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A defesa de Ricardo Salgado dá vários exemplos, com documentos de prova, para tentar demostrar que não era Ricardo Salgado quem liderava o GES
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A defesa de Ricardo Salgado dá vários exemplos, com documentos de prova, para tentar demostrar que não era Ricardo Salgado quem liderava o GES

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A defesa de Ricardo Salgado dá vários exemplos, com documentos de prova, para tentar demostrar que não era Ricardo Salgado quem liderava o GES

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Salgado descreve capítulos da guerra com o primo para rejeitar título de Dono Disto Tudo

Na contestação que entregou ao tribunal, o ex-banqueiro do BES Ricardo Salgado descreve alguns capítulos da guerra que travou com o primo José Maria Ricciardi, testemunha fundamental do MP no Marquês.

Ricardo Salgado quer descolar-se do selo de “Dono Disto Tudo” (DDT) e promete mostrar em tribunal que não era ele quem liderava o Universo Grupo Espírito Santo (GES), como tem sido dado por adquirido. Na contestação que entregou em tribunal — no âmbito do processo autónomo que nasceu da operação Marquês por decisão de Ivo Rosa –, o ex-banqueiro descreve todos os nomes que faziam parte dos conselhos de administração das empresas do grupo, assim como algumas das suas decisões. Mas há um membro contra quem Salgado mais dispara: o primo José Maria Ricciardi, com quem travou uma guerra em 2013, depois de este o tentar afastar do BES — Ricciardi é uma das principais testemunhas de acusação do Ministério Público (MP).

Ao longo das 191 páginas da contestação que está agora a ser analisada pelo MP, e que levou ao adiamento do arranque do julgamento em que é o único arguido, Salgado quer provar que, ao contrário do que o acusam, não era ele a figura central do GES, nem da Espírito Santo International (ESI), detentora da Enterprises (considerada o ‘Saco Azul’ do BES), mas sim uma série de outras pessoas, entre elas o comandante António Ricciardi e Manuel Fernando Espírito Santo, que assinavam e celebravam contratos, cartas e outros documentos em nome da ESI — assim como, sublinha, o próprio primo José Maria Ricciardi, com quem se incompatibilizou em 2013.

“Não temos dúvidas de que, durante o julgamento deste processo, José Maria Ricciardi irá proferir um chorrilho de generalidades infundadas quanto à ‘gestão centralizada’ do GES  que se pretende imputar ao ora arguido”, escreve a defesa de Salgado.

José Maria Ricciardi irá proferir um chorrilho de generalidades infundadas quanto à 'gestão centralizadas' do GES  que se pretende imputar ao ora arguido.
Contestação de Ricardo Salgado

O ex-banqueiro acusa mesmo o Ministério Público de ter olhado “cegamente” para os problemas do seio do GES e de ter alimentado uma “fantasia”, uma “mentira pejada” e uma “narrativa oportunista” para o levar a julgamento como sendo o homem que controlava todo o Universo GES, quando ele era apenas um administrador não executivo. “Foi e é uma narrativa oportunista aproveitada por muitos para lograrem uma automática ‘ilibação’ dos problemas do GES e, infelizmente, seguida cegamente pelo Ministério Público, em manifesta violação dos seus deveres de objetividade e legalidade, pois é sempre mais fácil escolher o culpado do que apurar a verdade dos factos e dos documentos”, lê-se na contestação a que o Observador teve acesso.

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Para isso Salgado recua ao ano de 2013. Na altura o Conselho Superior do GES, que Salgado integrava, era presidido pelo clã Ricciardi — o presidente era o comandante António Ricciardi, pai de José Maria Ricciardi –, fazendo também parte do conselho José Manuel Espírito Santo e Ricardo Abecassis, Maria do Carmo Moniz Galvão Espírito Santo, Manuel Fernando Espírito Santo, Mário Mosqueira do Amaral e Pedro Mosqueira do Amaral.

José Maria Ricciardi deverá prestar testemunho em tribunal a 13 de julho

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

E foi numa das reuniões desse conselho, em novembro, que o primo, José Maria Ricciardi, tentou afastar Salgado do cargo de Presidente do BES e da ESFG (Espírito Santo Financial Group). Salgado diz mesmo que José Maria Ricciardi estava interessado em substitui-lo no cargo de CEO do BES e promoveu, então, a votação de uma moção de censura contra ele. No entanto, o Conselho Superior do GES não aprovou a moção (com Ricciardi pai a votar contra, mas não durante muito tempo).

Ainda em novembro de 2013, lembra Salgado ao tribunal que o vai julgar, José Maria Ricciardi fez um comunicado a dar conta de não ter dado um voto de confiança a Salgado. “E começaram a circular notícias de que José Maria Ricciardi iria ocupar ou ‘candidatar-se’ ao cargo de CEO do BES”. Desconfiado de que teria sido ele passar essa informação, Salgado ripostou e convocou uma reunião com o Conselho de Administração do BES para o afastar das funções de CEO do BESI.

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No entanto, nesse dia, e antes do início da reunião do Conselho de Administração do BES, o comandante António Ricciardi e José Manuel Espírito Santo anteciparam-se e opuseram-se. E Salgado, segundo conta, baixou as armas e desistiu da ideia de afastar o primo. Não só desistiu como, de seguida, transmitiu ao Conselho de Administração do BES “a falsa aparência de que as divergências com José Maria Ricciardi haviam sido sanadas”, como lembra que demonstra a ata dessa reunião.

