Pouco ou nada se saber sobre a vida dele. Falamos de João Gonçalves Zarco, navegador e cavaleiro fidalgo da casa do D. Infante Henrique. É possível que tenha estado na conquista de Ceuta, em 1415, e é mais que certo a sua presença na ilha da Madeira como administrador pelo povoamento do Funchal a partir de 1425. Zarco é um nome comum no Funchal. Tropeçamos nele a torto e a direito, sobretudo na parte velha da cidade. Ele é Café Zarco para aqui, ele é Residencial Zarco para ali. O gps manda-nos dar uma grande volta até ao Zarco. A partir daí, é virar à direita, andar uns 350 metros e já estamos na sede do Nacional, onde está Rui Alves. No fundo no fundo, uma espécie de Zarco: pouco ou nada se sabe sobre a vida dele. Vamos lá emendar essa falha. Basta subir um lance de escadas e estamos no seu gabinete. A caminho, encontramos uma pérola de outros tempos. Alberto João Jardim, maritimista dos sete costados, equipado à Nacional.
Aqui já era presidente do Nacional?
Nãããão, foi antes, muito antes.
Sonhava ser presidente do Nacional na infância?
A minha ideia era começar a trabalhar o mais cedo possível.
No futebol?
Com o meu pai.
E estudar?
Também estudava, tirei o curso de Alta Administração e Comércio. Só que depois há um acontecimento determinante.
Qual?
O 25 de Abril.
Isso mexe consigo?
Com todos. Com a abertura do ensino, notou-se um défice de quase todo o pessoal docente e vivemos um período de exceção em relação aos professores.
Isso quer dizer o quê?
Permitiu-me ser professor com o 11.º ano.
Hã?
Fui professor durante um ano.
Tinha que idade?
18 anos.
Grande cambalacho. Ensinava o quê? E a quem, já agora?
Física e Química, 8.º ano. E também dava uma outra cadeira chamada Mercadorias, que pertencia a um curso de formação profissional de construção civil. Neste caso, a turma era de adultos.
Foi professor por um ano, só?
Ainda iniciei o segundo ano.
E?
Começou a nascer a ambição de ir tirar um curso superior.
De quê?
Engenharia Civil. Queria muito ser engenheiro.
E foi?
Antes, ainda trabalhei para o Governo, cumpri serviço militar e exerci um cargo político no Município do Funchal, enquanto Vereador do Urbanismo.
Ufff. Engenheiro, por fim. E agora?
Apareceu-me o Nacional.
Quando?
Em 1994. O clube vivia uma situação, digamos, vazia. Estava sob uma condição administrativa e desafiaram-me. Se me perguntassem um ano antes, diria que não coisa que me passasse pela cabeça. Só que a nossa vida é sempre assim, aparecem sempre estes desafios em determinados momentos e somos confrontados por eles sem qualquer pensamento prévio. Como era um desafio interessante, de um permanente serviço público, deixei-me levar e aqui estou a falar consigo.
Já ai conhecia o meio do futebol?
Joguei futebol até aos 50 anos, mais coisa, menos coisa. E fui profissional, federado mesmo. Até quando dei aulas, jogava futebol pela equipa dos professores e criei grandes amizades nesse núcleo.
Futebol de 11?
Futebol de 11, o federado. Futebol de 7, o dos professores.
Qual era a equipa do futebol de 11?
Um clube regional chamado Lazareto, ali na freguesia de São Gonçalo. Na altura, era um clube de formação, que, entretanto, teve problemas e deixou de existir.
Relvado ou pelado?
Pelado, agora é sintético. Também joguei nos campos onde, mais tarde, construímos o Cristiano Ronaldo Campus. Na altura, eram campos pelados e agora são sintéticos.
Jogava a que posição?
Central ou médio defensivo.
Sempre na Madeira?
A tal ambição do ensino superior levou-me para Lisboa, onde frequentei o Instituto Superior Técnico.
E deixou de jogar?
Qual quê, nada disso. Continuei a jogar, tanto na faculdade como fora.
Onde, por exemplo?
Conhece o CIF?
Claaaaaaaro, ali à saída do Restelo.
Exatamente. É um campeonato amador bem bom e jogava no Madeira [curiosamente, é o líder isolado e invicto do CIF 2017-18, à 12.ª jornada].
Pois, bate certo.
Também havia uma equipa chamada Madeirinha.
É um campeonato cheio de ex-jogadores da 1.ª divisão, não é?
