Os objetivos do Governo estavam traçados e foi sem surpresa que os parceiros sociais receberam a maior parte das propostas do Executivo para o acordo de médio prazo de melhoria dos rendimentos. À mesa da concertação social, o Governo serviu dois pratos principais: aumentar o rendimento médio por trabalhador em 20% até 2026 e chegar a um acordo para a atualização do salário mínimo que permita a remuneração mínima garantida atingir os 900 euros em 2026.

Do menu, fizeram parte outras medidas de sentido único: a “melhoria, por um lado, dos rendimentos e dos salários dos trabalhadores e, por outro, da produtividade e da competitividade das empresas e da economia”, como se pode ler na proposta que o Governo entregou aos parceiros, a que o Observador teve acesso. Da subida dos salários ao aumento dos rendimentos via fiscalidade, foram estas as propostas do Executivo que vão servir de base à negociação que se segue.

Aumento de salários

Para que os objetivos propostos sejam alcançados, “estima-se ser necessário um Adicional Salarial de 1,3 p.p. – traduzindo-se numa valorização nominal das remunerações por trabalhador de 4,8% em cada ano, em média, nos anos 2023 a 2026″, refere a proposta do Governo. Esse adicional “representará um aumento de aproximadamente 20% do rendimento médio por trabalhador em 2026 face a 2022”.

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O Executivo explica que o peso das remunerações no PIB desceu de 47,7% em 2009 para 43,6% em 2015, tendo recuperado para 45,3% em 2019. E que apesar do crescimento em 5,6 p.p. da taxa de emprego até 2019 e da valorização dos salários, “o peso das remunerações no PIB apenas recuperou 1,7 p.p”, o que significa que Portugal “divergiu significativamente do padrão médio europeu até 2015”. Entre 2016 e 2019, apesar da recuperação, a média do peso das remunerações no PIB em Portugal foi cerca de 3 p.p. inferior à média europeia.

Já em junho de 2022, “as declarações de remuneração indicam que a remuneração base média atingiu 1.059€, configurando um aumento de 3,6% face ao ano anterior”.

Salário mínimo com adicional em 2023

A proposta do Governo prevê que o salário mínimo atinja “pelo menos” os 900 euros em 2026, “salvaguardando o poder de compra dos trabalhadores e assegurando a trajetória de crescimento iniciada em 2016”. Em 2023, o aumento do salário mínimo, que está nos 705 euros, deverá “assegurar um diferencial adicional para compensar os impactos da inflação”. O Governo comprometeu-se com uma subida para os 750 euros em 2023, o que se traduz num aumento de 6,4%, um valor abaixo da inflação esperada pelo Governo para este ano, que é de 7,4%.

O Executivo ressalva que o salário mínimo aumentou este ano 6% face a 2021, com a percentagem de trabalhadores abrangidos a diminuir 0,4 p.p.. No primeiro semestre, em termos médios, “o peso relativo do emprego com remuneração mensal de base igual à Remuneração Mínima Mensal Garantida (RMMG) fixou-se nos 24,4%, valor inferior aos semestres homólogos de 2020 e 2021, refletindo práticas e atualizações salariais para valores superiores ao da RMMG”, refere o documento.

Apoio à contratação de jovens

“Atrair e valorizar os jovens no mercado de trabalho” é um dos pressupostos do acordo de rendimentos, “quer através da melhoria da sua situação perante o emprego, quer da promoção da sua contratação, quer através do incremento do rendimento disponível”.

A proposta prevê, nesse sentido, quatro medidas. Por um lado, a reconversão do Fundo de Compensação do Trabalho (FCT) num Fundo de Apoio à Autonomização de Jovens Trabalhadores e reforço do Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho (FGCT).

Está ainda prevista a criação de um programa anual de apoio à contratação sem termo de jovens qualificados com salários iguais ou superiores a 1.268 € bem como o aumento do benefício anual do IRS Jovem, que atualmente isenta parcialmente os rendimentos do trabalho dependente dos jovens qualificados durante cinco anos.

