No dia em que os rankings das escolas relativos aos exames de 2017 são divulgados, a discussão pública volta às perguntas de sempre. Afinal, para que servem mesmo estes rankings? O que motiva a enorme diferença entre os resultados das escolas públicas e os das privadas? E que influência tem a posição no ranking para as escolas?
Para saber o que pensa quem está nas escolas todos os dias, juntámos num grupo de WhatsApp alunos, pais e professores para um debate especial. Durante mais de duas horas, dois professores, dois alunos e um presidente de uma associação de pais discutiram com o Observador qual o impacto dos rankings, quais as diferenças entre o ensino público e o privado e quais as estratégias para promover o sucesso escolar. Tudo através de mensagens de texto, o palco central das discussões de hoje.
Para que servem os rankings?
A primeira questão em debate é inevitável: para que serve o ranking e que impacto é que a posição tem na vida das escolas? Manuel Miranda, presidente da Associação de Pais da Escola Secundária Garcia de Orta, no Porto (que este ano ocupa a 31.ª posição do ranking geral de exames), garante que aquele resultado “tem sido um critério cada vez mais importante na escolha” da escola por parte dos pais.
Sebastião Caldas, aluno do 11.º ano do Colégio São João de Brito, escola privada em Lisboa que ocupa o 3.º lugar no ranking e exames, tem outra experiência. A escolha daquela escola é “influenciada mais pelo seu projeto educativo do que pelos resultados académicos“, defende, embora admita que haja alunos “para quem o lugar no ranking é decisivo na escolha da escola”.
Também Ana Faia, que frequenta o 11.º ano na Escola Secundária de Cacilhas-Tejo (na posição 246 do ranking), garante que o lugar influencia a escolha, mas destaca como o ranking é usado como ferramenta pelos professores para encorajar os alunos a obterem melhores resultados.
Para António Rodrigues Cunha, diretor da Escola Básica e Secundária Eng. Dionísio Augusto Cunha (Canas de Senhorim), escola que em 2017 registou zero chumbos no secundário, a dimensão da escola também deve ser tida em conta na leitura dos resultados do ranking. Nas escolas mais pequenas — como a sua — “é até mais fácil tirar piores resultados, pelo marasmo, apatia que isso pode criar“, defende.
Mas, sobre a influência do ranking nas práticas da escola, ou até nas possibilidades de implementar projetos, o diretor é categórico: “Nas opções curriculares ou no financiamento, os rankings não têm qualquer influência”.
Elsa Rodrigues, professora de Filosofia na Escola Secundária Domingos Sequeira, em Leiria, uma escola que este ano ocupa a 96.ª posição, intervém no debate para defender uma relativização do lugar ocupado no ranking: “O impacto nas escolhas curriculares ou até na prática pedagógica parece-me reduzido. O principal, parece-me, é que os alunos tenham bons resultados e que não exista uma grande variação entre as classificações internas e as que são obtidas em exame.”
“Concordo com a Elsa” — afirma António Rodrigues Cunha –, “é importante não haver um grande diferencial entre os resultados internos e os exames”. Porquê? “Alguma coisa vai mal quando os alunos têm médias internas de 15 ou 16 e no exame tiram 6 ou 7”, justifica o diretor da escola de Canas de Senhorim.
“Enquanto professora, se as notas internas que eu atribuir forem muito superiores às que os alunos obtiverem numa aferição nacional e se isso não acontecer localizadamente mas na generalidade dos alunos, isso deverá fazer-me pensar sobre a minha prática docente“, acrescenta a professora de Leiria.
Os alunos entram na discussão para defender a mesma ideia. “É uma questão de justiça“, diz mesmo Sebastião Caldas. “Se estou numa escola em que os padrões de exigência são mais elevados do que noutras, não acho que deva ser prejudicado por isso. Na prática, essa diferença está mais dependente dos professores do que dos alunos”, considera o aluno do colégio jesuíta lisboeta.
Num dos poucos momentos da conversa em que as experiências de Sebastião, da escola privada, e de Ana, da escola pública, se tocam, ambos os alunos garantem que nas suas escolas a diferença entre notas internas e notas de exames são reduzidas. O motivo é igual nos dois casos: o elevado grau de exigência dos professores.
