De um para quatro. Rui Tavares deixa de estar sozinho no Parlamento e garante que “o Livre sabe crescer e sabe crescer bem”, depois de uma vitória histórica para o partido de esquerda verde europeia, que conseguiu eleger dois deputados por Lisboa, um pelo Porto e outro por Setúbal. O Livre foi chamado “à tarefa de impedir que o autoritarismo ascenda ao poder”, afirmou o porta-voz do partido, aplaudido em apoteose no Teatro Thalia, em Lisboa, onde decorreu a noite eleitoral do partido. Sobre cenários a partir de dia 11 de março, notou umas “eleições muito disputadas que nos deixam ainda na incerteza“. “Não sabemos neste momento que configurações ou governabilidade podemos ter nos próximos meses”, acrescentou.

As suas primeiras palavras foram para “todos os que votaram no Livre”, mas singulariza “as minorias de qualquer género no nosso país” e também “as mulheres que, não sendo uma minoria”, viram o renascimento de ataques à sua autodeterminação durante esta campanha eleitoral. Dirigiu-se ao Chega para recordar que o autoritarismo renasceu em Portugal com “a escolha de uma minoria, que são os ciganos portugueses que vivem há 500 anos em Portugal e que são ainda objeto de um preconceito muito arraigado na nossa sociedade”. “É vil o que foi feito aos ciganos portugueses, o Livre está convosco e não vos largamos”, afirma. O partido conseguiu 199.890 votos, triplicando o número de votos em relação a 2022.

“Isto é a lição que o Livre deixa para o futuro. É possível estar nos debates e ser o partido que menos interrompe na Assembleia da República e o que mais propostas apresenta”, defende Tavares e aponta o dia de hoje como aquele em que foi atingida a “maré-alta” da extrema-direita em Portugal. Rui Tavares assumiu o leme do combate os “promotores do farsismo”, como o deputado reeleito chama há vários anos ao fascismo “disfarçado” do Chega. “Ninguém larga a mão de ninguém”, gritou perante as duas centenas de militantes presentes na noite eleitoral.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Rui Tavares dirigiu-se diretamente ao líder da Aliança Democrática para recordar as promessas que este deixou sobre o “não ser não”. “Espero que Luís Montenegro saiba que, se der a mão ao Chega, este vai acabar a devorar-lhe o braço”, afirma, aconselhando o PSD a “acordar e pensar o que faria Sá Carneiro nesta situação”. “Pelo menos que pensem com interesse. O Chega cresceu e o Livre cresceu, são duas opções muito claras de crescimento, essa opção de autoritarismo é esmagadoramente rejeitada neste país. Estaria a aliar-se a uma opção que seria rejeitada por quatro quintos dos eleitores”, nota.

Sem negar a legitimidade dos votos no Chega, referiu-se aos seus eleitores como “pessoas das nossas famílias, trabalhos e vizinhanças” e aponta que mantém a esperança que seja possível “convencê-los” a regressar ao voto democrático. “Ninguém larga a mão de ninguém”, repetiu a par com “não passarão”, acompanhado pelos militantes nas palavras de ordem.

As duas certezas do Livre e a critica velada à esquerda que podia ter feito mais

“Tínhamos duas certezas”, afirmou o deputado que hoje deixa de ser único. “Sabíamos que era verdade que havia espaço para a esquerda verde europeia e a segunda era de que que o Livre iria eleger um grupo parlamentar que vai trabalhar muito para servir o nosso país”, apontou.

A máxima adotada pelo Livre daqui em dia será clara, afirma o seu porta-voz: “O país antes dos partidos e as pessoas antes dos cargos”. A prioridade é o “futuro das pessoas“, destacando que conseguiram “provar que uma campanha feita de propostas e não com divisão, com amor e solidariedade, pode ser tão ou mais eficaz do que uma campanha baseada no medo”.

