Pedro Santana Lopes. Luís Montenegro. Paulo Rangel. Três eleições diretas, três vitórias, três adversários caídos. Das três vezes, em particular nesta última, Rui Rio tinha todas as probabilidades contra si. E, ainda assim, ganhou. Ganhou mesmo contra a vontade maioritária das estruturas e dos notáveis do partido. Ganhou onde os adversários diziam que era impossível ganhar.
E ganhou mesmo contra as expectativas dos mais próximos apoiantes, que assumiam, era a noite uma criança, que seria “muito surpreendente” se vencesse este confronto. O líder social-democrata ainda não tinha descido para falar aos militantes e já as colunas gritavam o “I’m Still Standing”, de Elton John. Tradução livre: “Eu continuo de pé”. Depois da vitória desta noite, ninguém pode dizer que Rio esteja errado.
Mas o líder social-democrata — de longe, o que mais tempo aguentou na presidência do partido estando no lugar de líder da oposição — ganhou muito mais esta noite: sai politicamente reforçado para enfrentar António Costa já a 30 de janeiro. “Contra tudo e contra todos”, como sintetizava em conversa com o Observador um esfuziante conselheiro de Rio, o presidente do PSD provou que o grau de aceitação que tem é muito maior fora da bolha política e mediática. E esse é um capital político que pode fazer a diferença já a 30 de janeiro.
“Esta vitória de hoje só faz sentido se for para construir um Portugal melhor”, chegou a dizer Rui Rio, antes de atirar as duas frases da noite: “Eu vou ganhar as legislativas. Estou picado para ganhar as legislativas.”
Como explicava o Observador, esta era a prova de algodão de que Rui Rio precisava. Num contexto de umas diretas particularmente difíceis, contra um adversário com o lastro político de Paulo Rangel, a que juntou um exército de apoiantes considerável, a vitória (inesperada até para os próprios apoiantes) seria sempre significado de que a “marca Rui Rio” ultrapassa a fronteira partidária. Aparentemente, ultrapassa. Resta saber se tem força para fazer cair António Costa.
A receita para governar e as bandeiras de Rio
Rio acredita que sim e acredita, mais do que nunca, que pode chegar a primeiro-ministro. O líder social-democrata já fez as contas a todos os cenários e sente que se bater António Costa, o atual primeiro-ministro não terá margem política para reeditar uma geringonça nos mesmos termos em que o fez em 2015, sendo o segundo mais votado. Consequência natural: Costa sai de cena, o PS entra em reflexão interna, e os socialistas não terão outra hipótese que não deixar o PSD governar.
Daí que não perca grandes minutos a pensar em cenários de ingovernabilidade à direita. Esta noite, o líder social-democrata sugeriu isso mesmo. “Vou a eleições democráticas, para ganhar, quero respeitar o resultado dessas eleições, quer ganhe, quer perca. Quem não ganha tem de estar disponível para contribuir para a governabilidade do país”, disse. E isso vale para o PSD mas, espera naturalmente Rio, vale para o PS.
Traduzindo: Rio espera que os socialistas lhe deem pelo menos um ou dois Orçamentos do Estado antes que o país esteja em condições novamente de ir a votos. No cenário perfeito, o líder social-democrata repetirá o feito de Cavaco Silva em 1987, que conseguiu chegar à maioria absoluta depois de governar dois anos em minoria.
“Meus amigos, ponto final, parágrafo. Vamos mudar de capítulo. No dia 30 de janeiro temos um desafio pela frente que é ganhar as legislativas”, cortou Rio. As diretas ficaram para trás das costas e caminho agora é concentrar todas as fichas em derrotar Costa.
[Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador]
A dois meses das legislativas, o líder social-democrata aproveitou o discurso de vitória para intensificar a marcação cerrada ao socialista. Primeiro tiro: “Queremos uma governação que tenha mais rigor e menos facilitismo”. Segundo tiro: “Temos de ter mais riqueza e menos endividamento. Temos de mudar este rumo”. Terceiro tiro: “Temos de ter a força para reformar, para enfrentar os interesses instalados”. Quarto tiro: “Temos de ter um Governo que possa dar segurança aos portugueses na Saúde”. Quinto tiro: “Queremos menos impostos e melhores serviços públicos. Sexto e último tiro: “Precisamos de um país mais descentralizado”.
O discurso está pensado e é com ele que Rui Rio se vai apresentar a votos já a 30 de janeiro. No limite, se perder as legislativas, Rio sabe o que fará e não o esconde: pode desempenhar um papel importante na governação do país, garantido a estabilidade política que entende que o país precisa, ao mesmo tempo que prepara o partido para a sucessão. De resto, a casa vai começar a ser arrumada hoje mesmo.
O divórcio entre o aparelho e os militantes, segundo Rio
Rui Rio chegou até estas diretas em condições internas particularmente desfavoráveis. Depois de umas diretas difíceis com Luís Montenegro, que quase partiram o partido a meio, Rio viu a sua base de apoio ficar ainda mais reduzida.
Perdeu o apoio de estruturas importantes, como as distritais do Porto ou da Guarda, teve gente que sempre esteve do seu lado a mudar de trincheira, perdeu a confiança de um dos seus vices politicamente mais relevantes, Nuno Morais Sarmento, e viu esfumar-se a onda vitoriosa que parecia estar a criar depois das autárquicas. Em teoria, a história já estava escrita: Rio perdia; Rangel ganhava. No caso de Rio, a teoria, mais uma vez, voltou a falhar.
Daí o alcance das primeiras palavras de Rio nesta noite. O líder social-democrata envolveu Paulo Rangel nas habituais palavras de circunstância, elogiou-lhe a “dignidade” demonstrada na hora da derrota, mas não esqueceu os que se lhe opuseram. “Esta é a vitória dos militantes de base do PSD. Os dirigentes de concelhia e distritais têm de se ligar mais aos militantes. Foram num determinado sentido e o povo disse não.”
De Rio costuma dizer-se que não esquece nem perdoa aquilo que considera serem traições. Desta vez não será diferente e o próximo campo de batalha são já as listas de deputados “Fazer listas [de deputados] é sempre difícil em qualquer partido. No nosso partido sempre foi e continuará a ser”, assumiu o líder social-democrata. Mas o subtexto era outro: os que se moveram por “interesses pessoais” nesta contenda (Rio dixit) não terão lugar no partido. “Para ganhar legislativas aquilo que mais preciso é dos militantes do PSD. Esses eu tenho.”
É com eles que Rui Rio vai de novo a jogo e vai sem perder um minuto de sono com o habitual discurso sobre agregar e unir no pós-diretas. “Estive sempre disponível para fazer unidade. Agora só se consegue fazer unidade com que está disponível. Já aprendi que muitos dizem que querem unidade e depois não querem unidade nenhuma“, despachou o líder social-democrata.
Pelo que ouviu o Observador esta noite — muitos apoiantes de Rio exigiam a demissão imediata dos líderes distritais que apoiaram Rangel –, o clima está tudo menos pacificado no interior do PSD. Mas, nesse capítulo, Rio ganhou mais uma coisa esta noite: com Rangel, Montenegro, Pinto Luz e até Moedas no mesmo barco derrotado, não há ninguém em condições de lhe fazer sombra. “Estou de pé, melhor do que nunca, como um verdadeiro sobrevivente“, canta o autor da música que virou hino desta noite. Rio que o diga.