Após um hiato forçado, provocado por uma demissão depois de declarações sobre a guerra entre Israel e o Hamas, Paddy Cosgrave regressou a Lisboa com um desejo: poder ficar “para sempre”. O contrato entre a Web Summit e o Estado termina em 2028, o que, em “termos tecnológicos”, é “quase no próximo século”. Mas o CEO não tem dúvidas de que o evento “encaixa lindamente” na capital portuguesa.
Na primeira conferência de imprensa em Lisboa após o afastamento, que levou a empresária Katherine Maher a assumir a condução do evento de 2023, Paddy Cosgrave não fez qualquer menção a Gaza, apesar de ter sido questionado. Um padrão que se repetiu poucas horas depois, numa breve entrevista ao Observador, em que se mostrou evasivo nas respostas sobre o tema.
As tecnológicas que no ano passado boicotaram a cimeira, como a Google, a Meta ou a IBM, estão “todas de volta”. Todas, exceto três. “A Intel, que está com grandes problemas, a Volkswagen, que está com grandes problemas, e a Stripe, tenho questões sobre isso”, afirmou, sem explicitar que questões são essas.
Naquele que é o nono ano da Web Summit em Lisboa, é impossível não voltar à baila um tema que tem surgido desde o início: a expansão da Feira Internacional de Lisboa (FIL). Em entrevista ao Observador em 2022, Paddy Cosgrave dizia que as instalações “são trabalho de outra pessoa”. A caminho do décimo aniversário da cimeira em Portugal, vai admitindo que a falta de espaço é um problema que ainda não tem solução. “Este ano temos mesas e cadeiras lá fora, o que funciona se o tempo ajudar. E temos tido muita sorte com o tempo em Lisboa […] Rezemos para que não chova amanhã [quinta-feira].”
Com eventos também no Rio de Janeiro e no Qatar, e com África e Ásia na mira para o futuro, as receitas da Web Summit “aumentaram em cerca de 30%, atingindo um novo máximo”. “Tem sido um ano muito lucrativo. Fizemos quatro a cinco milhões de euros de lucro e cerca de 10 a 11 milhões de EBITDA”, anunciou Paddy Cosgrave esta manhã na conferência de imprensa, resultados financeiros que voltaria a destacar durante a conversa com o Observador.
“A meio da Web Summit é quase difícil pensar no passado”
Temos que falar sobre o ano passado. Estava à espera da reação que obteve ao seu tweet sobre Israel?
Neste momento, a meio da Web Summit, é quase difícil pensar no ano passado.
Porque é que é difícil?
Porque estou muito concentrado, em cada minuto que passo acordado, em apresentar resultados este ano, em fazer todas as alterações que fizemos, em criar meetups de dia e de noite, em fazer muitas alterações ao produto, à aplicação. Durante a noite [na madrugada desta quarta-feira] criámos um serviço de resumo de todas as palestras com recurso à inteligência artificial, que publicámos em direto. A primeira versão já está a funcionar. Estamos a pegar em todas as palestras e a utilizar a Gen AI [inteligência artificial generativa] para dar um breve resumo aos participantes. Ao longo do dia, vamos continuar a fazer melhorias, tornando-o pesquisável.
No ano passado, antes de se demitir, pediu desculpa nas redes sociais [pelos seus comentários sobre Israel]. Mantém o que escreveu ou a sua opinião mudou?
Tudo o que disse nos meses que se seguiram e no rescaldo imediato permanece inalterado. É o que é. O que eu disse no Rio [de Janeiro], quando fiz a minha primeira conferência de imprensa depois de regressar, e na conferência de imprensa em Toronto e na conferência de imprensa [horas antes da entrevista], não mudou.
Não veio à última edição da Web Summit em Lisboa. Mas assistiu ao evento? Como viu a liderança de Katherine Maher?
Sim, assisti o evento. Fiquei muito orgulhoso. Achei que a Katherine esteve absolutamente incrível. Ela é uma pessoa única e talentosa e a Web Summit teve muita sorte de encontrar alguém assim naquele momento. É uma líder de classe mundial e tivemos muita, muita sorte. E a equipa foi simplesmente incrível. Foi incrível o evento que fizeram no ano passado… e este ano está uma loucura. É simplesmente inacreditável.
A Katherine Maher disse que era desbocado [outspoken foi o termo utilizado]. Revê-se nessas palavras?
Não vi isso. Acho que ela não seria a primeira pessoa a dizer isso. Tenho a certeza que centenas de pessoas já disseram que sou desbocado.