Havia uma equipa com muitos ex-Benfica e ex-Sporting, tipo Eusébio e tal, era o SOV: Seita do Olho Vivo. Ganhavam quase sempre. Ou sempre, mesmo. Era só craques.
Lembra-se de jogar com algum?
Assim de repente, só com o Zé Gato, guarda-redes do Benfica.
E ia à bola em Lisboa?
Raro, porque a faculdade absorvia-me imenso. Só vi um Belenenses-Nacional e um Cova da Piedade-Nacional, nunca por iniciativa própria, era malta a puxar-me.
Estamos a falar de que tempo?
Cheguei a Lisboa em 1980 e saí em 1984, logo depois de termos sido eliminados pela França no Euro-84.
Vivia onde?
Num andar reservado para estudantes, na Marquês de Tomar. Ali ao pé, havia um restaurante chamado A Ribalta. Também joguei futebol por eles.
Pelo restaurante?
Sim, sim.
Bolas, você não perdoava.
Ahahahah, era futebol de 5 e jogava lá à frente.
Dizem-me que foi o Rui Alves quem desenhou o mapa das canalizações da ilha toda.
Como engenheiro do governo, e já não como vereador, fiz dois projetos de canalização: um aqui, no Funchal, outro em Porto Santo. Foi a experiência mais gratificante como funcionário público porque significou desenvolvimento e ação social.
De repente, vem o convite do Nacional. E agora?
Vínhamos de um período muito mau e não tínhamos infraestruturas nenhumas. O primeiro objetivo era arrumar a casa e definir prioridades. Naquele tempo, o futebol era só um desporto. Que implicava um esforço e uma dedicação enormes até chegar à hora do jogo. Todas as partes envolvidas, desde a desportiva até à organizacional, passando pela jurídica, infraestrutural, económica, etc e etc, deixam qualquer um de rastos. É um processo complexo e interessante.
E hoje?
Mais complexo.
E mais interessante?
O crescimento foi notável e o futebol de hoje já é mais uma indústria que suplanta, e de que maneira, a questão desportiva,
O Nacional estava em que divisão?
Na 2.ª de Honra. Ainda descemos à 2.ª B, subimos, descemos outra vez, subimos de novo e subimos à 1.ª. A seguir, um período de 15 anos seguidos na 1.ª antes da descida no ano passado.
Quem foi o seu primeiro treinador?
O professor Rui Mâncio. Era madeirense e já tinha sido treinador do Nacional. Ainda hoje, continuo a dar-me com ele.
Ao longo de mais de 20 anos, qual o treinador mais marcante?
Um só, não posso dizer. Há dois que marcaram a história recente do Nacional e também a dos meus mandatos. O primeiro é o José Peseiro que iniciou o seu trabalho na 2.ª B e levou-nos à 1.ª antes de sair para acompanhar o professor Carlos Queiroz no Real Madrid. Depois, foi o professor Manuel Machado, que soma três participações europeias em seis anos de Nacional.
Agora é o Costinha.
Também desejamos que faça história. Escolhemos sempre o treinador em função da liderança técnica e o sonho é o sucesso mútuo. Se o treinador conquistou, nós também conquistámos. Só que o futebol elitizou-se demasiado.
Então?
Hoje, a diferença entre grandes e pequenos é maior ainda. Ainda por cima, Portugal tem uma organização com a qual discordo, com uma manifesta falta de um princípio fundamental de solidariedade.
Em que termos?
Estou a referir-me à centralização de direitos televisivos. O direito televisivo não é um direito deste clube ou daquele. O direito televisivo é de quem organiza a competição e, por estranho que pareça, no mesmo país coexistem os dois sistemas sem lugar a discussão. Para ter ideia, em Inglaterra, na Premier League, a relação entre a equipa que recebe mais e a que recebe menos é de 1 para 1,6. Em Portugal é de 1 para 12. Ora, isso faz bastante diferença e desequilibra o campeonato. Se os clubes pequenos tivessem outras condições de valorização, os seus plantéis seriam mais qualificados e a incerteza do resultado aumentaria. Se aumentasse a incerteza do resultado, aumentava o valor da competição, porque a essência de qualquer desporto é a incerteza do resultado. Nesse aspeto, Portugal é um mau exemplo porque o resultado desperta pouco interesse aos vários adeptos. Nós discutimos tudo e mais alguma coisa, mas a verdade é que há aqui um bloqueio feito pelo peso institucional dos três grandes, a que os responsáveis têm-se revelado incapazes de alterar a situação. Ainda não houve nenhum clube que quisesse gastar dinheiro a sério para levar a questão dos direitos televisivos até aos tribunais. Como em Espanha, por exemplo. Um grupo de clubes fez isso e a sociedade espanhola refletiu sobre o assunto, o que levou o poder político a intervir no assunto. Aqui, infelizmente, o interesse dos três grandes continua a sobrepor-se a tudo o resto.
