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Reportagem em Sines: dezenas de contentores carregados de lixo provenientes de Itália, foram apreendidos no porto flúvial de Sines. Parte desses contentores foram para o aterro sanitário de Vila Nova de St. André, enquanto que a maioria ficou intacta ao ar livre, após se ter descoberto que havia lixo tóxico no seu interior. 26 de Setembro de 2022 Sines e Vila Nova de St. André TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Resíduos guardados em 142 contentores estão na Zona Industrial de Sines há mais de um ano à espera do destino final

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Resíduos guardados em 142 contentores estão na Zona Industrial de Sines há mais de um ano à espera do destino final

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Resíduos que vieram de Itália "ilegalmente" são perigosos e Portugal vai pagar 8 milhões para os tratar

Dos 144 contentores de resíduos italianos apreendidos em 2020, 142 tinham resíduos perigosos que entraram como banais. A conta para o Estado português que tem de os tratar vai em 8 milhões de euros.

Dois anos depois de ter barrado a entrada e envio para aterro de 144 contentores de resíduos com origem na Itália, as autoridades ambientais ainda andam às voltas para resolver o problema criado por um decreto que suspendeu a importação de resíduos, logo no início da pandemia.

Nestes dois anos, ainda não foi dado um destino final aos resíduos que tinham sido autorizados a entrar em Portugal como resíduos urbanos banais — autorização essa que foi suspensa antes do desembarque, devido a medidas extraordinárias adotadas durante a pandemia —  mas que afinal são perigosos, de acordo com informação avançada ao Observador por fonte oficial da APA. A Agência Portuguesa do Ambiente é a entidade responsável pela gestão destes resíduos  — quase 3,6 mil toneladas — que chegaram em agosto de 2020 aos portos de Sines e de Leixões e que tinham como destino três aterros privados.

Segundo adiantou a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) ao Observador, as análises realizadas detetaram resíduos perigosos em 142 dos 144 contentores que foram apreendidos nos portos de Leixões e de Sines em agosto de 2020. A APA diz que os resíduos italianos “estavam a ser importados ilegalmente para o nosso país”. A ilegalidade resulta em primeiro lugar da carga ter chegado a Portugal já depois de ter entrado em vigor, logo no início da pandemia, a suspensão emitida pelo então ministro do Ambiente, Matos Fernandes, de entrada de resíduos internacionais.

Originalmente estava previsto que fossem transportados para o aterro da empresa Águas de Santo André, em Sines, o que teria um custo de dois milhões de euros. Mas a situação mudou quando a APA mandou analisar o conteúdo de todos os contentores e descobriu que na carga registada como resíduos industriais banais estavam 142 dos contentores que continham afinal resíduos industriais perigosos.

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De acordo com informação recolhida pelo Observador, os resíduos em causa teriam origem em unidades de reciclagem de plástico e eram constituídos pelos refugos de material não reciclável e que, pela sua composição, está classificado como perigoso. O que significa que a sua deposição e tratamento não pode ser feita num aterro para resíduos normais, que era o destino original desta carga, mas nos CIRVER — Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Perigosos.

Só que a diferença entre o custo de um aterro normal e o dos resíduos perigosos — hás duas unidades em Portugal, ambas no concelho da Chamusca — é muito significativa. Pode variar entre 75 euros por tonelada e aproximar-se dos 200 euros por tonelada para os resíduos perigosos, a qual acresce o custo de transporte a partir de Sines (35 a 40 euros por tonelada). E essa é uma das razões dadas pela APA para justificar a derrapagem na fatura com estes resíduos que, em menos de dois anos, passou de 2 milhões de euros para o quadruplo: 8 milhões de euros vindos do Fundo Ambiental.

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O Fundo Ambiental é um instrumento gerido pelo Ministério do Ambiente, com um orçamento milionário que já foi comparado a “saco azul” devido à diversidade e frequência de gastos e a uma alegada falta de transparência sobre os critérios da sua distribuição. O bolo de mais de mil milhões de euros anual dá apoios ao preço da eletricidade e dos transporte, financia obras de eficiência energética, ciclovias, carros elétricos e até a descontaminação de antigas minas. O fundo é financiado com receitas de taxas ambientais, com destaque para o produto dos leilões de licenças de CO2.

