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Os Wu-Tang Clan atuaram pela primeira vez em Portugal
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Os Wu-Tang Clan atuaram pela primeira vez em Portugal

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Os Wu-Tang Clan atuaram pela primeira vez em Portugal

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

SBSR. Inscrevam os Wu-Tang Clan e Sampa The Great na história deste festival

Ao segundo round, além do hip-hop, o Super Bock Super Rock dançou ao som do funk de Nile Rodgers e vibrou com os The 1975. Caroline Polachek encantou no palco secundário.

20 mil pessoas passaram esta sexta-feira pelo festival Super Bock Super Rock, no Meco, e muitos foram denunciados pela t-shirt. Só tinham uma coisa em mente: Wu-Tang Clan. Afinal, a espera foi longa. Considerado por muitos como um dos maiores grupos de hip-hop de sempre, desde o seu álbum de estreia, Enter the Wu-Tang (36 Chambers), há precisamente 30 anos, o coletivo de Staten Island nunca tinha atuado em Portugal.

Formados em 1992 nos subúrbios de Nova Iorque pelo produtor RZA e os “rappers” GZA, Method Man, Raekwon, Ghostface Killah, Inspectah Deck, U-God, Masta Killa e Ol ‘Dirty Bastard (que morreu em 2004), os Wu-Tang Clan, que hoje contam também com Cappadonna, mostraram não ter perdido energia ou vigor três décadas depois, não desapontando os fãs chegado o tempo de explodir ao som de faixas como “Wu-Tang Clan Ain’t Nuthing ta F’ Wit”, “Bring the Ruckus” ou “C.R.E.A.M.”.

Perante uma plateia composta por várias faixas etárias — com os nascidos nos anos 1990 a assumir mais preponderância — o grupo histórico do hip-hop, que não edita um disco de originais há quase dez anos, fez uma escolha segura para uma estreia absoluta (e também última data da digressão europeia): desfile de sucessos, de “Run” a “Tears” até chegar a “Triumph”.

Até a chuva apareceu para dançar sem que ninguém vacilasse em busca de abrigo. RZA, líder da banda — que tem entre outros feitos dignos de nota o facto de ser o responsável pela banda sonora do mítico “Kill Bill Vol. 1”(2003) ou ser a inspiração para o nome do pequeno rebento de Rihanna e A$AP Rocky — foi eficaz na gestão do ânimo do público a quem foi pedindo “aquela energia do hip hop dos anos 90”.

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Cada mensagem de ordem foi acedida, fosse isso lanterna do telemóvel no ar para uma foto “para o Instagram”, ou o alegórico “W” formado com as mãos. “Wu-Tang Forever”, prometeram, antes de apelar à paz, numa saída apressada que soube a falta de um encore.

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

África, onde a música nasceu

“A música é a língua materna de Deus. / Aliás foi isso que nem católicos nem protestantes entenderam, que em África os deuses dançam.” É provável que Mia Couto não conheça Sampa The Great, mas as palavras do poeta-escritor cruzam-se naturalmente com as lutas de Sampa Tembo. O pan-africanismo absorve múltiplas vozes, do presente, passado e futuro, brota do solo ermo como as primeiras plantas a nascer depois de uma catástrofe natural. Nada o contém.

“Oh, we’ve been working this shit since the origin”, recorda em “Bona”, depois de lançar uma saudação “Black Sugar” à plateia e agarrando-se ao microfone, vestido com a bandeira da Zâmbia, pelourinho de muitas importantes conquistas. Foi com esta bandeira que Sampa The Great liderou a sua banda totalmente zambiana pelos palcos do Glastonbury, do Coachella e da Opera de Sydney. “Estamos a fazer história e vocês são parte dela”.

A história começou a ser escrita na Austrália, quando Sampa lançou The Great Mixtape, em 2016, mas foi principalmente com os álbuns As Above, So Below (2022) e The Return (2019) que fez as delícias daqueles que a viram nesta noite. “Não há problema se não me entenderem, desde que me sintam”, disse, referindo-se aos temas que iria interpretar em Setswana, a língua nativa do Botswana, país onde viveu antes de se mudar para a terra dos aussie.