O Livre sempre foi mais pela cooperação do que pela eleição e Rui Tavares diz que é preciso “espírito de convergência e cooperação perante o autoritarismo” e deixa uma mensagem de esperança aos “jovens que podem estar temerosos” perante a subida da representação do Chega. Pede-lhes que se juntem ao Livre.”Venham amigos, nunca é tarde para descobrir”, apelou, para logo depois citar a António Variações e a “Canção do Engate”. “Tu estás livre e eu estou livre porque não estamos unidos”, clamou.

Sobre acordos à esquerda, admitiu que ainda não falou esta noite com os restantes líderes partidários. Nem com Mariana Mortágua nem com Pedro Nuno Santos, mas recordou o tempo da “geringonça que deu mais satisfação aos portugueses“, assinalando que as coisas “começaram a não correr bem quando ela acabou”. Destacou que a esquerda tem que colocar os olhos nas classes que procuram a sua ação: professores, profissionais de saúde e muitos outros.

O Livre quer “estourar o balão da extrema-direita”. É um balão com mais de um milhão de votos no Chega que poderia ter sido evitado se “os políticos tradicionais tivessem o sentido de responsabilidade suficiente para não cumprirem os mandatos até ao fim”, defendeu.

O engenheiro ambiental, a engenheira civil e o advogado. Os três que se juntam a Rui Tavares na Assembleia da República

Jorge Pinto é engenheiro do Ambiente, vive em Bruxelas, mas vai mudar-se para Portugal para exercer o cargo de deputado à Assembleia da República. Não esteve presente no Teatro Thalia, mas foi o primeiro a ser eleito e festejado pelos apoiantes do Livre. “Estou muito dividido entre o cumprir o sonho de criança de ser deputado e a notícia trágica de o partido da extrema-direita ter elegido 50 deputados“, afirmou através de uma vídeochamada a partir da sede do Porto, no final da noite. Além de engenheiro doutorado em filosofia social e política, com uma tese sobre republicanismo, ecologia e pós-produtivismo e autor de vários livros, um deles sobre o rendimento básico incondicional proposto pelo partido.

PORTO, PORTUGAL - JANEIRO 10: Debate para as Eleições Legislativas com os representantes dos partidos do distrito do Porto na Porto Business School. Jorge Pinto - LIVRE Foto: OCTAVIO PASSOS/OBSERVADOR

A seguir a Rui Tavares e já depois de a festa estar montada no Thalia, Isabel Mendes Lopes foi eleita. Reclamava-se “paridade”, uma das bandeiras do Livre, mas Isabel foi a única mulher eleita, terá três homens sentados ao seu lado no Parlamento. A deputada subiu ao púlpito, visivelmente emocionada e garantiu: “Temos um grupo parlamentar, e vamos continuar a crescer.”

A engenheira civil de 39 anos é especializada em transportes e mobilidade e até 2022 trabalhava na Infraestruturas de Portugal.”Acredito que as fronteiras não devem ser muros. E defendo que os bens comuns devem ser acarinhados e salvaguardados para o nosso bem comum”, refere na sua descrição na página do partido. Nas eleições autárquicas de 2021, Isabel Mendes Lopes foi eleita deputada municipal do Livre por Lisboa.

“Alentejano de nascimento, margem-sulense de criação”, é assim que Paulo Muacho se descreve. Foi eleito deputado do Livre por Setúbal esta noite, compondo o ramalhete de quatro deputados para o partido que adota o símbolo da papoila. É advogado e também deputado municipal pelo Livre desde 2017. “Vamos à luta”, disse o recente membro do grupo parlamentar do partido. Até agora e desde a sua criação, há dez anos, o Livre só tinha conseguido eleger deputados únicos — Joacine Katar Moreira em 2019 e Rui Tavares em 2022.

“Aderi ao Livre pouco depois do anúncio da sua criação, atraído principalmente pela mensagem europeísta e pela vertente ecologista. Sempre me considerei de esquerda mas nunca me senti representado pela esquerda autoritária nem pelo centro-esquerda”, descreve na sua pequena biografia no site do Livre.