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Assange. Quase sete anos como 'el huésped' na embaixada do Equador

Asilado desde 2012, há muito que Julian Assange deixara de ser bem-vindo na embaixada equatoriana em Londres, depois de perder a aura de lutador pela liberdade. Como é que isto aconteceu?

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(Este artigo foi publicado originalmente a 16 agosto de 2018, seis anos depois da entrada de Julian Assange na embaixada do Equador em Londres e numa altura em que se avolumavam as notícias sobre a sua eventual saída. É republicado esta quinta-feira, 11 de abril, a propósito da detenção do ativista australiano.)

Uma secretária, vários computadores portáteis, muito equipamento eletrónico. Livros: um sobre a presidência Nixon, “A Arte da Guerra” de Sun Tzu, um do Nobel turco Orhan Pamuk, entre outros. Nas prateleiras há um DVD do filme “The Shining”, dossiês organizados e etiquetados (“Iraque”, “Snowden”, “Suécia”), uma garrafa de whisky. Estas são as coisas de um homem, um homem que vive praticamente sozinho e encurralado entre quatro paredes, a fazer fé na obra do coletivo de artistas !Mediengruppe Bitnik. Membros do grupo visitaram Julian Assange na embaixada do Equador em Londres, em 2013, e fizeram depois uma réplica dos seus aposentos. Mas 2013 foi há cinco anos e cinco anos são muito tempo na vida de um homem encurralado entre quatro paredes.

“Bem-vindos ao Equador”, foi o nome escolhido pelo coletivo para apelidar a obra que reproduz em tamanho real o quarto de Assange, e não podia ser mais apropriado. É aqui que o líder da WikiLeaks está fechado desde 2012 e esta quinta-feira faz exatamente seis anos que o Equador concedeu asilo ao australiano.

À altura, Assange estava fugido da Justiça sueca, que o acusava de assédio sexual e violação a duas mulheres, e refugiou-se junto dos equatorianos, na sua embaixada em Londres, pedindo asilo político.

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A embaixada do Equador em Londres, um prédio no centro da cidade, é constantemente vigiada por segurança equatoriana e britânica (CARL COURT/AFP/Getty Images)

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A acusação judicial, alegava o acusado, não passava de uma mentira e de um pretexto para a Suécia o extraditar para os Estados Unidos onde, dizia, seria julgado pelas suas ações como cabecilha da WikiLeaks. Sob a batuta de Assange, a organização até aí quase desconhecida foi catapultada para as manchetes dos jornais ao divulgar, em parceria com jornais como o The Guardian e o New York Times, milhares de ficheiros secretos que revelavam condutas discutíveis de vários governos mundiais. O vídeo mais famoso, conhecido como Collateral Murder, mostrava um ataque das forças norte-americanas em Bagdade matando vários civis, incluindo dois jornalistas iraquianos da Reuters. A fonte da informação foi o soldado Bradley Manning — agora Chelsea Manning, depois de ter iniciado um processo de transição de género —, que esteve sete anos na prisão.

Foi neste contexto em que Assange era considerado por muitos, sobretudo à esquerda, como um herói que luta pela divulgação de informação, que o Presidente equatoriano Rafael Correa aceitou acolher o ativista em Londres. Seis anos mais tarde, contudo, a diferença não podia ser maior. Assange já não é visto como um herói pela maioria da esquerda, a WikiLeaks já não faz parcerias com jornais de referência e agora o Equador parece ter mudado de ideias e quer, a tudo o custo, que Assange saia da sua embaixada. El huésped, como lhe chamam dentro da embaixada, já não é bem-vindo. O que aconteceu? Foi Julian Assange que mudou ou o mundo à sua volta é que já não é o mesmo?

Assange já não é visto como um herói pela maioria da esquerda, a WikiLeaks já não faz parcerias com jornais de referência e agora o Equador parece ter mudado de ideias e quer, a tudo o custo, que Assange saia da sua embaixada. El huésped, como lhe chamam dentro da embaixada, já não é bem-vindo.