Sampa The Great e a sua banda da Zâmbia atuaram pela primeira vez em Portugal

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Inspirada pela cantora, compositora e produtora Angélique Kidjo, “um exemplo para todas as mulheres jovens africanas, como eu, que nos mostrou que podemos fazer o que quisermos”, Sampa Tempo agrega na sua música o rap, o trap e as guitarras e os ritmos da kalindula, estilo tradicional do centro-sul africano. Se fecharmos os olhos, por vezes parece que ouvimos Erykah Badu a lançar-nos mensagens de união, outras, como em “Shadows”, o transe meditativo de Alice Coltrane.

“A nós, mulheres negras, estão-nos sempre a dizer como nos devemos comportar” e, cansada de imposições, Sampa The Great escreveu “Black Girl Magik”, a pensar na irmã mais nova. “She is beautiful just the way she is”, declara, com a irmã bem li atrás, dando corpo às back vocals do concerto. Ainda haveria tempo para “Mawana”, “Tilibobo”, manifesto do quão bom é estar a partilhar momentos importantes com outros seres humanos, e para a pulsante “Final Form”.

A música, lembrou-nos, nasceu em África e, sendo a música amor, também o é África. Somos todos africanos, somos todos feministas, como diria Chimamanda Ngozi Adichie, mais uma voz que ali se escutou, implicitamente. “Foi a nossa primeira vez em Portugal, mas não será a nossa última vez”. A história continua.

Sam The Kid percebeu o peso que este dia teria. “Hoje vai ser uma noite histórica para todos nós no rap”, antecipava horas antes, ao inaugurar o palco principal com uma orquestra de cordas dirigida por Pedro Moreira e Orelha Negra (DJ Cruzfader, Francisco Rebelo, Fred Ferreira e João Gomes). “Está aí Wu-Tang Clan. É uma honra”, disse o rapper de Chelas, que durante uma hora fez uma verdadeira “Retrospectiva De Um Amor Profundo” ao rap em português. Chegou vestido em branco integral, bucket hat incluído, qual líder espiritual, e a primeira oração foi “A Partir de Agora”, do disco Pratica(mente) (2006). Fê-lo acompanhado pelo pai, Napoleão Mira, que pontualmente surgiu em palco para declamar poesia, tal como havia feito em Paredes de Coura no último verão. “É o pai mesmo?”, ouvimos uma jovem a perguntar. A presença do pai tem sido nos últimos tempos recorrente nos concertos do artista, mas não é recente a influência na obra de Sam The Kid — é, aliás, dele a autoria dos títulos dos discos Entre(tanto), Sobre(tudo) ou Pratica(mente).

Samuel Mira fez-se acompanhar não apenas pela família de sangue, mas também a musical para voltar a hinos como “Juventude (É Mentalidade)”, cantada a meias com NBC, “Tu Não Sabes”, ao lado de Mundo Segundo, ou “Solteiro”, com Regula, quase irreconhecível quando surgiu de boina, pólo e calções. Foi um desfile de convidados-protagonistas de capítulos da história do rap português. “Este homem mudou as nossas vidas”, disse NBC sobre o autor de “Poetas de Karaoke”, clássico guardado para o fim do concerto, que pôs o público a cantar verso atrás de verso. “Ter a profissão não é missão, é consequência”, escutamos já na finalíssima “Sendo Assim”, saída do disco Mechelas (2018). Uma das consequências tornava-se então evidente: a preferência dos que se encontravam no Meco, deixando os Glockenwise, com a sua “Vida Vã”, a tocar para uma plateia ingloriamente árida, até que Samuel abandonasse o palco principal.

À semelhança do que fez no último verão em Paredes de Coura, Sam The Kid apresentou-se em palco com muitos convidados, entre eles o pai, proporcionando um dos momentos mais emotivos do dia

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

No outro extremo do recinto só se viam meia dúzia de almas plantadas, quais figuras bizarras do Museu de Santa Maria de Lamas, que fazem a capa de Gótico Português. Os fãs, embora poucos, mostraram-se dedicados, cantando com Nuno Rodrigues cada linha de “Natureza”, mesmo com Nuno a enganar-se na letra. “Desculpem lá”, disse. Quem notou, não se importou, não havia tempo a lamentar. “Só temos 45 minutos para tocar, portanto só vamos tocar”. Força então.