O Grupo Espírito Santo Colapsou em 2014. Salgado foi constituído arguido em 2017

MARIO CALDEIRA/LUSA

Com este episódio, a defesa pretende mostrar que não era Salgado quem mandava no grupo. Aliás, já em 2014, conta ainda a defesa, os ramos familiares de Manuel Fernando Espírito Santo, do comandante António Ricciardi (e José Maria Ricciardi) e de Mosqueira do Amaral acabaram por fazer “um protocolo” para o afastar do cargo de CEO do BES, salientando para o efeito que os seus ramos familiares representavam a maioria do Conselho Superior. “Isto demonstra que não havia qualquer gestão centralizada pelo ora arguido do GES, nem este decidia os ‘destinos do GES’, atenta a preponderância dos demais membros do Conselho Superior do GES”, alegam os seus advogados.

Foi e é uma narrativa oportunista aproveitada por muitos para lograrem uma automática 'ilibação' dos problemas do GES
Contestação de Ricardo Salgado

Ao longo da contestação, que inclui também um perfil físico e psicológico de Salgado — que justifica as suas faltas de memória e o seu mal-estar pelo “escrutínio público –, a defesa faz uma exposição do que era o Grupo Espírito Santo, composto por centenas de sociedades (350) do ramo financeiro e não financeiro, dispersas por todo o mundo. Ricardo Salgado era CEO do BES e administrador não executivo da ESFG (a holding do setor financeiro) e era “impossível uma pessoa ‘centralizar’ a gestão do GES”, justifica.

“Além do ora arguido (que não era administrador da Enterprises), havia outros membros da família Espírito Santo e outras pessoas que davam instruções para a movimentação de fundos da Enterprises”, lê-se.

Aliás, a defesa explica mesmo a génese do tal Conselho Superior do grupo, criado pelos ramos da família Espírito Santo (e Mosqueira do Amaral), enquanto sócios da holding de topo do GES, a ES Control (que detinha mais de 50% da Espírito Santo International, — que, através da ESI BVI, detinha a Enterprises). E frisam que neste órgão familiar e parassocial todos tinham paridade de voto.

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Os advogados explicam ainda que o ramo não financeiro “pelo qual o arguido não era responsável” tinha uma “estrutura complexa”, cujos conselhos de administração só tomavam decisões com pelo menos a aprovação de metade dos seus membros. Em 2011, altura das transferências suspeitas que o colocam no banco dos réus, no âmbito da acusação da operação Marquês, faziam parte do Conselho de Administração da ES Control o Comandante António Ricciardi (Presidente ou Chairman), Mário Mosqueira do Amaral, Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo, Patrício Monteiro de Barros, Manuel Fernando Espírito Santo Silva, Pedro Queiroz Pereira, Jorge Leite Espírito Santo Silva, João Espírito Silva Salgado, Ricardo Abecassis Espírito Santo Silva, Miguel Abecassis Espírito Santo Silva, Roland Cottier e Domingos Pereira Coutinho.

Já à frente da ES International (que detinha a Enterprises) estavam: o comandante António Ricciardi (Presidente ou Chairman), Mário Mosqueira do Amaral (Vice-Presidente); Ricardo Salgado, José Manuel Pinheiro Espírito Santo Silva; Manuel Fernando Espírito Santo Silva; José Maria Espírito Santo Ricciardi, Ricardo Abecassis Espírito Santo Silva, Pedro Mosqueira do Amaral, Patrick Monteiro de Barros; Fernando Moniz Galvão Espírito Santo Silva; Martim Espírito Santo Quintela Saldanha; Bernardo Ernesto Simões Moniz da Maia; Aníbal da Costa Reis de Oliveira; João Espírito Santo Silva Salgado; Jorge Leite Faria Espírito Santo Silva; Domingos Espírito Santo Pereira Coutinho e Rui Manuel de Medeiros D’Espiney Patrício.

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Salgado garante que era administrador não executivo da ESI, ao contrário do que é referido na pronúncia assinada pelo juiz Ivo Rosa, até porque a ESI não tinha comissão executiva. E as suas contas eram assinadas pelos respetivos administradores: o comandante António Ricciardi (enquanto Presidente ou Chairman) e Manuel Fernando Espírito Santo Silva (por ser administrador responsável pela área não financeira).

Salgado transmitiu ao Conselho de Administração do BES “a falsa aparência de que as divergências com José Maria Ricciardi haviam sido sanadas”
Contestação de Ricardo Salgado

A defesa dá mesmo exemplos para tentar provar que esta cúpula era de facto quem liderava o grupo. Pegando em documentos que constam em processos de contra-ordenação do Banco de Portugal, lê-se na contestação que  “a ESI BVI pagou honorários inter alia ao comandante António Ricciardi, José Maria Ricciardi e Manuel Fernando Espírito Santo pelo exercício de funções no GES e no Conselho Superior do GES”. Foi o que aconteceu em 2013, por exemplo, em que a ESI BVI pagou ao comandante António Ricciardi honorários no valor de mais de um milhão de euros, enquanto José Maria Ricciardi recebeu mais de 112 mil euros (a somar à sua remuneração como CEO do BESI, em 2013, no valor de 606 mil euros). Já Manuel Fernando Espírito Santo recebeu mais de 355 mil euros.

Os advogados de Ricardo Salgado, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Mesmo a participação no capital social, alega a defesa, era a mais reduzida quando comparada com as restantes. Entre  2011 e 2013, Salgado detinha 15,349% do capital social da ES Control, “o que era uma participação social inferior a qualquer um dos outros três ramos da Família Espírito Santo”. Mesmo no GES, diz, era ele quem mantinha a “menor participação”.

“Dizer que o ora arguido seria o ‘DDT’ ou centralizaria tudo em si ou, ainda, que detinha os poderes necessários para este efeito é pura fantasia e apenas se compreende se quem faz essa afirmação não tem a mínima atenção ou rigor à realidade expressa pelos documentos”, conclui a defesa.

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