Mas os 15 não têm mais força que os três grandes?
A série de dependências que se criam entre os restantes clubes perante os grandes é que determina, mais tarde, as próprias assembleias gerais da liga, altamente condicionadas. Como as sucessivas candidaturas e lideranças da liga portuguesa de futebol profissional: apresentam-se ao ato eleitoral a defender a centralização e, após a vitória nas eleições, no exercício do quadro, nunca conseguem implementar essa situação.
Mas os 15 estão contra os grandes ou…
Contra, não estão. No fundo, os 15 acabam por se dividir no apoio a cada um dos três, acomodam-se e acabam por não se importar muito com a discussão. Andamos assim. Tenho pena, porque o futebol português precisa de mais equilíbrio e não acredito que o poder político consiga impor uma medida a travar a ascendência dos três grandes.
Na sua relação com os grandes, com quem é que se dava?
Sempre tentei manter uma distância em relação aos três e assim continuo. Só me preocupam os interesses do Nacional e o resto… Infelizmente, tive um incidente com o Sporting, do qual não senti qualquer responsabilidade. Foi um jogador que tinha um acordo com o Sporting, mas acabou por sair para o Porto, porque, a meu ver, a estrutura do Sporting demorou muito tempo no pós-acordo e o Porto apareceu com uma proposta muito superior. Nessa altura, já não consegui fazer nada e não me podia opor à transferência para o Porto. Claro, a comunicação social optou por culpar o Nacional pelo sucedido. Se há um conflito entre o Nacional e um grande, naturalmente o clube pequeno acaba por ser o culpado para a comunicação social. É mais fácil e, comercialmente, fica melhor.
Quem era o presidente do Sporting?
Soares Franco. Não foi bem o presidente o responsável pela demora, atenção. Estava a decorrer o Euro-2004 e o dono da pasta desportiva do Sporting entendeu que, depois do acordo, tinha todo o tempo do mundo para fazer o contrato com os jogadores. Só que o mercado, às vezes, é assim. Acabou com acabou e ponto, já são águas passadas.
Em matéria de jogadores contratados, qual aquele que lhe encheu mais medidas?
Paulo Assunção, Nené, Maicon, Alexandre Goulart.
Todos brasileiros. Foi lá buscá-los?
Vi-os a jogar lá, sim. À exceção do Alexandre Goulart, contratado ao Boavista.
Vi-os no Brasil?
Outros tempos, em que a própria relação dos clubes madeirenses com a estratégia política do Governo era mais vantajosa. Desde 2011 que andamos a sofrer com esses cortes. Antes, numa era muito menos global, era fácil ir, ver e contratar. Agora, nem tanto. Se era possível ir buscar jogadores brasileiros à 1.ª divisão de lá em 2003-04, hoje é manifestamente impossível.
O Rui Alves metia-se no avião e ia ver os jogos?
Cheguei a ir umas sete/oito vezes por ano ao Brasil.
Tem de haver aventuras picantes ali no meio.
Desportivas?
Ahahahah. Por mim, o Rui Alves é que sabe.
O Brasil é um país picante em vários sentidos, no bom e no mau. A matriz do Nacional passava por criar relações com as pessoas dos clubes e, nesse aspeto, a nossa relação mais forte foi com o Cruzeiro, então presidido por um senhor chamado Zezé Perrella, agora um senador brasileiro. Há uma história engraçada.
Conte.
O Leandro Salino jogou aqui cinco anos e depois foi para o Braga. O momento que antecede a contratação é bastante curioso. Fui ver a meia-final do campeonato mineiro, era um Ipatinga-Cruzeiro. Quando fui de táxi para o hotel, perguntei ao taxista qual o jogador do Ipatinga mais conceituado para inclui-lo no negócio do Fábio Santos, que ia sair do Nacional para o Cruzeiro.
E o taxista?
Disse-me o Leandro Salino. No estádio, já vi o jogo com a ideia de o contratar.
E um jogador barrete?