“Os resíduos foram submetidos a análises, tendo-se concluído que 142 dos 144 contentores continham resíduos perigosos que estavam a ser importados ilegalmente para o nosso país. Por esse motivo foi identificada a necessidade de encaminhar os resíduos perigosos para destino adequado. Esta situação resultou na determinação de novos custos, os quais a presente resolução de Conselho de Ministros vem agora autorizar o seu pagamento”.

A resolução assinada por Mariana Vieira da Silva (em substituição de António Costa) é de agosto, sendo que pela informação obtida pelo Observador a identificação de resíduos perigosos ocorreu entre o final de 2020 e o início de 2021, quando ainda estava em funções o anterior Governo e o ministro Matos Fernandes que foi quem determinou a suspensão da entrada de mais lixo internacional.

A APA afirma que suscitou o acionamento das garantias financeiras prestadas pelo notificador, a empresa importadora dos resíduos, “de forma a que suportem parcial ou totalmente os custos incorridos pelo Estado português”. Já em 2020, as autoridades portuguesas tentaram que as entidades de expedição removessem os resíduos de Portugal, sem sucesso, o que obriga o Estado português a assumir o processo e as custas de tratamento dos mesmos, ao abrigo do regime legal europeu.

Governo impediu resíduos italianos de entrar, mas vai pagar a conta do seu tratamento em Portugal

Apesar da insistência do Observador, a APA não revela que tipo de resíduos perigosos está em causa, nem identifica o lugar onde estão colocados, enquanto esperam pelo tratamento. Sinaliza apenas que “estão armazenados, temporariamente, em local seguro, no que concerne à proteção do ambiente. Trata-se de um local vedado, impermeabilizado, com CCTV [sistema de vídeo vigilância], segurança privada e dotado de equipamentos mecânicos necessários ao manuseamento dos contentores”.

Uma parte substancial destes contentores está depositada desde o ano passado nos terrenos de uma subsidiária da Transportes Três Mosqueteiros na Zona Industrial de Sines, confirmou o Observador junto de várias fontes locais.

Reportagem em Sines: dezenas de contentores carregados de lixo provenientes de Itália, foram apreendidos no porto flúvial de Sines. Parte desses contentores foram para o aterro sanitário de Vila Nova de St. André, enquanto que a maioria ficou intacta ao ar livre, após se ter descoberto que havia lixo tóxico no seu interior. 26 de Setembro de 2022 Sines e Vila Nova de St. André TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
Contentores com resíduos estão guardados na zona industrial de Sines há mais de um ano
TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Desde a apreensão dos contentores pela IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território), foram feitos vários contratos de despesa para remover, analisar e guardar os resíduos. Com duas empresas de transportes — a Transportes Bizarro Duarte e a Transportes Três Mosqueteiros para o armazenamento dos referidos contentores no valor de 65.200 euros e 19.980 euros mais IVA. Foi ainda atribuído ao Instituto de Soldadura e Qualidade dois contratos de 62.249 euros e 31.496 euros para analisar o conteúdo dos contentores.

A maioria destes contratos foi adjudicada pela Águas de Santo André, ainda que a despesa seja da APA com recurso a verbas do Fundo Ambiental. De acordo com o presidente da gestora de resíduos do Alentejo, Luís Faísca, a Águas de Santo André recebeu apenas nos seus aterros os dois contentores que continham os resíduos industriais banais. Luís Faísca diz que não tem informação sobre o destino dos restantes contentores.

A maior despesa até agora comunicada no portal da contratação pública foi assumida pela própria APA e diz respeito aos contentores onde estão os resíduos. Foram fornecidos pela MSC, uma das maiores operadoras de carga marítima, num contrato com o valor de 1,598 milhões de euros mais IVA, assinado no final de 2020. Mas terá de ser reforçado. Este contrato visou a “aquisição de serviços de movimentação e armazenagem de resíduos e lixos não perigosos”, quando as análises entretanto efetuadas apontam para resíduos perigosos.

De acordo com fontes do setor, o prolongamento do aluguer destes contentores com a MSC muito para lá do prazo inicialmente previsto será uma das componentes mais avultadas da despesa que o Estado vai assumir.

O problema não é só financeiro e ambiental, é também judicial. No ato de apreensão dos resíduos por ordem do ministro, a IGAMAOT fez uma participação ao Ministério Público por entrada ilegal, uma vez que quando os contentores chegaram a águas portuguesas o decreto e despacho que suspendia a entrada de resíduos importados já estava em vigor.

Foram igualmente abertos processos de contraordenação a várias entidades envolvidas. A empresa italiana, Enki, contestou judicialmente esta decisão por considerá-la ilegal, argumentando que o Governo português não tem legitimidade para suspender por decreto o regulamento comunitário para a circulação internacional destas mercadorias, o Movimento Transfronteiriço de Resíduos (MTR).

Reportagem em Sines: dezenas de contentores carregados de lixo provenientes de Itália, foram apreendidos no porto flúvial de Sines. Parte desses contentores foram para o aterro sanitário de Vila Nova de St. André, enquanto que a maioria ficou intacta ao ar livre, após se ter descoberto que havia lixo tóxico no seu interior. 26 de Setembro de 2022 Sines e Vila Nova de St. André TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
Aterro de resíduos industriais banais da Águas de Santo André no concelho de Sines
TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A Enki ganhou o concurso para remoção de resíduos urbanos acumulados na região da Campânia, onde se situa Nápoles. E, tal como o Observador já noticiou, processou o Estado e a APA por causa da ordem de suspensão de entrada de mais resíduos importados, argumentando que já tinha todas as autorizações ambientais e que tinha feito o pagamento das taxas de aterro.

Italianos processam Estado por travar resíduos importados após os ter autorizado e pedem 8 milhões

Na ação que deu entrada em agosto de 202o pede uma indemnização de oito milhões de euros por todo o lixo que foi autorizado mas que não conseguiu trazer para Portugal, mas o processo no Tribunal Administrativo não tinha tido, até setembro, desenvolvimentos, segundo a resposta dada pela APA ao Observador. José Eduardo Martins, advogado que representa a empresa italiana, referiu ao Observador que o seu cliente não quer fazer comentários sobre este diferendo.

Os contentores apreendidos continham 3,6 mil toneladas de resíduos urbanos supostamente não perigosos que chegaram em 144 contentores aos portos de Sines e Leixões. Quando a suspensão foi determinada, a empresa italiana já tinha executado 28% da quantidade de resíduos previstos chegarem e Portugal e teve de encontrar outro destino para cumprir o contrato com as autoridades transalpinas.

Algumas fontes do setor sublinharam ao Observador que a carga já ia caminho de Portugal quando foi ordenada a suspensão que permitia apenas receber os resíduos que já estivessem nas águas territoriais nacionais — e que teria sido preferível deixar os resíduos seguir o destino contratado, os aterros BioSmart, Resilei e Valor RIB, em vez de os apreender com custos cada vez mais elevados para os contribuintes. Mas, por outro lado, admitem que se tal tivesse acontecido não teriam sido analisados nem identificados como resíduos perigosos. O que deixa também a suspeita de que outros resíduos importados para deposição em aterros banais possam não ser aquilo que está indicado na guia de registo.

Reportagem em Sines: dezenas de contentores carregados de lixo provenientes de Itália, foram apreendidos no porto flúvial de Sines. Parte desses contentores foram para o aterro sanitário de Vila Nova de St. André, enquanto que a maioria ficou intacta ao ar livre, após se ter descoberto que havia lixo tóxico no seu interior. 26 de Setembro de 2022 Sines e Vila Nova de St. André TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
A maior parte dos contentores foi apreendida à chegada ao Porto de Sines em agosto de 2020
TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

João Galamba, secretária de Estado da Energia e que ficou também com o Ambiente na atual legislatura, explicou a existência deste diferendo entre o Estado e a empresa italiana. Questionado no Parlamento, adiantou que o mesmo resulta da decisão de Portugal suspender a entrada de resíduos, o que a empresa italiana considera que é um violação do regulamento europeu. “Nós discordamos e por isso é que estamos em tribunal. Mas importa referir que a alteração de circunstâncias face a declarações feitas no passado foi porque se percebeu que, ao contrário do que estava previsto no contrato, aqueles resíduos que vieram de Itália, e que supostamente eram resíduos não perigosos, são afinal resíduos perigosos e é isso que justifica o aumento significativo das verbas”. Passou dos 2 milhões iniciais para os oito milhões de euros porque “inclui tratamento nos aterros adequados”.

“Sobre a suspensão da importação de resíduos, essa medida foi tomada extraordinariamente durante a pandemia do Covid-19”. No entanto, reconhece também João Galamba, “Portugal não tem autonomia nesta matéria. E fora do período de exceção não pode proibir e tomar decisões unilaterais nesta matéria porque ela é regulada por legislação europeia à qual Portugal está sujeito”. E esse é um dos temas centrais na disputa judicial com os italianos, a de saber se Portugal podia aproveitar os tempos excecionais da pandemia para suspender um tráfego autorizado por regras europeias.

"Nós discordamos e por isso é que estamos em tribunal. Mas importa referir que a alteração de circunstâncias face a declarações feitas no passado foi porque se percebeu que, ao contrário do que estava previsto no contrato, aqueles resíduos que vieram de Itália e que supostamente eram resíduos não perigosos, agora são afinal resíduos perigosos e é isso que justifica o aumento significativo das verbas."
João Galamba no Parlamento a 21 de setembro

Portugal, caixote do lixo da Europa? Suspensão de resíduos importados mantém-se

A suspensão extraordinária da entrada de resíduos importados foi aprovada em maio de 2020, com o pretexto da pandemia e uma esperada corrida aos aterros (que não veio a verificar-se). Mas a decisão política teve um outro contexto de descontentamento e contestação local à chegada de cada vez mais resíduos importados aos vários aterros nacionais. O ministro Matos Fernandes garantiu no Parlamento que “Portugal nunca foi caixote de lixo da Europa”, devido ao aumento muito substancial dos resíduos enviados para aterros nacionais ao abrigo do regulamento que regula a circulação transfronteiriça desta carga. “E com as medidas que tomámos nunca o virá a ser”.

Para além do travão às importações, foi aumentada a taxa de gestão de resíduos para o dobro de forma a desincentivar a deposição em aterro.

A suspensão justificada com a pandemia terminou no final de 2020, no entanto, refere a APA, “permanece em vigor o despacho da então secretária de Estado do Ambiente, Inês Costa Santos, de janeiro de 2020, o qual estabelece a “objeção sistemática às transferências de resíduos para Portugal (entradas) destinadas a operações de eliminação, pelo que não é concedida autorização à entrada de resíduos com destino a eliminação de resíduos não perigosos desde 1 de fevereiro de 2020”.

Um dos motivos invocados, a necessidade de acautelar a capacidade dos aterros para responder a um aumento das quantidades depositadas em aterro causado pela Covid-19, acabou por não se concretizar. “A situação pandémica veio revelar que a pressão nos sistemas de gestão de resíduos é, afinal, menor do que a que inicialmente se previa, facto que motivou a suspensão dos MTR (movimento de resíduos transfronteiriço) por via legal”, conclui o relatório que em 2020 avaliou a capacidade e a margem dos aterros nacionais.

O relatório reconhece que se verificou um “aumento crescente e significativo da quantidade de resíduos recebidos por MTR em aterros para resíduos não perigosos. (…) Em 2019 foram depositadas 205 mil toneladas de resíduos importados nesta classe de aterros, contrastando com as 6 mil toneladas recebidas em 2016. Em termos percentuais, entre 2016 e 2019 houve um aumento de mais de 3000% da quantidade depositada em aterros para resíduos não perigosos, aumentando de 1 para 6 os aterros que rececionam resíduos com esta origem”. Itália surge destacada como o país de origem destes resíduos, 80% do total. Segue-se Malta, com 19%.

Mas o relatório da APA também considera que “a fração de resíduos com origem nacional mantém-se ainda bastante superior”.

Com esta suspensão, foram inibidos de entrar em território nacional cerca de 254 mil toneladas de resíduos com origem no tráfego transfronteiriço, dos quais 21 mil toneladas foram alvo de objeção ainda antes da entrada em vigor do despacho.

A suspensão das autorizações concedidas teve impacto em 11 processos com uma quantidade autorizada de 176 mil toneladas, dos quais foram recebidos em aterro 46%. Caso tivessem sido autorizadas a entrar, as 90 mil toneladas abrangidas pela suspensão representariam 1,4%  da capacidade total nacional disponível em função de licenciada e 3,6% da capacidade disponível construída. Mas o impacto em aterro varia entre os 2% e os 27%.

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