O relatório final sobre a melhor solução para o futuro aeroporto de Lisboa parece recuperar a opção de Santarém que foi considerada não viável na versão preliminar conhecida no final do ano passado. Mas esta localização, que foi colocada no mapa por iniciativa de um promotor privado, foi aparentemente reabilitada no relatório final como podendo ser uma opção, mas apenas num cenário de um aeroporto dual.

Ora este cenário entra em choque com as recomendações da comissão técnica independente. Isto porque estes técnicos defendem uma solução que permita, a prazo, um aeroporto único com duas pistas e só defendem uma proposta dual (com dois aeroportos) como solução transitória e para permitir resolver mais cedo os constrangimentos do aeroporto Humberto Delgado.

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Entre a extensa documentação que acompanha o relatório final, um dos anexos é um parecer do gabinete do Estado-Maior da Força Aérea que é categórico, considerando inaceitável “qualquer restrição ou partilha à total utilização do espaço aéreo” relativo à base de Monte Real, ainda que de forma temporária.

A Força Aérea qualifica de “imprescindível e crítica” a disponibilidade e inviolabilidade de todo o espaço aéreo envolvido por esta base que é a única do país que permite realizar exercícios de treino de combate aéreo, treino supersónico e manobras e perfis pouco flexíveis”. Daí a garantia dada no quadro da consulta pública sobre o novo aeroporto: Os “hipotéticos procedimentos de aproximação para uma eventual pista 12 da opção Santarém não são possíveis devido à penetração no espaço aérea restrito de Monte Real, colidindo com a operação de sistemas de armas onde se desenrolam diariamente operações aéreas nacionais e NATO”.

O parecer pronuncia-se sobre as soluções apresentadas pelo consórcio privado Magellan 500 já depois do relatório preliminar da comissão técnica independente que apontava para a incompatibilidade de Santarém com a operação da base de Monte Real. Mas a opinião não muda.

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Face às soluções de navegação aérea apresentadas em janeiro, e apesar de estas serem “esboços de eventuais procedimentos com a inerente imprecisão associada”, a Força Aérea conclui “que se mantém a impossibilidade de compatibilização com a área de Monte Real”. Isto porque impõe grandes constrangimentos, ou mesmo desativação das bases em Tancos e Santa Margarida, o que afetaria outras unidades da Força Aérea — Corpo de Tropas Aerotransportadas e Brigada Mecanizada.

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Ou seja, mesmo com as alterações feitas pelos promotores privados, os procedimentos previstos para o aeroporto em Santarém colidem com a inviolabilidade do espaço aéreo de Monte Real, com impacto direto na sua estrutura de espaço aéreo e, consequentemente, na operacionalidade da base aérea, sendo incompatíveis com a prontidão exigida para a missão atribuída e com a resposta cabal aos compromissos internacionais assumidos por Portugal”.

Para a empresa que gere o tráfego aéreo — a NAV — este parecer “clarifica a indisponibilidade para a cedência de áreas militares do bloco de Monte Real”, um pressuposto que sustentava a proposta para um aeroporto internacional em Santarém. A NAV conclui assim que esta posição do EMFA “trará inevitavelmente uma limitação em termos de capacidade que será fortemente afetada e muito abaixo dos valores de capacidade do aeroporto de Lisboa”.

A NAV indica que vai estudar as implicações do acordo de transferência do espaço aéreo de Monte Real (e Sintra) para a implementação de um Point Merge System (método de gestão de tráfego aéreo), que poderia resultar numa maior disponibilidade do espaço aéreo da base militar. Mas avisa. Mesmo que as situações incompatíveis sejam uma minoria, tal condição “não pode ser desprezada ou tomada como circunstancial para um aeroporto internacional”.

Santarém tem mais riscos jurídicos

Além das restrições operacionais e da distância, Santarém é apresentada como a localização com mais riscos jurídicos. Apesar de ser a única que está fora do raio de exclusividade de 75 quilómetros atribuído pelo contrato de concessão à ANA, o que permite que a opção possa ser tomada sem o Estado incorrer em qualquer incumprimento contratual, o relatório reconhece que tal opção terá “repercussões nas operações da concessionária”.

O sumário executivo até sinaliza que Santarém teria “a vantagem de permitir ultrapassar no curto prazo as condicionantes criadas pelo contrato de concessão, tendo ainda como vantagem um financiamento privado”.

Mas no relatório ambiental final, a CTI conclui “que as soluções envolvendo a localização de Santarém são as que se apresentam como mais desfavoráveis dados os riscos jurídicos de litigância da concessionária para soluções fora da área de concessão, no caso da solução única Santarém, os riscos de reequilíbrio financeiro para a atual concessionária ou mesmo a resolução do contrato.” Isto apesar de permitir o lançamento de um concurso internacional para escolher um novo operador — ao qual poderia concorrer a atual concessionária — introduzindo a concorrência num setor monopolista.

Na avaliação do enquadramento jurídico, o relatório indica que qualquer outra opção (que fique dentro do raio do 75 km) obriga a negociar com a ANA que pode, ou não, “originar a necessidade de reequilíbrio financeiro”, mediante a alteração do contrato.

Na mesma linha, e em termos do risco de contrato, qualquer solução que introduza nova localização e/ou substitua o AHD (Humberto Delgado) conduz a uma modificação do contrato ou, no caso da opção única de Santarém, à resolução do contrato com elevada probabilidade e consequente indemnização. Logo, a CTI conclui que qualquer modificação do contrato muito provavelmente conduz a reequilíbrio financeiro, que variará em função da opção escolhida, sendo maior na solução única única do que na dual.