Isso temos vários. Ninguém consegue fugir a isso. Costumo dizer que temos a situação mais ou menos bem resolvida se acertarmos em 70% dos jogadores que contratamos. No ano passado, por exemplo, tive, só de empréstimos, não barretes e sim “barretões”, três empréstimos dos grandes: César do Benfica, o Tobias Figueiredo do Sporting e o Tiago Rodrigues do FC Porto. São os três maiores barretes do Nacional no futebol profissional.
https://www.youtube.com/watch?v=unj4a6fbZ0c
É frequente cruzar-se com os jogadores depois de um jogo ou depois de um jantar?
Quando era mais novo e gostava de ter alguma vida noturna, era eu o principal agente de denúncia, porque apanhava alguns atletas no desrespeito das regras do clube.
O Rui Alves é daqueles presidentes que gosta de ir para o banco de suplentes.
Vou quase sempre, gosto de ver o futebol no banco, junto dos jogadores e do treinador.
Isso não depende do treinador?
Não digo que vou, vou
E não sente…
Não, até porque não me envolvo nas questões técnicas. Gosto de viver o ambiente do banco e, claro, de sentir mais de perto o treinador, as suas decisões, a sua liderança.
E gosta de ver essas coisas todas?
Gosto de ver e analisar até porque estou mais perto do próprio técnico, mas não me envolvo. Se olhar para o banco, vai ver que sou extremamente calmo
À exceção daquele jogo com o Sporting para a Taça de Portugal.
Isso já tem uns 15 anos. Isso é de 2001.
O que se passou aí?
Esse é o primeiro ano do José Peseiro na 2.ª divisão e nós não subimos à 1.ª por causa desse jogo. É interessante e vou explicar-lhe. Como, aliás, expliquei ao Peseiro antes de começar a época seguinte, em que até tínhamos uma equipa inferior à do ano anterior e acabámos por subir. Veja lá isto: fomos empatar 3-3 a Alvalade. Na semana seguinte, quase todos os nossos jogadores já tinham empresários e aquilo significou uma quebra de rendimento. Sabe como é, a fantasia dos empresários e o mundo da 1.ª divisão mexe com a cabeça. A partir daí, houve uma quebra de rendimento e ficámos na 2.ª. No ano seguinte, disse ao Peseiro: “se quisermos subir de divisão, é melhor sairmos rápido da Taça de Portugal; se formos muito longe, os jogadores ficam expostos e perdem o foco no objetivo principal.” Assim foi, saímos rápido da Taça e subimos à 1.ª divisão.
No tal Nacional-Sporting de 2001, o Rui Alves foi expulso ainda na primeira parte?
Foi no jogo de desempate, aqui. O árbitro era o Paulo Paraty, que já faleceu. Epá, na altura, fervia em pouca água. Tinha um temperamento de confronto e, pronto, exagerei. Já tivemos duas eliminatórias da Taça de Portugal com o Sporting em que empatámos em Alvalade e depois perdemos em casa, com o árbitro a expulsar-nos um jogador. Aí, foi o Luís Loureiro, ainda na primeira parte. Mais à frente, em 2012, foi 2-2 em Alvalade e o Proença tem uma arbitragem bastante infeliz e expulsa-nos o Rondón. Essas ações condicionaram claramente os resultados e não pode ser.
Como é a sua relação com os árbitros?
Boa, sempre boa.
Quais os árbitros mais talentosos?
Vítor Pereira era excelente em tudo: técnica, disciplina e bom senso. O Pedro Proença é muito bom tecnicamente, mas disciplinarmente deixava-se perturbar com a forma como o jogo decorria. Nos tempos de hoje, Jorge Sousa é equilibrado e sensato, tal como o Artur Soares Dias.
De volta aos jogadores, qual a maior venda de todas?
Rúben Micael para o FC Porto. Ele marcava golos a torto e a direito na fase de grupos da Liga Europa e nunca ia à seleção. Foi para o Porto em Janeiro e, em meia dúzia de jogos, foi logo chamado.
Quanto foi a transferência do Rúben Micael?
No global, seis milhões de euros. Atrás, com três milhões, temos o Nené em Itália, o Lucas João em Inglaterra e o Mexer em França.
E jogos, aquele que lhe vem mais a memória.
Um 4-0 no Dragão.
O do Coentrão?
Esse é 3-0, também é bom. Mas o 4-0 é diferente, inigualável. Dos quatro golos, só um é que não é madeirense.
Então?
