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Não há sanções finais. A parada pode subir sempre mais. Mas as sanções já impostas ao banco central russo são fortes. Os países, de qualquer forma, acabam por ter ideia do cardápio que têm disponível e vão avançando consoante os acontecimentos. Edoardo Saravalle, nascido em Itália mas com dupla nacionalidade, trabalha nos Estados Unidos, onde desenvolveu a sua atividade de investigador de sanções económicas, sendo igualmente especialista em segurança nacional e implicações geopolíticas no mercado da energia. Esteve no CNAS (Center for a New American Security), tendo trabalhado também na banca de investimento, no American Enterprise Institute e na Associação de Política Externa, e feito ainda parte do gabinete do senador democrata Jim Cooper. Recentemente tem trabalhado na comissão do Senado do sistema financeiro e do mercado de futuros. Licenciado em história, estudou ainda relações internacionais e direito.
Edoardo Saravalle dá, nesta entrevista ao Observador, a sua visão sobre o processo de sanções imposto pelos aliados contra a Rússia. E admite que o surpreendeu a rapidez com que foram tomadas as decisões. Admite que estes pacotes deverão infligir dano económico, mas é difícil prever os anos do impacto. Elogia o trabalho feito pelo departamento norte-americano que fiscaliza as sanções, admitindo que não é assim tão fácil contorná-las. Pelo menos neste caso.
Ficou surpreendido com o nível de sanções imposto contra a Rússia?
Diria que sim, embora, em relação às sanções específicas, soubéssemos que estavam em cima da mesa. Mas a rapidez com que foram impostas foi, definitivamente, surpreendente. Nunca houve uma rampa de lançamento tão rápida como a que vimos.
Foi algo sem precedentes?
Penso que foi sem precedentes. O que os Estados Unidos fizeram individualmente já tinham feito noutras situações, como terem sancionado o Banco Central do Irão. Mas a escala da economia russa é muito maior do que a iraniana e está muito mais ligada ao sistema financeiro internacional. A Europa tinha relações com o Irão, mas os Estados Unidos desligaram-se da economia iraniana ao longo de 30 anos, tendo levado à escalada de sanções. No caso da Rússia, embora tenha havido a imposição de sanções em 2014, no dia a dia ainda existia muita interligação. Por isso, nesse sentido, foi algo sem precedentes, como disse, pela rapidez e pelo choque económico. O Irão, que costumo referir, é o outro exemplo de sanções que atingiram uma economia grande com potenciais efeitos macroeconómicos, mas que foi tomada ao longo de um conjunto de anos. Enquanto no caso da Rússia as coisas aconteceram numa semana.
As sanções foram sendo anunciadas quase numa base diária. É a melhor forma?
No contexto sancionatório, foram efetivamente muito rápidos. E, especialmente na União Europeia, em que é necessário o acordo de 27 Estados-membros, há naturalmente limites sobre o que se consegue fazer. Fazê-lo em uma ou mesmo duas semanas e meia é provavelmente o mais rápido que conseguem. E porque também há que pôr isto por escrito. Por outro lado, perante a incerteza nomeadamente sobre o que acontece depois de se impor as sanções, quererão alguma flexibilidade para avaliar. Penso que, depois de cada sanção, haverá um período em que os governos quererão avaliar como o mercado reage, até porque há sempre coisas inesperadas. Por exemplo, depois de imporem sanções ao banco central aperceberam-se que os exportadores russos estavam a ser utilizados para sustentar o rublo. E, por isso, uns dias depois lançou-se um comunicado a dizer que isso não era permitido, ao abrigo das sanções impostas. Por isso, há sempre algum tipo de ajustamento e improviso à medida que a situação se desenvolve.
A Rússia é, segundo foi noticiado, atualmente o país mais sancionado a nível mundial. São efetivas estas sanções?