A proposta inclui também a extensão extraordinária do Programa Regressar durante a vigência do acordo de rendimentos. O programa Regressar foi criado em 2019 e deveria ter vigorado até 2020, mas foi prolongado até 2023. Será, ao que tudo indica, novamente prolongado até 2026.

Atualização “regular” de escalões de IRS

Além do aumento dos salários, a proposta destaca que é necessário “concretizar medidas que atribuam mais liquidez aos trabalhadores e às famílias portuguesas, designadamente por via fiscal”. E que garantam que os aumentos dos salários “não se diluem através da carga fiscal, nem se traduzem em perdas efetivas no rendimento disponível”.

O Governo propõe, para isso, a “atualização regular dos escalões” de IRS “de forma a assegurar a neutralidade fiscal das atualizações salariais“. Aponta ainda para a “aproximação e, sempre que possível, eliminação da diferença entre a retenção na fonte de IRS e o imposto devido“.

Neste âmbito, é ainda proposta a “reformulação das regras de funcionamento do mínimo de existência” e a  “criação de um Incentivo de Regresso ao Mercado de Trabalho, direcionado a desempregados de longa duração“.

Neste capítulo, o Executivo quer um “aumento da remuneração por trabalho suplementar a partir das 120 horas“, que seja de 50% pela primeira hora ou fração desta e de 75% por hora ou fração subsequente, em dia útil, ou de 100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado.

Redução “seletiva” do IRC

A reivindicação das empresas é a redução do IRC em dois pontos percentuais, para 19%, mas a intenção do Governo é outra. Passa, antes, pela redução “seletiva” do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) “para empresas com contratação coletiva dinâmica, com valorização de salários e diminuição do leque salarial”.

A mesma redução seletiva de IRC deverá ser aplicada a “empresas que invistam em I&D, reforçando as condições do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE II) na componente do investimento direto”.

AInda neste este âmbito dos incentivos, o Governo propõe também a criação do Incentivo à Capitalização de Empresas (ICE), “fundindo a Dedução de Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR) e a Remuneração Convencional do Capital Social (RCSS), simplificando os incentivos fiscais à capitalização e ao investimento, por via de eliminação de redundâncias e limitações inerentes aos instrumentos atualmente existentes, e melhorando ainda o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI)”.

E também a “reformulação do sistema de reporte e dedução dos prejuízos fiscais no sentido da sua simplificação”.

Trabalhadores independentes livres de declaração trimestral

A proposta do Executivo salienta, por fim, “a necessidade de melhoria da relação entre o Estado e os Cidadãos e as Empresas e a criação de um ambiente de negócios mais favorável para fomentar um quadro de maiores ganhos de competitividade e produtividade”.

Com este objetivo de simplificação administrativa e eliminação de custos de contexto, o Executivo propõe criar o Regime Geral de Taxas e simplificar o regime que permite a regularização do IVA relativo a créditos de cobrança duvidosa.

Pretende-se ainda a eliminação da obrigação de comunicação mensal das declarações retributivas à Segurança Social por parte das entidades empregadoras e, para os trabalhadores independentes, a eliminação da obrigação de declaração trimestral à Segurança Social por parte dos trabalhadores independentes.

Deverão ser criados novos canais de pagamento à Segurança Social, nomeadamente online, o que permitirá simplificar o pagamento mensal. E conta-se eliminar e simplificar processos burocráticos “no âmbito da Reforma dos Licenciamentos, iniciada com a eliminação de licenças, autorizações, atos e procedimentos redundantes em matéria ambiental e a ser replicada noutras áreas como urbanismo, ordenamento do território, indústria, comércio e serviços e agricultura”.

Por fim, o Executivo sugere que a implementação e monitorização do acordo seja feita por um Grupo de Trabalho criado especificamente para o seu acompanhamento, que será composto por representantes do Governo e dos Parceiros Sociais. Será apoiado pelo Conselho Económico e Social e reunir-se-á pelo menos de seis em seis meses.