Miguel Fidalgo, madeirense. Alonso, brasileiro. Nuno Viveiros, madeirense. Bruno, madeirense.
https://www.youtube.com/watch?v=bq3lCnMwGu8
O Ronaldo também é madeirense e nacionalista. Ainda o apanhou cá, imagino.
Fui eu que o vendi.
Como?
Eu tinha um amigo magistrado que era muito ligado ao Sporting e foi ele que fez a ponte. Só que havia um problema, porque devíamos 30 mil euros ao Sporting.
A propósito de quê?
Um defesa-central chamado Franco jogou nos juvenis do Sporting e depois veio para cá. Como não pagámos a formação do Franco, acordámos que o valor ficaria esquecido com a ida do Cristiano Ronaldo. Obviamente que a situação é completamente diferente e hoje há valores percentuais em relação à vida do atleta.
Mas lembra-se de ouvir falar sobre o Ronaldo durante o tempo dele no Nacional?
Falava-se, sim: o miúdo faz isto, o miúdo aquilo. Quando o Sporting apareceu, não me passou pela cabeça impedi-lo de sair. E reagi com um ‘tudo bem’ a respeito da saída para o Sporting.
Alguma viu jogar o Ronaldo pelo Nacional?
Nunca.
Mas o Ronaldo é campeão distrital e o Rui Alves aparece na fotografia dos campeões com a faixa.
Eram outros tempos e o Nacional não tinha infraestruturas para ter pessoas a ver jogos aqui, ali, acolá e tal.
Acompanhou o Ronaldo nos primeiros tempos do Sporting?
Segui, sim. Jogava nos veteranos do Nacional, tal como o Fernão, padrinho do Ronaldo. Foi ele o responsável pela transferência do Ronaldo do Andorinha para o Nacional. Se não fosse ele, o Ronaldo teria ido para o Marítimo, que estava mesmo ali ao lado do Andorinha.
Quando o voltou a ver?
Ao Ronaldo? Aqui, durante um Nacional-Sporting. O futebol é bonito por isto. Dá voltas, voltas e mais voltas e, às vezes, voltamos ao mesmo sítio.
E aquela ideia de um só clube madeirense?
Isso era uma ideia do anterior presidente do Governo Regional [Alberto João Jardim]. Estruturalmente, se nos abstrairmos da parte emocional na ligação a um clube, é bem pensado e até votei a favor. Só que do ponto de vista do real valor do futebol, do valor emocional, histórico e de memória, é um projeto condenado.
Porquê?
Não há um sentimento regionalista, no que diz respeito à clubite. E o próprio presidente deixou cair a ideia e avançámos cada um no seu rumo histórico.
Quais eram os seus clubes na infância?
Nacional e Benfica. Agora sou 100% do Nacional e sou equidistante em relação aos outros clubes todos.
E craques da sua infância?
Cruijff. Lembro-me bem dele na final do Mundial-74. E lembro-me de ele inventar uns golos. Só ele mesmo. Tanto no Ajax como na Holanda. E é curioso assistir ao declínio do futebol holandês.
Curioso, porquê?
Tem muito a ver com o funcionamento político em relação à atividade, porque o governo holandês foi bastante duro nas medidas que tomou relativamente ao futebol, do ponto de vista fiscal, do ponto de vista do número de estrangeiros e do ponto de vista do salário mínimo a esses estrangeiros.
Deixem-me que gosta muito de ler.
Já li imenso, era obcecado por conhecimento, mas agora
Então, o que se passa?
Há três anos, fui alvo de uma agressão que me causou um traumatismo craniano. Admito, a partir dessa altura, a minha relação com o livro nunca mais foi a mesma.
Mas porquê?
Vivi um período em que não me senti bem comigo próprio e perdi esse hábito. Agora, o retomar o hábito ainda não aconteceu.
E o que foi essa agressão de há três anos?
Perdi o olfato e fiquei mal durante um tempo. Foi grave e colocou-me numa análise perante a vida e a existência humana num quadro diferente
Quem o agrediu?
Na altura, como era candidato à presidência liga, até pensei que tivesse a ver com isso, mas depois verifiquei que não. Foram três meliantes que me fizeram uma espera e provocaram-me a perda dos sentidos. Por uma razão que até hoje desconheço, apesar de um deles parecer ter estado na formação do Nacional.
Aqui na Madeira?
Sim.
Quantos dias no hospital?
Quatro. Depois voltei para exames e fiz tratamento. Foi um choque grande, enorme.