreditava genuinamente que podia derrotar Rio (inclusivamente à primeira volta) — devolveu Montenegro ao lugar de militante de base e afastou-o de todos os holofotes.
Daí para cá, o social-democrata tem estado muito discreto, dedicado à vida profissional, e só recentemente voltou a aparecer para se juntar aos candidatos a autarcas que o convidaram para abrilhantar sessões de apresentação. Montenegro está na estrada — não com o mediatismo ou com a frequência de Rangel — mas está na estrada.
Resta saber o que fará com os apoios que restam dessa última campanha. As pressões são muitas e em sentidos opostos. Há quem o aconselhe indiretamente a ficar quieto, como Marcelo Rebelo de Sousa, que fez saber, segundo o Expresso, que preferia uma corrida a dois, entre Rio e Rangel, para aumentar a probabilidade de haver uma mudança de líder; e há quem, entre os seus apoiantes de primeira hora, esteja a tentar convencer Montenegro avançar.
“Rangel é um mero sucedâneo de Rio e sabemos como o partido trata os sucedâneos”, argumenta um dos homens fortes de Montenegro. “Rangel sempre foi um indefetível e caucionou até agora a estratégia de Rio”, acrescenta outro dos generais do antigo líder parlamentar.
Tradução: as tropas de Montenegro não só acreditam que a candidatura de Rangel aumenta as hipóteses de derrotar Rio — porque dividiria a base de apoio do líder — como tudo farão para colar Rangel ao atual presidente do PSD.
Cereja no topo do bolo: aos olhos dos homens de Montenegro, Rangel cometeu o mesmíssimo erro que os próprios cometeram nas últimas eleições internas e foi com demasiada sede ao pote, mostrando o jogo demasiado cedo numa altura em que por todo o país milhares de candidatos estão mobilizados para tentar ganhar as próximas eleições. “Há quem não consiga esperar pelo momento certo”, ironiza um dos mais próximo de Montenegro.
A ordem, portanto, é para esperar. Esperar pelo resultado de dia 26, esperar pela decisão de Rui Rio e só aí avaliar todas as opções. Uma coisa dificilmente acontecerá: se Montenegro sentir que não tem condições para vencer as eleições, dificilmente irá a jogo.
Com mais ou menos pressões, a última palavra será sempre de Montenegro — e não será fácil convencê-lo a avançar. Uma nova derrota não é um cenário aceitável e a verdade é que Rangel criou um momentum que Montenegro não tem. Primeiro, a onda de solidariedade que se gerou depois do vídeo divulgado nas redes sociais em que surgia embriagado; depois, os elogios públicos de figuras como Luís Marques Mendes, Francisco Pinto Balsemão ou Pacheco Pereira (insuspeito de nutrir grande simpatia política por Rangel); finalmente, a entrevista em que assumiu a homossexualidade.
Se, pesados os prós e os contras, Montenegro decidir ficar fora de jogo, as tropas que o apoiaram terão de se virar para alguém. Ou não. No seu núcleo de apoiantes, há quem jure a pés juntos que não faltarão alternativas; mas há quem, com a mesma veemência, aponte noutro sentido. “Sem o Luís, não há candidatura.”
Os jokers possíveis
Aconteça o que acontecer, com Rio ou sem Rio, com Montenegro ou sem Montenegro, ninguém está disposto a entregar as chaves da São Caetano a Rangel sem dar luta. E há dois nomes soprados nos bastidores, ambos com conjugações de apoios improváveis: Carlos Moedas e Jorge Moreira da Silva.
“Se o Luís não quiser avançar e se Carlos Moedas tiver um bom resultado, podemos ganhar aí um candidato”, comenta com o Observador um dos principais esteios de Montenegro nas últimas diretas.
Curiosamente, a hipótese “Moedas” — ao dia de hoje, muito improvável — também é alimentada pelos homens de Rui Rio. Num cenário em que o líder social-democrata decida não avançar, Carlos Moedas seria um sucessor natural: Rio considera-o e está-lhe grato por ter abraçado o desafio difícil de se candidatar a Lisboa.
“Se o Rio não quiser avançar e se o Moedas tiver um resultado interessante em Lisboa, poderia ser uma hipótese para nós”, assume um dos elementos do núcleo duro de Rio. A acontecer, não deixaria de ser uma solução criativa, com apoiantes de Rio e de Montenegro ao lado de Moedas contra Rangel.
Sem certezas sobre o valor real de Moedas — as sondagens são muito contraditórias e estão entre uma maioria absoluta de Medina e uma disputa taco a taco entre os dois adversários –, ninguém quer dispensar à partida aquele que pode ser um ativo importante para o futuro partido. Os homens de Rangel não fugirão à regra: se Moedas quiser, será parte do plano.
No entanto, por mais que alguns apoiantes de Rio o admitam e que outros tantos operacionais de Montenegro o considerem, Moedas dificilmente entraria numa corrida tão exigente depois de se bater com Fernando Medina pela Câmara de Lisboa. Mesmo que tivesse um resultado extraordinário, o desgaste político e mediático seria difícil de gerir.
Já o caso de Jorge Moreira da Silva é muito diferente. O antigo ministro do Ambiente apareceu esta semana em força, com apresentação de um livro onde não faltaram figuras de peso da direita — Marcelo (em formato digital), Cavaco Silva, Pedro Passos Coelho, Paulo Portas, Assunção Cristas, Maria Luís Albuquerque… — e deu uma grande entrevista à RTP onde, não afastando de todo a hipótese de se candidatar à liderança do PSD, prometeu dizer ao que vêm no day-after das autárquicas.
O número mediático está cumprido e o livro que publicou não deixa grande margem para dúvidas: a descrição que faz do líder de que o país precisa chega a parecer um autorretrato perfeito.
De resto, esta não é a primeira vez que Moreira da Silva ameaça concorrer à liderança do PSD. Nas últimas diretas, o social-democrata manteve o tabu até ao fim, mas acabou por recuar alegando que este não era o seu momento e que o partido não estava em condições para se “refundar” como defendia.
Desta vez, poderá ser diferente. O Observador sabe que Moreira da Silva tem transmitido às principais figuras do partido, potenciais aliados e adversários, que terão mesmo de contar com ele na corrida. Vontade de avançar tem, mas também tem um óbvio handicap: só uma tempestade perfeita lhe garantiria os apoios no aparelho necessários para ser um candidato sólido à liderança do PSD.
Crítico contundente de Rui Rio, pouco apreciado pelos mais próximos apoiantes de Montenegro (“acho muito pouco provável que nos voltemos para Moreira da Silva”, diz ao Observador um dos principais generais de Montenegro), o antigo ministro teria dificuldade em recolher apoios decisivos entre rioístas e montenegristas. No limite, na ausência de Rio e de Montenegro, poderia tentar agregar todos os que queiram travar uma possível caminhada triunfante de Rangel; mas as hipóteses de vencer serão, em teoria, mais reduzidas.
Restar-lhe-ia o conforto de passar pela praxe que todos os líderes da história recente do PSD (à exceção de Rio) já experimentaram na pele: ir a votos, perder e voltar para tentar outra vez. Rangel e Montenegro que o digam.