Alexander Vershbow, atual secretário-geral adjunto da NATO, é um dos diplomatas norte-americanos mais experientes no que diz respeito à Rússia e afirma que a relação entre Moscovo e a organização “está muito mais instável e perigosa”, considerando que os exercícios surpresa e os voos rasantes dos aviões russos juntos a meios da Aliança Transatlântica têm contribuído para maior tensão entre os dois blocos. Recusa, no entanto, que se esteja perante uma nova Guerra Fria e diz que a NATO tem um poder militar e uma coesão política que dissuade qualquer ação militar da Rússia para com um Estado-membro da Aliança.
O norte-americano esteve em Lisboa para fazer uma antecipação da Cimeira de Varsóvia que vai acontecer no próximo dia 8 e 9 de julho e vai reconciliar os interesses dos países de Leste e de Sul numa única estratégia de segurança para o continente europeu. Antes de ocupar o cargo de secretário-geral adjunto da NATO, Vershbow teve uma carreira diplomática de mais de 30 anos, tendo sido embaixador dos Estados Unidos na Rússia, na Coreia do Sul e junto da NATO. O responsável — que será substituído em outubro pela sua compatriota Rose Gottemoeller –, defende que um dos papéis do seu país na organização é servir de mediador, já que “é um poder europeu, sem ser europeu”.
Sobre o regime de Putin, diz que depois de ter falhado em dar boas condições de vida à população russa, encontrou um inimigo na NATO e que a organização não está interessada numa nova Guerra Fria, avisando que a aliança será paciente, mas “não vai comprometer” os seus princípios. Leia a entrevista. (Esta entrevista foi feita no dia 23 de junho e pode ler os comentário do secretário-geral adjunto ao possível Brexit aqui.)
Não é possível falar em segurança na Europa, e também nos Estados Unidos, sem mencionar o terrorismo. Acha que é possível prevenir os ataques terroristas ou é uma realidade à qual tanto europeus como norte-americanos vão ter de se habituar?
Não podemos ser fatalistas em relação ao terrorismo. Não há soluções fáceis e provavelmente vamos ter mais ataques revoltantes como vimos em Paris, Bruxelas ou até Orlando. Ankara também tem sido muito fustigada por ataques terroristas. O que temos de fazer é unificar a comunidade internacional para derrotar o Daesh e há uma dimensão militar nesta questão que está a ser liderada pelos Estados Unidos e aí a prioridade é travar o controlo do território que têm no Iraque e na Síria. Uma das razões pelas quais eles conseguem atrair tantas pessoas, incluindo cidadãos dos nossos países, é porque dizem que são o futuro e que estão a construir o califado. Temos de reverter essa mensagem. E essa é só a primeira parte. Temos de combatê-los ideologicamente e cortar o financiamento da organização. Nos nossos países temos de promover a tolerância em vez de permitir que as interpretações radicais das religiões se tornem comuns. É a batalha de uma geração. Mas se travarmos um combate forte, vamos conseguir diminuir a frequência dos ataques e vencer este conflito que opõe o bem e o mal.
Falou no papel dos Estados Unidos na organização das forças da coligação. Acha que é preciso mais cooperação entre os países não só a nível militar, mas também a nível das informações para travar os ataques terroristas? Qual é o papel da NATO?
A NATO tem muita experiência na partilha de informação sensível, mas neste momento foca-se mais nas informações militares e desenvolvimentos políticos do que em trocas de informação em tempo real no que diz respeito a grupos terroristas. A NATO pode ser mais usada nesse sentido. Outra área em que a NATO está a tentar desenvolver é a ajuda a países do Médio Oriente e do Norte de África, para construírem o seu próprio setor de defesa e tentarem usar as informações de vários pontos para se protegerem e lutarem contra o terrorismo. A União Europeia também tem um papel nisto, já que uma das formas de resistir à radicalização é sendo sociedades melhores e ter Governos mais responsáveis pelos seus atos com os quais as pessoas se identifiquem.
O que é que correu mal na luta contra o terrorismo? Onde é que se falhou?