Bom, penso que o mais importante não é necessariamente o número de sanções, mas o que é alvo de sanções. Se fosse apenas uma sanção contra o banco central seria, mesmo assim, dos países mais sancionados no mundo em termos de impactos macroeconómicos. Mas é verdade que, havendo outras jurisdições a associarem-se às sanções — países como a Suíça, que geralmente não entram — torna-se definitivamente mais difícil para a Rússia travar a tempestade, já que cada transação que queira fazer ou qualquer caminho que queira tomar para contornar as sanções ficam mais complexos. É claro que o objetivo das sanções neste momento é impor danos à Rússia em termos económicos que levem a uma possível solução. Ou seja, há um ponto de vista técnico nas sanções, que é encontrar os alvos e levar a que seja mais difícil à Rússia continuar com relações económicas — mas depois há também sanções como instrumento diplomático. Penso que agora estamos na fase diplomática. Claro que se pode infligir mais dano à economia russa, mas agora o desafio é diplomático, é conseguir chegar a acordo com a Rússia. Veremos como corre. E penso que quer a Europa, a Ucrânia e os Estados Unidos estarão provavelmente, em conjunto, a tentar perceber o que querem da Rússia para que se possa chegar a acordo. E se as sanções resultam.
Poderemos ver nos próximos dias o estabelecimento de mais sanções?
Penso que pode haver mais sanções. A União Europeia acabou de anunciar mais [a entrevista foi feita no dia seguinte ao anúncio pela Comissão Europeia do quarto pacote de sanções], ou seja, pode haver mais sanções, e há ainda mais coisas a sancionar. Mas já se infligiu muita dor, pode impor-se mais, mas para que as sanções resultem não se trata do número de danos infligidos, mas também a capacidade de, através da diplomacia e negociação, converter a dor em resultado.
Na sua análise, qual foi a sanção até agora mais pesada? O bloqueio ao banco central russo?
Sim, sim. Definitivamente as que afetam os bancos centrais são as mais pesadas. As que tinham sido impostas uns dias antes pelos Estados Unidos contra os bancos russos já eram extremamente consequentes e, na altura, já dizia que eram uma medida forte.
A retirada do sistema Swift?
Não. A primeira dos Estados Unidos contra os bancos, nomeadamente contra o Sberbank e o VTB, que, para mim, é até mais relevante do que as transações via Swift. Mas, então, avançaram para o banco central e aí torna-se mais difícil para a Rússia controlar a sua economia e estabilizá-la. E, por isso, acho essa sanção a mais consequente.
Tem estudado os procedimentos sancionatórios. Há um portefólio de sanções que os países podem utilizar e que escolhem à medida que o tempo vai passando?
Não há necessariamente uma lista formal. Há muito tempo que os Estados Unidos impõem sanções, tal como a Europa. Mas, nas últimas duas décadas, os Estados Unidos, em particular, desenvolveram um programa mais efetivo de sanções e as sanções tornaram-se mais danosas economicamente. E têm sido aplicadas a uma variedade de países — Venezuela, Irão, Coreia do Norte, Rússia em 2014. E, portanto, ao entrarmos nesta crise os Estados Unidos conhecem uma série de opções e sabem que cada uma das opções tem diferentes níveis de efeitos. E, nesse sentido, pode ser visto como uma espécie de portefólio numa espécie de escada que se pode ir subindo para esticar as sanções à Rússia. Elevar as sanções de 2014 [estabelecidas com a anexação da Crimeia pela Rússia] para um nível dois ou três de densidade. Depende, também, do tipo de economia do país alvo. Por exemplo, no caso da Rússia banir as suas exportações de energia seria um nível 10, provavelmente até podia ser a sanção mais forte a impor. Mas, de um modo geral, os Estados Unidos têm uma ideia das medidas que podem tomar e os degraus que podem subir. Mas, como disse, neste caso o mais impressionante foi a rapidez e a quantidade de sanções que puseram logo em cima da mesa. Mas há sempre mais a fazer e, à medida que a crise revela pontos fracos, há outros cenários que se podem atingir.