Rankings, sim ou não?
Se a posição sobre o impacto relativamente reduzido dos rankings na vida da escola motiva algum consenso entre os participantes, a discussão intensifica-se quando perguntamos se os rankings representam de facto a qualidade das escolas, ou se as notas internas são mais relevantes.
“Não concordo com rankings públicos”, assevera Elsa Rodrigues. Mesmo reconhecendo que os exames são importantes, já que garantem “a uniformidade nas aprendizagens e reduzem o impacto da diversidade de critérios de avaliação no acesso ao ensino superior”, a professora de Leiria explica que as provas nacionais “não retratam as realidades (complexas) das escolas e reduzem a sua avaliação a um resultado quantitativo que se torna a sua imagem pública”.
Da eficácia dos exames nacionais para reduzir desigualdades no acesso ao ensino superior, ninguém parece discordar. “Um exame igual para todos os alunos é a única e melhor forma de comparar a qualidade da educação, sendo que é importante ter em conta a realidade dos alunos, e não só as notas”, defende Sebastião Caldas.
“As notas de exames são importantes para dar alguma uniformização no acesso ao ensino superior e de certa forma para ‘certificar’ o trabalho interno”, acrescenta António Rodrigues Cunha, defendendo o “equilíbrio” do sistema português, que tem em conta as notas internas e os exames. O mesmo defende Manuel Miranda, que afirma que “os exames são importantes na avaliação final do aluno” não só porque “refletem a aprendizagem do percurso escolar”, como ajudam “a confirmar a qualidade do ensino lecionado.
Mas nem todos concordam com Elsa Rodrigues no que toca à publicação ou não dos rankings. Respondendo à professora da secundária de Leiria, António Rodrigues Cunha diz que “não tem de haver um fatalismo” sobre os rankings, que “podem servir para várias coisas”. Mesmo admitindo que o ranking pode “projetar a escola pela positiva e também pela negativa”, o diretor da secundária de Canas de Senhorim defende que este instrumento também pode “representar uma ferramenta para melhoria interna, criar um espaço de análise, reflexão e mudança de práticas”.
Elsa Rodrigues insiste na ineficácia dos rankings em representar a realidade das escolas. “Fatores como ter um corpo docente estável ou em trânsito, jovem ou envelhecido, o contexto geográfico e social da escola, o acesso dos alunos a bens culturais e até a apoio fora da escola influenciam os resultados dos alunos e são invisíveis nos rankings“, defende a professora.
O presidente da Associação de Pais da Escola Secundária Garcia de Orta contra-argumenta, dizendo que como “o objetivo da grande maioria dos alunos do secundário é o ingresso no ensino superior”, o ranking tradicional “tem mais importância por ser mais justo” e por permitir “nivelar melhor o conhecimento dos alunos das diferentes escolas”.
“Toda a gente se interessa pelos resultados, principalmente as escolas e os professores” — responde António Rodrigues Cunha –, “os alunos também, principalmente quando a sua escola está em lugar de destaque”. “Em seguida, naturalmente, se os resultados não agradam, são desprezados e relativizados; se são bons, são ostentados com orgulho. O importante nem me parece ser uma coisa nem outra: devem ser contextualizados e trabalhados numa ótica de melhoria”, remata.
Público vs. privado
Outro tópico para a discussão: se há dado que salta à vista ao olhar para os rankings dos exames é o domínio absoluto das escolas privadas. As primeiras 30 da lista são privadas — é na posição 31 que aparece a primeira escola pública, precisamente a secundária Garcia de Orta, no Porto. Mas porquê? Chamamos Sebastião e Ana de volta à discussão para partilharem as diferenças entre os dois sistemas.
Para Sebastião Caldas, aluno da Colégio São João de Brito, “a principal diferença é as escolas privadas poderem escolher desenvolver um projeto educativo que nunca seria possível numa escola pública“. Como as escolas religiosas, artísticas ou que ensinam noutras línguas, exemplifica o aluno. Ana Faia pensa o mesmo, e diz que a escola pública “tem normalmente menos condições” do que as privadas.