Podia falar-se muito sobre este tema, mas penso que nos anos 90 não tivemos atenção à radicalização que estava a acontecer e que só nos começou a afetar verdadeiramente depois do 11 de setembro. Nesses anos, a Al Qaeda cresceu e a sua visão global já era uma ameaça no Afeganistão. Mas até nós, os americanos, antes de sermos atacados não ligávamos muito. Se olharmos mais para a frente, houve muitos erros na guerra do Iraque, mas talvez tanto os Estados Unidos como outros países deveriam ter ajudado o Iraque a criar uma capacidade que fizesse frente à radicalização de 2014. Aconteceu o mesmo na Líbia. Conseguimos salvar milhares de líbios da morte, mas quando Khadafi deixou de estar no poder, a comunidade internacional saiu do país. Quando os líbios disseram que controlavam tudo, devíamos ter dito que não era bem assim e que precisavam de ajuda. A lição é que estamos nisto a longo prazo e não há soluções fáceis. Mas também não cabe ao Ocidente responder a isto sozinho, o mundo islâmico tem de lidar com esta ameaça também. Mas esta é uma guerra dentro do Islão e os elementos mais moderados têm de se mobilizar para combater o radicalismo.
Acha que a solução na Síria é a mais indicada?
É difícil ser otimista numa solução para a Síria, mas temos de começar por algum lado. A diplomacia que está a tentar levar a um cessar-fogo permanente é a única maneira óbvia de enfrentar a situação. Infelizmente, a intervenção dos russos fez com que isto se tornasse mais difícil ao apoiar o regime de Assad, que é responsável por milhares de mortes. E isso fez com que o acordo diplomático se tornasse mais complicado, já que o regime de Assad não tem qualquer incentivo para negociar por estar agora numa posição muito mais forte.
Até quando é que acha que será possível manter um diálogo político com a Rússia?
Estamos a manter uma distinção clara entre a cooperação prática, onde as possibilidades são limitadas devido à agressão que a Rússia continua a fazer contra a Ucrânia, e o diálogo e a comunicação para que esta relação se torne mais estável. Tomámos uma posição forte depois da anexação ilegal da Crimeia, porque foi a violação mais flagrante do direito internacional e das regras no pós-Segunda Guerra Mundial. Agora temos de manter esta posição, incluindo as sanções até que a Rússia implemente os acordos de Minsk. Ao mesmo tempo, a relação está muito mais instável e perigosa do que há dois anos. Os russos estão a levar a cabo exercícios surpresa e não nos avisam com antecedência. Temos aviões russos muito perto do nosso espaço aéreo e muito recentemente os aviões russos passaram a rasar no destroyer Donald Cook, da Marinha norte-americana. Estamos a tentar persuadir os russos da necessidade de algumas ferramentas da Guerra Fria, como o controlo das armas e a redução do risco, de forma que o agravamento de algum pequeno incidente possa ser minimizado. É disso que falamos no Conselho NATO-Rússia. Tudo o que estamos a fazer é defensivo, é limitado, é proporcional à ameaça e não faz parte de uma conspiração contra Rússia, como diz a televisão russa.
Mas não é assim que Vladimir Putin vê as coisas. O presidente russo já disse publicamente que as medidas da NATO “são um grande perigo” e que ele se está apenas a defender do sistema antimísseis colocado à sua porta…
Ele também disse que a Rússia se estava a defender ao anexar um bocado da Ucrânia.
Mas até onde é que a NATO pode ir? Até onde é que vai a escalada militar dos dois lados?
Nada do que estamos a fazer pode ser qualificado como uma escalada militar. É uma resposta prudente e proporcional ao ambiente em mudança com o qual estamos a lidar. Na Cimeira de Varsóvia, vamos anunciar a colocação de um batalhão na Letónia, um na Estónia, um na Lituânia e outro na Polónia. Quatro batalhões não é uma força de invasão. Não há qualquer ameaça possível à Rússia. Mas eles criam os seus próprios factos. Eles dizem que o nosso sistema antimísseis, que tem um novo posto na Roménia, é uma ameaça para a Rússia. É um sistema de defesa, abate mísseis, não serve para rebentar cidades. Tem uma capacidade limitada e serve para defender a Aliança de ameaças como o Irão ou a Síria.
Estamos a assistir a uma nova Guerra Fria?