Pode haver, então, mais sanções? Referiu as proibições de importações de energia russa. Os Estados Unidos e o Reino Unido, aliás, já impuseram essa sanção, mas a União Europeia não. Pensa que é a sanção final que se pode tomar ou não é fácil?
Nenhuma é a sanção final. Não há um nível de dano que leve, automaticamente, a Rússia a sair da Ucrânia. Mas há, decididamente, coisas que podem ser feitas que tornem cada vez mais difícil à Rússia estabilizar a economia e continuar. E eu diria que banir as importações de energia por parte da União Europeia faria uma enorme diferença, porque é a sua maior fonte de reservas externas. Mesmo isso deixaria à Rússia a possibilidade de exportar para outros locais, pelo menos o petróleo, porque o caso do gás é diferente. Por isso, há sempre forma de escalar. No caso do Irão, por exemplo, os Estados Unidos impuseram uma segunda vaga de sanções em que o objetivo foi impedir que algum outro país comprasse petróleo iraniano, não apenas os Estados Unidos e a Europa. Há, pois, sempre mais qualquer coisa que se pode fazer. Não acredito que haja tal coisa como a sanção final, porque há também sempre formas das economias se adaptarem, ainda que, a certa altura, claro, seja difícil ajustar mais estragos.
Temos visto os Estados Unidos e o Reino Unido a tomarem decisões antes da União Europeia. Já referiu a necessidade de ter de haver um acordo a 27. Mas parece que Estados Unidos e Reino Unido estão sempre um passo à frente. Porquê? Só pela questão de serem 27 Estados-membros?
Não é só isso. A Europa está muito mais exposta à energia russa, especialmente ao gás. Por isso, pondo de lado a questão dos 27, mesmo que fosse só a decisão de apenas um, seria sempre mais difícil tomar a decisão, porque está numa dependência maior da energia russa do que os Estados Unidos. Na Alemanha, neste momento, há um grande debate sobre o que fazer. E, por isso, é normal que esteja sempre um pouco atrás. A Europa, neste momento, tende a mover-se mais devagar porque tem muito mais em jogo.
Antecipa que a Europa pode avançar para essa proibição na energia? Ou é muito difícil que isso aconteça?
Não sei, mas é muito difícil, é muito difícil prever porque há muitas peças a moverem-se. Mas veremos. Devo dizer que fiquei surpreendido por ver que se admitia tal sanção, porque no início parecia mesmo fora da mesa. Mas, pelo que entendo da conversa alemã, parece haver uma divisão grande sobre o que fazer. Tanto a Europa como os Estados Unidos foram muito cautelosos em tirar a energia das sanções, inicialmente, o que sugeria que a energia era completamente intocável. Agora parece ser 50/50 ou pelo menos há uma divisão. As coisas movimentaram-se muito rapidamente no terreno e o que está a acontecer na Ucrânia, com ataques a civis, pode levar a mudanças sobre até onde a Europa está disposta a ir. E isso desempenha um papel relevante.
Em 2014, houve a anexação da Crimeia pela Rússia. Não se podia antecipar que iria acontecer mais alguma coisa? No entanto, o gasoduto Nord Stream 2 só começou a ser construído em 2018, depois dessa anexação. A Europa leu mal as intenções de Putin e tornou-se vulnerável ao poder russo?
A decisão de avançar com o Nord Stream 2 tornou a Europa mais vulnerável. E a UE podia ter aproveitado esses oito anos para diversificar o seu fornecimento de energia, quer através de fontes alternativas quer através da descarbonização. Se tivessem aproveitado esses oito anos para diversificarem, a Europa estava agora numa situação muito diferente na sua preparação e nas opções para atacar a Rússia. O debate, provavelmente, não seria tão difícil se a Alemanha e outros países europeus não estivessem tão expostos à energia russa. Mas acrescento que, infelizmente, é impossível discutir sanções sem contextualizar com questões políticas e económicas internas. O entendimento e o conhecimento da exposição potencial não eram suficientes para promover novos investimentos em infraestruturas energéticas ou na descarbonização, mas isso depende de geopolítica, depende de outras questões que fazem com que seja difícil gastar dinheiro na Europa. Também há que ter em consideração as preocupações dos eleitores domésticos e quem puxa pelo quê.