Quando anunciou o seu regresso [à liderança da Web Summit], a imprensa irlandesa escreveu que esse tinha sido sempre o seu plano. Que Katherine Maher era apenas uma solução temporária e que Paddy acabaria por regressar. É verdade? Demitiu-se com a certeza de que ia voltar este ano?
Essa é uma teoria da conspiração de um jornalista irlandês. Mas penso que a Katherine, quando se tornou CEO, foi muito clara com os jornalistas, em particular, sobre quem estava a promover essa agenda. Foi um jornalista muito sexista e machista que trabalha para o Sunday Business Post, o Charlie Taylor, que tende a promover uma agenda profundamente misógina. Ele não podia aceitar que a Web Summit pudesse ter uma CEO mulher.
Então, não estava a pensar regressar quando se demitiu?
Acho que isso não fazia parte do meu processo de pensamento, na altura.
Como foi o regresso? A iniciativa de regressar partiu de si?
Tem sido incrível. É o nosso maior ano de sempre. O setor tecnológico está a atravessar uma grande, grande recessão. As receitas [da Web Summit] cresceram quase 30% este ano em comparação ao ano passado, que já era o nosso maior ano de sempre enquanto empresa. Foi um ano muito lucrativo, um dos mais lucrativos de sempre para nós.
O seu regresso à empresa foi bem-recebido?
Por quem?
Pelos trabalhadores?
Sim, penso que sim.
E as empresas que não estiveram na Web Summit no ano passado? Fizeram um esforço para as trazer de volta?
Não. Estiveram todas no Qatar [no início deste ano]. A Google teve um espaço de exposição no Qatar, a Meta teve um espaço de exposição no Qatar. Estavam todas lá.
Porque é que não vieram a Lisboa e depois foram ao Qatar?
Quem é que não veio a Lisboa?
A Meta, a Google…
É uma questão para eles. Não faço a mínima ideia. Já lhes perguntaram?
“Se chover é profundamente problemático. Não há espaço suficiente”
Estamos sempre a falar da expansão da FIL. Todos os anos diz que vai acontecer. Neste momento, acha que alguma vez vai acontecer?
A Web Summit não pode ficar maior no espaço atual. É uma impossibilidade. Se chovesse hoje ou ontem [esta quarta-feira ou terça-feira] teríamos um grande problema. Estamos a ocupar todo o espaço exterior, incluindo as estradas. Estamos a pôr mesas e cadeiras no exterior. Desde que o sol brilhe, é fantástico. Mas se chover é profundamente problemático, penso eu. Porque, nesse caso, toda a gente teria de ficar no interior… e está tão cheio. Não há espaço suficiente. Acho que é uma questão para o presidente da Câmara [Carlos Moedas], não acho que seja para mim. Isso está nas mãos do presidente da Câmara.
Como disse na conferência de imprensa, esta é a primeira Web Summit que se realiza com um novo governo em Portugal. Como é a relação entre a empresa e o executivo? Já existiram reuniões?
Tenho de dizer que tem sido muito melhor do que aquilo que esperava. Encontrei-me com vários ministros, com o primeiro-ministro [Luís Montenegro], com um secretário de Estado da Economia fantástico, o João [Rui Ferreira], que é muito dinâmico e um ótimo orador, parece entender a tecnologia. Falou com alguns dos CEO de tecnológicas que estavam a chegar mais cedo, no sábado à noite jantou com um grande grupo de empresários e acho que as pessoas ficaram muito impressionadas. Devo dizer que [os governantes] são muito impressionantes e que a relação parece ótima.
A Web Summit recebeu sete milhões de euros da autarquia lisboeta. O que é feito com este montante? Acha que é necessário um aumento no orçamento para o próximo ano, por exemplo?
Não sei muito bem os pormenores disso e, no que diz respeito ao próximo ano, entramos na fase de planeamento depois deste ano. Por isso, devem voltar a falar comigo em janeiro e fevereiro e eu posso dar-vos uma boa resposta.
Sobrou algum dinheiro desse orçamento? Devolvem-no ao município?
Estão a perguntar sobre as especificidades do contrato. Penso que o contrato é público, pelo que o podem consultar. Não conheço bem as cláusulas específicas a que se referem.
O presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, disse no ano passado que se sobrasse algum dinheiro no final do evento teria de ser devolvido [no contexto do boicote]. Queríamos clarificar esta questão.
Deviam perguntar ao presidente da Câmara.