Espero que não. E não é isso que a NATO quer. Não queremos voltar à Guerra Fria, nem criar uma nova Guerra Fria. Estamos a tentar criar estabilidade, respeito pelas regras, pelo direito internacional e podemos ser pacientes, mas não vamos comprometer os nossos princípios. O verdadeiro perigo é que os líderes russos — por razões nacionais, de modo a preservarem o seu regime que não consegue dar condições de vida decentes ao seu povo –, lançaram um golpe ilegal e estão armar, treinar, financiar o conflito na Ucrânia. Já morreram 623 ucranianos desde o início do ano e isto é uma agressão que está a acontecer agora. Tentamos ser o adulto nesta relação e cumprimos as nossas obrigações. É do interesse de Putin criar uma imagem da NATO como um inimigo e não há muito que possamos fazer para prevenir isso. A máquina de propaganda deles é muito sofisticada e dizem todos os dias que somos fascistas e que queremos destruir a Rússia. Isso é uma falsificação da história e um dos maiores fatores para que este problema se prolongue durante muito tempo.
A Rússia é uma ameaça para a NATO?
A Rússia mostrou que é uma ameaça para os seus vizinhos mais próximos como Ucrânia, Geórgia, Moldávia e não acredita que estes vizinhos mereçam soberania. A Rússia descreve o seu modelo de democracia como uma nação soberana, mas só aceita isso para si e não para os outros. Não vemos a Rússia como uma ameaça imediata porque somos fortes. Temos capacidades militares fortes e uma coesão política que dissuadiria qualquer ação militar por parte da Rússia. A ameaça da Rússia é ao direito internacional e ao sistema em vigor depois da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria. Uma Europa sem regras é um sítio muito perigoso.
Em Itália, um espião português foi apanhado a vender segredos da NATO à Rússia. A NATO está a investigar o caso? Portugal é um país vulnerável?
Estes casos são responsabilidade dos Estados e sei que há uma investigação a decorrer. É um assunto muito sério e muitos países europeus são vítimas da espionagem russa. Também acontece nos Estados Unidos. Temos de ser vigilantes para proteger as nossas informações e temos de aumentar a nossa segurança informática. Estamos satisfeitos que neste caso a pessoa tenha sido detida e esperamos que a Justiça faça o seu trabalho.
Mas a NATO está a investigar? A NATO mudou os procedimentos com os serviços de informação portugueses?
Estamos sempre a rever os nossos procedimentos porque partilhamos informações muito sensíveis sobre as nossas políticas e planos. Temos tecnologia de ponta, mas também temos consciência que mesmo esses sistemas podem ser atacados.
O Governo português tem o apoio parlamentar de partidos que são contra a pertença de Portugal à NATO. Isso enfraquece a posição do país dentro da organização?
A política doméstica vai para além do meu mandato. Portugal continua a ser um Estado que contribui muito para a NATO, tanto no domínio marítimo como no envio de aviões para o patrulhamento dos Bálticos. O equilíbrio que vamos mostrar em Varsóvia entre os países de Leste e o Sul é devido à proatividade de Portugal.
Sendo que hoje a NATO é constituída por esses dois blocos, Leste e Sul, como é que é possível manter os dois grupos de países satisfeitos? É possível conciliar estas duas visões geopolíticas do mundo?
Sim, acho que sim. É um desafio permanente, mas em Varsóvia vamos ter uma manifestação de unidade e de apoio à estratégia 360 que está destinada ao Norte, ao Sul ao Leste. Temos de nos manter vigilantes porque as ameaças são reais. O que torna a NATO eficaz é que consegue equilibrar o interesse de todos os seus Estados. Em parte, isto é mérito do secretário-geral, que serve como mediador entre as partes — e também é minha responsabilidade como secretário-geral adjunto — e, como antigo líder da delegação dos Estados Unidos na NATO, posso dizer que esse também é o papel dos Estados Unidos desde a fundação da organização, talvez por sermos um poder europeu, sem sermos europeus. Damos a mesmo importância a um aliado pequeno e a um aliado grande. Apesar de gastarmos muito na Defesa, talvez até demais, damos atenção tanto aos mais pequenos como aos maiores.