Mas é importante que os aliados estejam juntos, certo? Por isso, tendo em conta que um bloco como os Estados Unidos e o Reino Unido impuseram restrições nas importações de energia e a União Europeia não, pode haver danos colaterais nos objetivos que os aliados querem atingir?
Penso que neste momento não, pelo menos do ponto de vista dos Estados Unidos, que também é um grande consumidor de energia mas que não seria tão afetado como a Alemanha e a Europa. Apesar de poder criar alguma divisão, e no curto prazo até pode criar fricção, porque há que haver realocação dos fluxos petrolíferos. O petróleo destinado aos Estados Unidos irá para outro sítio. E as rotas de fornecimento têm de ser redefinidas. Mas, no geral, não é uma grande preocupação para os EUA. As sanções podem causar uma divisão transatlântica, com as companhias europeias a ficarem numa posição difícil por não saberem se devem cumprir a lei europeia ou a norte-americana. Por exemplo no Irão, quando os Estados Unidos reimpuseram as sanções, as companhias europeias ficaram numa posição difícil, porque podiam transacionar com o Irão mas viram-se forçadas a não o fazer, porque caso contrário poderiam perder acesso ao mercado norte-americano. Por isso, este tipo de sanções criam tensões reais no relacionamento transatlântico. Mas, neste caso das sanções petrolíferas impostas pelos EUA, não considero que coloque as empresas europeias nessa posição difícil e não cria a mesma fricção.
As economias tendem a ajustar-se às sanções
Já referiu que, no caso do Irão, a sua economia ajustou-se às sanções. Não pode acontecer o mesmo na Rússia, com um ajustamento económico do país para que as sanções acabem por deixar de atingir tanto?
O caso do Irão é útil, porque nos chama a atenção para o facto de que as economias não colapsam simplesmente. Crescerão menos ou encolherão, mas a economia não desaparece, continuará a haver consumidores e fornecedores. A maior parte das companhias continuará, possivelmente, a ser apoiada, mesmo que a Rússia deixe de exportar, porque continua a utilizar internamente muita energia. E, em certa medida, estas economias têm mecanismos internos a funcionar que podem ser ajustados mesmo com um corte dos mercados ou da economia global. É um bom exemplo para nos dar humildade sobre as expectativas de danos no longo prazo provocados pelas sanções. Estive a observar a economia russa e a Rússia estava a executar uma política orçamental muito restritiva, fortalecendo a economia e preparando-a para o impacto das sanções. A Rússia acumulou reservas, não emitiu dívida e teve grandes excedentes orçamentais, o que, por outro lado, a pode ter deixado enfraquecida na procura interna.
Muitas das sanções russas são semelhantes às do Irão. Que lições podem aprender-se do caso do Irão para na Rússia se tornarem mais efetivas?
Uma das coisas para ser mais efetivo é ser o mais multilateral possível. A China, por exemplo, nunca foi totalmente um parceiro nas sanções iranianas, mas reduziu as importações de petróleo. Aconteceu o mesmo com outros países. O multilateralismo é, possivelmente, a grande lição se quiserem aumentar os danos. Será ligeiramente diferente do caso iraniano porque haverá uma turbulência imediata muito maior na economia russa, porque o desenrolar das sanções foi muito rápido. No caso do Irão, em 2015 pressionou-se a economia a ponto de se chegar a um acordo, acordo que, pelo menos internamente nos EUA, não foi visto como perfeito, mas chegou-se a um acordo. Essa lição de juntar muitos países — não sei, agora, que tipo de coligação é possível nas negociações — e juntar o mundo para se tentar uma solução será muito importante.
Já mencionou o papel da China, que terá aqui relevância porque não impôs qualquer sanção à Rússia. A China pode ser o porto seguro para a economia russa e permitir minimizar as sanções?
Tem havido muitas notícias sobre a Rússia e a China, a situação pode estar a mudar. Vamos ver. Em relação à pergunta, por um lado potencialmente sim. Há uma análise interessante comparando o caso do Irão, que tinha uma exposição muito maior à China, em termos de comércio, antes das sanções, do que a Rússia. Então, teoricamente, há mais potencial para a Rússia virar a sua economia para o leste, porque as suas relações não são tão profundas com a China quanto poderiam ser. A China disse que não queria ser constrangida pelas sanções. A meu ver há dois limites. Primeiro, em alguns casos, mesmo que a China quisesse fazer algo, fisicamente não conseguiria porque não tem infraestrutura, pelo menos no curto prazo. O exemplo mais extremo é o gás. Se a Europa parasse de comprar gás, a Rússia não poderia enviar todo o gás para a China, porque precisa de infraestruturas para isso, o que leva algum tempo a construir. O mesmo para algumas transações financeiras, mesmo cortando a Rússia do Swift, tendo a China o seu próprio sistema e as suas próprias condutas financeiras, mesmo assim podem não ser os adequados para salvar ou ajudar a Rússia nas quantidades necessárias. Segundo, há o governo chinês, mas também há negócios chineses. E uma das coisas que vimos nessas sanções é que as empresas foram extremamente cuidadosas e com medo de cometer alguma brecha nas sanções. Por isso, mesmo que as empresas chinesas tenham permissão para relações com as entidades russas podem não querer lidar com a Rússia apenas por serem extremamente avessas ao risco. Com o tempo, o governo chinês pode encontrar maneiras de contornar isso, mas levaria tempo.
O Ocidente não pode impor sanções à China para prevenir esse tipo de relacionamento com a Rússia? Ou é muito perigoso?
Os Estados Unidos podiam, mas não sei se quereriam porque isso podia resultar no risco de juntar mais a China com a Rússia num bloco económico. Por isso, penso que seria mais provável haver avisos sobre o envolvimento das empresas chinesas do que algo mais severo que pudesse sair pela culatra.
A Rússia pode avançar com contra-sanções?
Bom, penso que pode ir muito longe. Teoricamente, a Rússia pode suspender as suas exportações de matérias-primas antes de o Ocidente banir as importações. Como acontece em todas as sanções, estas situações têm, sempre, um custo para quem as impõe. Por isso, penso que a Rússia teria de pensar muito bem antes de avançar com alguma coisa nesse sentido. Mas, pondo de lado a energia, a Rússia é um fornecedor-chave de muitas outras matérias-primas.
E estão a impor restrições de exportações nessas matérias, o que pode ter impacto. Mas estas sanções à Rússia podem resultar numa escalada de retaliação militar?
Sim, pode. Há uma discussão entre os especialistas em ciência política sobre se devemos pensar nas sanções como uma arma de guerra ou uma arma de paz. Mas, pelo menos neste contexto, as sanções são especificamente uma resposta a uma invasão militar. A Rússia avançou no terreno e na escalada. E ouviu as declarações da Rússia de que havia sanções que eram um ato de guerra e de aumentar a prontidão nuclear. Portanto, há esse risco. Talvez menor do que avançar com uma zona de exclusão aérea [no fly zone — medida que tem sido pedida pela Ucrânia] que acabaria por ser mais militar, mas mesmo assim há o risco, especialmente no momento em que as sanções levassem a uma grande instabilidade dentro da economia russa e do sistema político russo.
EUA têm muita experiência em fiscalizar sanções
Como é que se fiscalizam as sanções? É fácil?
Sim e não. O governo dos Estados Unidos é extraordinariamente bom a fiscalizar sanções. Já o fazem há muitos anos. Honestamente, é surpreendente para um gabinete tão pequeno dentro do Departamento do Tesouro. Tornaram-se muito bons, mas podiam crescer e até melhorar. E têm muita experiência. Estou certo que a Rússia vai desenvolver formas de evasão das sanções, mas por enquanto a maior parte da economia russa estava aberta. Por isso, pelo menos no princípio foi bastante fácil. Os Estados Unidos são bons na fiscalização, mas como há muito risco e muito receio na comunidade empresarial, muitas vezes nem é preciso fiscalizar muito porque as entidades acaba por automaticamente cumprir as sanções nos seus negócios. Por isso, em muitos casos as empresas simplesmente nem tentam contornar as sanções. Mas, com o tempo, e especialmente se as sanções durarem muito, os Estados Unidos terão, com certeza, de utilizar os seus serviços secretos e o Departamento do Tesouro para verificar de que forma se está a tentar fugir às sanções.
Tem havido muita discussão sobre a possibilidade de contornar essas sanções com a utilização de criptomoedas e criptoativos. Além disso, há muitos bens de oligarcas, por exemplo, que estão em offshores. O que parece tornar fácil contornar essas sanções.
Não necessariamente. O facto de terem bens fora do país, sinceramente, até pode tornar mais fácil a vigilância. Em termos financeiros, muitas operações passam pelos Estados Unidos ou pelos grandes centros financeiros de uma maneira ou outra, o que pode tornar mais fácil impedir a evasão. E, por outro lado, o facto de haver uma coligação tão grande pode tornar mais difícil fugir.
Mesmo quando os bens de oligarcas, ou mesmo de Putin, estão em offshores? Não é mais difícil atingi-los?
Não necessariamente. Para iates e coisas assim é relativamente fácil. E se estivermos a considerar paraísos fiscais pode até certo ponto ser difícil, mas há formas de rastrear. Pode haver anonimato, o que pode dificultar, mas esse tipo de ativos, embora permitam evasão, não farão a diferença nas sanções à Rússia. Podem ter muitos milhões de dólares, mas os ativos individuais não conseguiram sustentar o rublo ou garantir que a Rússia não entra em incumprimento, portanto esses grandes impactos não serão atenuados por ativos em offshores detidos por oligarcas.
Nem pelas criptomoedas ou criptoativos?
Penso que não. Há muita conversa à volta disso porque há muito interesse e é algo novo. Mas os exemplos de tentativas de fugir às sanções através de criptomoedas no caso do Irão e da Venezuela fracassaram. E não há infraestrutura suficiente para isso. E em muitos casos, quando as pessoas pensam nas cripto e no blockchain e na descentralização, na prática é mais normal do que se pensa que as transações passem por aplicações centralizadas que têm de cumprir com as sanções. Se quiser comprar bitcoin provavelmente vai fazê-lo através de uma exchange, que provavelmente tem de cumprir com as sanções.
É interessante perceber que tanto o Irão como a Venezuela são países, eles próprios, sancionados. Mas agora, por causa da Rússia, podendo ser necessário o seu petróleo, as sanções sobre eles podem ser atenuadas. É um processo contínuo em movimento?
Quantos mais países ficarem sujeitos a sanções, mais complicações podem surgir. A Rússia, ainda agora, exigiu continuar a ter relações comerciais com o Irão mesmo com as sanções por causa da Ucrânia. [Nota: A Rússia faz parte do grupo de países, conhecido como P5+1, constituído em 2006 pela Alemanha, China, EUA, França, Reino Unido e Rússia, que se juntaram para negociarem o programa nuclear com o Irão. Os Estados Unidos, entretanto, na Administração Trump retirou-se das negociações, mas os restantes países estavam prestes a fazer novo acordo com o Irão.] Definitivamente, agora as coisas podem ficar mais complicadas. Mas é preciso lembrar que, em última análise, as sanções são um instrumento de política externa americana e o que releva, por isso, é responder aos interesses da política externa e encontrar forma de trabalhá-los.