António Rodrigues Cunha, diretor de uma escola pública, confirma. A liberdade para implementar projetos educativos alternativos “está limitada à escolha de uma ou outra disciplina de opção e às atividades que desenvolve”, explica. “Mas o espaço é pequeno e muitas vezes os professores de que dispõe não são os que melhor poderiam potenciar esses projetos alternativos.”
Mas estará esta diferença por trás das assinaláveis diferenças de resultados entre as escolas públicas e privadas? Não, defende o diretor da secundária de Canas de Senhorim. Para António Rodrigues Cunha, a possibilidade que as escolas privadas têm de selecionar os alunos que lá entram e o nível socioeconómico das famílias que têm capacidade para pagar os estudos nessas escolas são os fatores decisivos.
Essa é, de facto, a perceção que há na escola pública sobre os alunos do privado. Como é que os alunos das escola pública olham para os do privado?, perguntamos a Ana Faia. “Olham como os privilegiados que eles são“, diz a estudante de Cacilhas, sem hesitar.
“O privilégio é relativo“, responde-lhe Sebastião. “Depende daquilo a que cada um dá mais importância”, argumenta, lembrando que tem “amigos que saíram do colégio porque não estavam a conseguir as notas de que precisavam para os cursos que queriam”.
Para António Rodrigues Cunha, comparar escolas públicas e privadas é comparar “dois mundos diferentes”. “É quase constrangedor ver os resultados em paralelo, com as privadas a ocupar massivamente os topos das tabelas”, uma vez que “uma escola pública, que não pode escolher nem alunos nem professores está muito mais limitada na sua ação”.
Também do lado dos professores, as diferenças são evidentes. “Tanto quanto sei, aos professores das escolas privadas acaba por ser exigido mais trabalho e melhores resultados face aos professores de uma escola pública. No entanto, não estão sujeitos às regras de concursos e à roleta das colocações a que estão os professores do ensino público”, conta Elsa Rodrigues.
Mas, apesar das limitações, os dois professores concordam que há escolas públicas que fazem “milagres” com os recursos que têm. “Mas os rankings não medem isso”, lamenta António Rodrigues Cunha.
Entre esses “milagres” estão as aulas de apoio, que nem todas as escolas conseguem assegurar. É Manuel Miranda quem lança o tema, explicando que “um grande número dos alunos do Garcia de Orta recorrem a explicações como ajuda complementar, apesar desta escola disponibilizar aulas de apoio às disciplinas mais importantes”.
Ana Faia responde-lhe com o seu exemplo, mostrando que esta não é uma realidade de todas as escolas: “Na ESCT não tenho aulas de apoio às disciplinas mais importantes“.
Já em Canas de Senhorim, na escola que António Rodrigues Cunha dirige, “todas as disciplinas sujeitas a exame têm aulas de apoio“, instrumento “importante para ajudar os alunos, não apenas os que têm mais dificuldades nas matérias, mas também para atenuar o fator socioeconómico, de quem pode e não pode pagar”.
As diferenças entre público e privado também saltam à vista quando perguntamos aos dois estudantes o que mudavam nas suas escolas se pudessem. “Um maior investimento na oferta de atividades culturais“, como teatro, música ou grupos de debate, pede Sebastião. “Tudo“, a começar pelos “métodos de ensino“, atira Ana.
Como promover o sucesso escolar?
Uma resposta é comum a todos os participantes quando perguntamos, por fim, o que fazem as várias escolas para promover o sucesso escolar: aulas de apoio. Mas há mais estratégias. Salas de estudo, aulas extra para preparar exames, elaboração dos testes pelo conjunto dos professores de cada disciplina, eleição da melhor turma ou atividades extra-curriculares são algumas das ideias deixadas pelos cinco, já na reta final do debate.
A conversa acabou mais de duas horas depois de ter começado, mas não sem uma pergunta que só podia ser feita na Internet: como descreviam a vossa escola com emojis? As respostas falam por si, sem precisar de palavras: