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Depois de ter sido acusado pelo Ministério Público de ter alegadamente corrompido José Sócrates (ex-primeiro-ministro), Henrique Granadeiro e Zeinal Bava (ex-líderes da Portugal Telecom) na Operação Marquês e de ter alegadamente subornado os seus próprios funcionários do BES no processo principal do caso Universo Espírito Santo, Ricardo Salgado foi agora acusado de ter alegadamente corrompido um ex-vice-presidente do Banco do Brasil, sendo-lhe imputado um crime de corrupção ativa com prejuízo no comércio internacional e outro crime de branqueamento de capitais
Quatro ex-diretores do BES e do Grupo Espírito Santo foram ainda acusados de corrupção passiva no setor privado, branqueamento de capitais e falsificação de documento.
Em causa estão pagamentos feitos pela sociedade offshore Espírito Santo Enterprises, o famoso ‘saco azul’ do Grupo Espírito Santo, de cerca de 2 milhões de euros a Allan Simões Toledo, assim se chama o ex-banqueiro brasileiro ligado ao PT de Lula da Silva, que foram revelados em exclusivo pelo Observador em novembro de 2018. Os pagamentos terão sido realizados, de acordo com a acusação do Ministério Público (MP), por ordens de Ricardo Salgado e teriam um objetivo simples: que Simões Toledo alegadamente exercesse a sua influência enquanto administrador do Banco do Brasil para que fosse aprovada uma linha de crédito de cerca de 200 milhões de dólares (cerca de 176,1 milhões de euros ao câmbio atual) para financiar o BES.
Ex-vice-presidente do Banco do Brasil investigado por receber 1,5 milhões do ‘saco azul’ do GES
Tal linha de crédito terá sido concedida em 2011 quando Ricardo Salgado e os diretores do BES mais próximos de si já tinham consciência de que o Grupo Espírito Santo atravessava dificuldades financeiras, já tendo começado as alegadas práticas de falsificação da contabilidade das principais holdings do grupo que o MP imputa a Salgado.
O Departamento Central de Investigação e Ação Penal confirmou a acusação ao início da noite desta quarta-feira, tendo assegurado que foram imputados formalmente os “crimes de corrupção ativa com prejuízo do comércio internacional, branqueamento, corrupção passiva no sector privado e falsificação de documento” a “sete arguidos singulares.”
Advogados portugueses igualmente acusados e ex-banqueiro brasileiro com certidão
Além de Ricardo Salgado, também João Alexandre Silva (ex-diretor do BES Madeira) e Paulo Nacif Jorge (ex-funcionário do Grupo Espírito Santo), foram igualmente acusados do crime de corrupção ativa com prejuízo no comércio internacional.
Salgado foi também acusado de um crime de branqueamento de capitais em regime de coautoria com João Alexandre Silva, Paulo Nacif, Paulo Murta (ex-funcionário da Gestar), Humberto Coelho (ex-funcionários do GES).
Já João Alexandre Silva e Paulo Nacif foram acusados de três crimes de corrupção passiva no setor privado.
Outros acusados deste segundo processo do caso Universo Espírito Santo a ser concluído é o advogado Miguel Caetano de Freitas e a sua mulher Sofia Ribeiro que foram acusados como cúmplices dos três crimes de corrupção passiva no setor privado imputados a Alexandre Silva e Nacif Jorge, além de um crime de branqueamento (em regime de co-autoria com Ricardo Salgado) e de três crimes de falsificação de documento (em regime de co-autoria com Paulo Nacif Jorge).
O escritório de advogados Caetano de Freitas & Associados também foi acusado enquanto pessoa coletiva de um crime de branqueamento e três crimes de corrupção passiva no setor privado.
O nome de Miguel Caetano de Freitas, e da sua sociedade Caetano de Freitas & Associados, ficou conhecido após o Expresso e a TVI terem noticiado o seu alegado envolvimento no caso dos Panama Papers. De acordo com a base de dados do International Consortium of Investigative Journalists, a Caetano de Freitas & Associados terá sido intermediária das sociedades offshore Chinabox — Importação e Exportação Ltd (sociedade criada na jurisdição de Samoa), Eastern Chaser Limited (criada em Hong Kong), Albatross Services, SA (criada no Panamá), Sonsorol SGPS, SA (registada em Samoa) e Jankins Group Development (registada no Panamá).
Miguel Caetano de Freitas afirmou ao Observador em novembro de 2018 que “a Caetano de Freitas & Associados não presta serviços de intermediação de sociedades offshore.” Contactado esta quarta-feira, Caetano de Freitas afirmou que ele próprio e a sua mulher “não conhecem a acusação”: “Não fomos ouvidos sobre os eventuais factos de que possamos ter sido acusados de praticar. Estou certo que nem a dra. Sofia Ribeiro nem eu praticámos nenhuma irregularidade ou ilegalidade.”
Já Allen Simões Toledo, o vice-presidente do Banco do Brasil, não foi acusado de corrupção passiva por ausência de jurisdição do Ministério Público português. Ou seja, sendo um cidadão brasileiro suspeito de atos praticados no Brasil, o DCIAP ordenou a extração de uma certidão da acusação e o envio para o Ministério Público Federal para que seja a Justiça brasileira a julgar Simões Toledo.
A offshore do Panamá com conta no Dubai
O centro desta acusação reside nos cerca de 1,8 milhões de dólares (cerca de 1,6 milhões de euros ao câmbio atual) que Allan Simões Toledo recebeu em várias tranches no início de 2012 numa conta bancária aberta no Espírito Santo (ES) Bankers no Dubai. Tal montante tinha sido transferido pela ES Enterprises a partir de uma das suas contas no Banque Privée Espírito Santo por alegadas ordens de Ricardo Salgado.
Contudo, Allan Simões Toledo não abriu uma conta no ES Bankers no Dubai em nome próprio. A conta foi aberta em nome de uma sociedade offshore chamada Travbell Assets, SA — que foi criada no Panamá pelo escritório de advogados Aleman, Cordero, Galindo e Lee, um dos principais concorrentes do escritório Mossack Fonseca, que esteve na origem do caso Panama Papers.
A Travbell terá sido constituída por Paulo Murta, acionista e funcionário da ICG Wealth Management — uma sociedade de gestão de fortunas liderada por Michel Joseph Ostertag e com ligações próximas a Ricardo Salgado –, através de um alegado pedido do advogado Miguel Caetano de Freitas. Segundo o MP, Caetano de Freitas terá agido como alegado testa-de-ferro de Allan Simões Toledo, sendo o então vice-presidente do Banco do Brasil o real beneficiário da Travbell.
De acordo com documentação interna da ES Enterprises que o Observador revelou em novembro de 2018, a primeira transferência da ES Enterprises para a Travbell aconteceu a 2 de fevereiro de 2012 e foi de 800 mil dólares (cerca de 705 mil euros ao câmbio atual), enquanto a segunda, no valor de um milhão de dólares (cerca de 877 mil euros), ocorreu mais tarde. O MP terá descoberto mais valores transferidos pela ES Enterprises para a Travebell, sendo que Simões Toledo terá recebido um total de cerca de 2 milhões de euros.
O empréstimo do Banco do Brasil influenciado pelo homem do PT
Os fundos transferidos representarão uma alegada contrapartida para Allan Simões Toledo ter exercido a sua influência enquanto administrador do Banco do Brasil na aprovação de uma linha de crédito daquela instituição financeira brasileira no valor de 200 milhões de dólares (cerca de 176,1 milhões de euros ao câmbio atual) para financiar o BES.
Além da linha de crédito ter sido acordada no início de 2011 por tempo indeterminado, certo é que nessa altura o GES já atravessava dificuldades financeiras que não estavam espelhadas nas contas das suas principais holdings, como a Espírito Santo International (ESI), pois as mesmas tinham começado a ser falsificadas desde 2009.
Nessa altura, o GES já estava a dar sinais graves de desequilíbrio financeiro mas, além de Ricardo Salgado e Francisco Machado da Cruz, o famoso comissaire aux comptes do grupo da família Espírito Santo que terá executado a alegada falsificação da contabilidade da ESI, poucos mais sabiam da real situação financeira do GES.
É nesse contexto que surge um aprofundamento das ligações do GES à Venezuela, com compra de dívida da ESI e de outras sociedades do GES que vieram a ser declaradas insolventes mais tarde por parte de entidades ligadas à Petróleos de Venezuela (PDVSA), mas também surge o acordo comercial com o Banco do Brasil que terá sido concretizado no início de 2011 com influência de Allan Simões Toledo.
Quem é Allan Simões Toledo?
Simões Toledo era diretor comercial do Banco do Brasil (BB) quando o então Presidente Lula da Silva nomeou Aldemir Bendine como presidente da instituição financeira de capitais públicos. Um dia depois, a 23 de abril de 2009, Allan Simões Toledo acabou por ser nomeado vice-presidente do BB com as pastas do Mercado Inter-Bancário, Negócios Internacionais e Private Banking. Tinha 41 anos e, juntamente com Ricardo António Oliveira, era o administrador mais novo.
A sua passagem pelo Conselho de Administração do BB durou dois anos e oito meses. A 29 de dezembro, o banco público informa o mercado de diversas alterações no órgão de gestão e uma delas corresponde à saída de Allan Simões Toledo.
De acordo com uma notícia publicada pelo jornal Estado de S. Paulo horas antes da divulgação daquele comunicado, Toledo tinha sido demitido pelo conselho de administração a pedido do presidente Aldemir Bendine. Razão? Simões Toledo teria entrado em guerra com Bendine para suceder-lhe. Outras notícias davam conta de um relatório do Ministério da Fazenda (equivalente ao Ministério das Finanças português) que dava conta de movimentos atípicos nas contas bancárias de Simões Toledo, nomeadamente transferências de 1 milhão de reais (cerca de 234 mil euros).
O pior viria a seguir: quando já era diretor do Banif — o banco português fundado por Horácio Roque que tinha uma sucursal no Brasil –, foi preso preventivamente em São Paulo pela Polícia Federal por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais no âmbito da Operação Porto Vitória. Toledo foi detido juntamente com Luiz Carvalho (secretário do Município de Curitiba para o Campeonato do Mundo do Brasil de futebol) e diversos cambistas (que no Brasil designam-se por ‘doleiros’). Estariam envolvidos num esquema de branqueamento de capitais de mais de 3 biliões de dólares (cerca de de 701 milhões de euros ao câmbio atual), sendo que uma boa parte desses fundos pertenciam a filiais da petrolífera PDVSA — a empresa que está no centro do capítulo da Venezuela da novela do Universo Espírito Santo.
No Banif, que abandonou após a detenção, Allan Simões Toledo trabalhou como diretor responsável pela área do câmbio com a administração liderada por Júlio Rodrigues. Este último gestor acabou por ser alvo de uma ação de responsabilidade civil interposta pelo próprio Banif pelos alegados prejuízos causados pela sua gestão.
Caso de corrupção de políticos venezuelanos continua em investigação
Apesar de o comunicado do DCIAP relativo a esta acusação de Simões Toledo referir expressamente que o caso envolve igualmente fornecedores da Petróleos da Venezuela (PDVSA), o Observador sabe que a investigação à alegada corrupção de titulares de cargos políticos e públicos venezuelanos que também é imputada a Ricardo Salgado continua em investigação.
O caso de Allan Simões Toledo foi investigado no processo que diz respeito à Venezuela, mas a procuradora Olga Barata, que sucedeu a José Ranito como coordenador das investigações do Universo Espírito Santo, decidiu extrair uma certidão e concluir em primeiro lugar o caso de Simões Tolledo. Não só por ser mais simples mas também por os factos em causa serem autonomizáveis.
Homem de Salgado para a Venezuela prestes a ser extraditado para os Estados Unidos
A acusação agora deduzida apurou que os esquemas de corrupção envolveram igualmente o pagamento de alegadas luvas superiores a 12 milhões de euros.
Recorde-se que Paulo Murta, igualmente suspeito de corrupção nas investigações da Venezuela em regime de cumplicidade com Ricardo Salgado, foi extraditado em julho de 2021 para os Estados Unidos para ser julgado no estado do Texas por conta de uma acusação que lhe imputa a participação num alegado esquema de corrupção de diversos titulares de cargos políticos venezuelanos e administradores e diretores da PDVSA que terá levado ao desvio de mais de 3,5 mil milhões de euros da principal empresa venezuelana.
O Observador contactou as defesas de Alexandre Silva e Paulo Nacif, mas os advogados Artur Marques e Paulo Saragoça da Matta não quiseram fazer declarações. Tentou ainda contactar a defesa de Paulo Murta, mas sem sucesso.
Texto atualizado às 13h15 do dia 30 de dezembro com todos os crimes imputados aos arguidos