As pressões internas também podem pesar no lado dos aliados
As sanções podem infligir dano à economia russa, mas também estão a ter impacto nas economias ocidentais, especialmente por causa dos preços das matérias-primas. Isso pode ser um golpe para as sanções?
Definitivamente. As sanções, tal como qualquer outra ação do governo, estão sujeitas a pressão política interna. E pode chegar um momento em que a população considere que as sanções estão a ser muito dolorosas para si, porque o preço do gás é muito alto e não estão para isso. Está a acontecer noutros casos. Mas não sabemos o que vai acontecer. Mas, por exemplo, na Venezuela aumentar o fornecimento do petróleo foi visto como mais importante do que o objetivo das sanções. Então, definitivamente, sim. Embora seja impressionante a forma como ambos os lados do Atlântico têm estado tão comprometidos em defender a soberania ucraniana. Mesmo sendo assim, vê-se o debate na Alemanha sobre as importações de energia. É impossível pensar nestas medidas apenas em termos geopolíticos, temos de pensar nas preocupações políticas internas.
Existem sanções inteligentes?
Sanções inteligentes pode significar várias coisas. O termo foi criado, nos anos 90, por haver muitos desacordos sobre sanções e houve muitos programas sancionatórios que falharam porque causaram grandes danos humanitários com poucos resultados políticos. E, por isso, nas sanções inteligentes vai-se atrás de indivíduos. A ideia era não aplicar sanções que levassem à fome da população ou algo assim, mas em vez disso que atingissem duramente os ativos de um líder corrupto ou de um ditador. E depois há um segundo sentido de sanções inteligentes que visam alvos específicos que terão um grande efeito económico, tentando minimizar o efeito humanitário. Mesmo as sanções contra os bancos são menos extremas e invasivas do que as limitações às importações em que um país ficaria impedido de comprar quaisquer bens aos sancionadores. Nesse sentido, são mais direcionadas porque pensam mais onde pode exercer influência sobre a economia sem visar diretamente a população. Por isso, os Estados Unidos não impuseram sanções à população, puseram sanções à economia, mas de certa forma, é diferente do passado em que se fechava de tal forma a economia que causava fome generalizada, por exemplo.
Isso não está a acontecer neste caso?
Acho que não. As medidas foram tomadas para causar danos extremos na economia. E claro a população russa, infelizmente, vai sofrer com isso. Quando um país aumenta as taxas de juros para 20%, isso vai prejudicar a população. Mas eu acho que é diferente de casos como o embargo como houve ao Iraque nos anos 90, que resultou em fome massiva. Os Estados Unidos e especialmente a administração Biden, quando entrou mostrou-se descontente pela forma como o governo de Trump executou as sanções. E durante o primeiro ano lançaram, no final de 2021, uma revisão de sanções com o objetivo de repensar a forma como os Estados Unidos as impõem . E uma das coisas era ficarem muito mais alerta sobre o impacto humanitário das sanções. Ao longo do tempo, viu-se a eliminação de energia, mas também a eliminação das sanções a medicamentos e suprimentos humanitários para garantir a minimização do dano humanitário das sanções dos EUA.
Portanto, agora as sanções económicas não são tão letais como a ação militar?
Esse é o objetivo.
E sempre é mais fácil a um político assinar um papel com sanções do que ir para o terreno combater militarmente.
Definitivamente. Mas mesmo deixando de lado a facilidade, acho que também é mais responsável até pelo risco de escalada do conflito por exemplo numa confrontação NATO/Rússia. Mas definitivamente é fácil e os Estados Unidos impõem sanções de forma tão frequente por ser fácil. Mas penso também que é uma resposta responsável nesta situação.
Quanto tempo pode decorrer até vermos se as sanções têm um real impacto na economia no caso da Rússia?
Penso que vamos começar a ver. Demora um pouco a ficar claro. Os efeitos levam o seu tempo. E é impossível saber quanto tempo as sanções vão manter-se, mas pelo menos durante um ano ou ano e meio continuaremos a ver efeitos e novos pontos de pressão.