No fundo do palco, a estética de Gótico Português, dominante no alinhamento, pintava-se de azul integral sempre que havia uma incursão por Plástico (2018), fosse em”Moderno” ou em “Corpo”, bateria sovada e guitarras rasgadas como manda o bê-á-bá do rock. Pouco a pouco, quase de mansinho, foram surgindo curiosos que, uma vez estabelecidos, não mais quiseram arredar pé dali. A coisa estava a começar a ficar composta.

Quase no final, Nuno pediu para que nos chegássemos à frente e os corpos, então, ligaram-se em definitivo à corrente. O ambiente ficou quentinho e a derradeira “Calor” trouxe o vocalista franzino para as grades. Era a catarse total, a prova de que estes rapazes se fazem cada vez maiores na cena nacional, à margem de todas as lógicas de mercado. “Somos os Glockenwise, uma banda de Barcelos”, despediram-se, em jeito de manifesto. Ide em paz, suas queridas bestas, e que Rosa Ramalho vos abençoe.

Nile Rodgers & Chic transformaram o Super Bock Super Rock num club de funky-disco

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Vínhamos ainda a sacudir o pó do concerto dos Glockenwise, quando fomos inundados por uma onda de amor vinda dos tempos mágicos da disco. “I want your love”, cantavam os Chic, banda formada em 1972 por um Nile Rodgers que, aos 70 anos, continua a sacar um funk gostoso da guitarra. Durante uma hora, o palco principal do Super Bock Super Rock foi uma pista de dança de purpurinas e de celebração de alguns dos maiores “hits” da história da pop mundial.

“Não sabia que ele tinha estado por trás destas músicas todas”, comentou um rapaz delirante na plateia, vivendo em êxtase este medley de sonho. Rodgers, lembraria mais à frente – já depois de ter passado por “I’m coming out” e “Upside down”, de Diana Ross, e “Like a Virgin” e Material World”, de Madonna – que venceu seis Grammys. O mais recente dos quais foi-lhe entregue pela parceria assinada com Beyoncé, para o álbum Renaissance (2022). Venha de lá essa “Cuff It”.

Num final de tarde que parecia teimosamente nublado, o sol lá apareceu, à boleia dos Daft Punk e de Random Access Memories, o primeiro álbum de dance music a ganhar o Grammy de melhor disco do ano (2014) desde o Saturday Night Fever (1977) dos Bee Gees, lembrou Nile Rodgers. Daí vieram “Get Lucky” e “Lose yourself to dance”, um abraço para Pharrell Williams e o sorriso a não descolar da cara dos muitos que, naquele momento, se converteram em eternos discípulos do funk. Houve ainda tempo para David Bowie, com “Modern Love”, e para a derradeira “Good Times”, um dos sons mais samplados de sempre e, arriscamos, mais viciantes de sempre. Findado o concerto, todos ali se tornaram família.

Do delírio The 1975 à sedução de Caroline Polachek

Para muitos, este segundo dia de Super Bock Super Rock acabou com Sampa The Great. Para outros tantos, começou com The 1975. De tal forma se sentiu esta clivagem que, quando Matty Healy subiu ao palco principal, com a sua apetrechada banda de Manchester, parecia que tínhamos entrado noutro festival. A plateia, onde outrora estavam os devotos de Wu-Tang Clan, transformou-se numa gigantesca claque de cheerleaders.

Sim, o público era maioritariamente feminino e nem foi preciso um estudo de mercado para o perceber: sempre que Healy se aproximava do microfone, ouviam-se os gritos das muitas mulheres crescidas que, durante uma hora, voltaram aos corredores da escola secundária e às estrelas pop dos posters da Bravo colados nos cacifos.

The 1975 regressaram ao Super Bock Super Rock, festival onde se estrearam em Portugal há quatro anos.

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Matty Healy tem este ar de bad boy, de rei lá do liceu, que é o arquétipo de toda a paixão assolapada de adolescência. Ele parece viver muito bem com essa fama, alimentando-a sem qualquer pudor. Ao segundo tema, “Happiness”, acendia o primeiro cigarro de muitos e atirava-se ao cantil de whisky como um náufrago a uma garrafa de água.

Aliás, se havia algo bastante notório no vocalista dos 1975, era o seu estado de embriaguez. Numa escala Julian Casablanca de zero a dez, daríamos a Healy um seis. Porém, há que conferir justeza a esta observação: não foram os olhos semicerrados nem a garrafa de vinho na mão (substituto do cantil, quando este ficou vazio) que comprometeram a prestação de Matty Healy em palco. Ele, envergando uma bata branca de médico, qual Dr. Strangelove da fórmula-canção pop-punk-eletro-teen, manteve sempre o concerto aceso.

A isso se deve também, e muito, à completíssima banda de percussões, teclados, sopros, sintetizadores, guitarras que encheram o palco e deram o prestígio de cabeça de cartaz a um nome que vem crescendo em popularidade a cada novo álbum. O último, Being Funny in a Foreign Language (2022) dominou os primeiros minutos, mas foi quando se ouviram faixas como “I Always Wanna Die (Sometimes)”, “Somebody Else” ou “It’s Not Living (If it’s not with you)” que o delírio se instalou.

“Give Yourself a Try” antevia o final da atuação, mas percebendo que ainda tinham muito tempo para tocar, os 1975 galoparam por mais uma série de êxitos, como a politizada “Love It If We Made It”. Na despedida, embrulhada em “Sex” e em total histeria, Matty Healy agradeceu a presença de todos. “Vemo-nos para o ano”, prometeu, para desmaio de emoção das primeiras filas. Quem esperava beijos na boca, flexões em palco ou outro tipo de exibicionismos, dentro da vasta gama que Healy gosta de oferecer, talvez tenha ficado um pouco desiludido. Hoje ele não estava para aí virado. Da próxima vez, logo se verá.

A vitória nostálgica dos Offspring e Róisín Murphy como diva fatal: foi deles o primeiro dia de SBSR

Já passava da meia noite quando entramos no mundo encantado de Caroline Polachek. “Welcome to MyIsland” (Bem-vindos à minha ilha, em português), seduziu-nos ao primeiro verso. “Hope you like me, you ain’t leaving”. Estava feita a declaração de intenções: a ex-vocalista dos Chairlift ia dedicar a hora seguinte a mostrar o novíssimo e muito aplaudido Desire, I Want to Turn Into You, álbum lançado em fevereiro.

Para quem não se tinha cruzado com o pop da cantora nova-iorquina (que começou na cena indie e acabou a escrever músicas para Beyoncé) no Primavera Sound no Porto, no ano passado, foi um belo primeiro encontro. Polachek levou as mãos ao rosto num embaraço quase juvenil ao escutar um coro de fiéis entoar “Caroline, Caroline”, esbanjou simpatia sobre o regresso feliz a Portugal (“Não digo isto em todo o lado”, jurou), e entregou-se numa performance com afinco a cada tema, a evocar a forma de estar de Florence Welch na mesma circunstância: ocupando cada centímetro do palco, com movimentos delicados e esvoaçantes, os últimos potenciados pela indumentária.

"Sinto-me transformada pela beleza deste sítio", disse Caroline Polachek, que atuou esta sexta-feira no Super Bock Super Rock

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

O público diante do palco Pull&Bear acedeu à voz uivante daquela que já foi catalogada como uma potencial Kate Bush da Geração Z. Apesar de perceber o “elogio”, a artista contesta dizendo: “Eu sou a Caroline Polachek desta geração”. Se muitos foram os corpos dançantes ao som das ainda por decorar “Bunny is a Rider”, “Billions” ou “Fly to You” (justíssimo, já que são todas elas do novo disco), o maior entusiasmo deu-se com “Pang”, do álbum homónimo, lançado em 2019, o primeiro da artista a solo com o nome pelo qual hoje é conhecida – Polachek editou um disco pós-Chairlift em 2014, “Arcadia”, mas sob a assinatura Ramona Lisa.

De uma inebriante ilha para um outra, todos os presentes continuaram a dançar dali para fora em direção ao palco principal, onde a DJ e produtora belga Charlotte de Witte mostrava porque tem o nome inscrito na linha da frente da cena techno atual. Para quem a deixou escapar, nem tudo está perdido: de Witte tem regresso marcado já daqui a um mês, a 12 de agosto, no festival Neopop, em Viana do Castelo.

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