A “pedra no sapato” de Lenín Moreno

“O Governo do Equador está diferente em parte porque este é um Governo diferente do de [Rafael] Correa.” Michael Shifter, presidente da organização Diálogo Inter-Américas, começa por explicar assim ao Observador por que razão Quito já não quer ter nada a ver com Assange. “Há seis anos, esta era uma questão de desafio à comunidade internacional, uma forma de mostrar solidariedade com Assange. Com o passar dos anos, tornou-se uma chatice e uma distração para Lenín Moreno.”

Moreno, antigo vice-presidente de Rafael Correa, chegou ao poder em abril do ano passado e desde então tem tentado pôr em prática uma agenda muito distante da do seu antecessor. Mais moderado, procurou reatar relações com países como os Estados Unidos para fazer face aos problemas económicos do seu país. Relativamente a Assange, já o descreveu como “uma pedra no sapato” e um “problema herdado” e, agora, está a negociar de vez a sua saída. Os rumores começaram a 20 de julho, quando uma diretora da RT — a televisão do Kremlin onde o próprio Assange já trabalhou como comentador — tweetou em russo que o antigo hacker poderia sair da embaixada em breve. Seguiu-se um artigo de Glenn Greenwald, jornalista conhecido por ter ajudado a divulgar os leaks de Edward Snowden, onde uma fonte do ministério dos Negócios Estrangeiros do Equador confirmava que um acordo com Londres para entregar Assange aos britânicos estava praticamente fechado.

Moreno, antigo vice-presidente de Rafael Correa, chegou ao poder em abril do ano passado e desde então tem tentado pôr em prática uma agenda muito distante da do seu antecessor. Mais moderado, procurou reatar relações com países como os Estados Unidos para fazer face aos problemas económicos do seu país. Relativamente a Assange, já o descreveu como “uma pedra no sapato” e um “problema herdado”.

Uma semana depois, seria o próprio Presidente do Equador a confirmar as negociações em curso. A propósito de uma visita de Estado a Espanha, deixou claro numa entrevista ao El País o que pensa sobre a situação do ex-líder da WikiLeaks e acrescentou que a saída de Assange está a ser negociada a três pelo Equador com o Executivo britânico e a equipa legal do ativista. “O senhor Assange está há mais de cinco anos assim e é preciso encontrar uma saída. Uma saída que defenda os seus direitos, sobretudo o seu direito à vida, e que ao mesmo tempo possa dar ao Equador a possibilidade de não ter mais o que representa sem dúvida algum problema para o nosso país”, afirmou Lenín Moreno.

“Pelo que falo com os meus amigos do Equador, não me parece que este seja um assunto muito premente para os equatorianos”, explica Michael Shifter. “Contudo, sinto que querem que o assunto seja encerrado. É como uma nuvem a pairar sobre o Governo, que suga energia e recursos, sem trazer benefícios para o Equador. Portanto, para quê continuar isto?”

A este desconforto soma-se o facto de as atitudes do próprio Assange colocarem por vezes o Equador em maus lençóis com países com quem Quito preferia manter uma boa relação. Foi o caso de Espanha, já que os tweets de Assange a defender a independência da Catalunha — feitos a partir de dentro da embaixada do Equador — não terão agradado a Madrid. Na altura, o próprio Moreno terá pedido a Assange para que não interferisse em matérias de outros Estados. O ativista continuou a comentar a situação da Catalunha, bem como o alegado envenenamento do antigo espião russo Sergei Skripal no Reino Unido — e Quito decidiu cortar-lhe a ligação à Internet.

A situação agravou-se ainda mais para o Equador quando um dos países com o qual Assange terá interferido de forma mais direta foram os Estados Unidos, país para onde o Equador envia 45% das suas exportações. No início de agosto, a WikiLeaks revelou que Assange recebeu um pedido do Comité do Senado norte-americano que analisa Informações Secretas pedindo-lhe para testemunhar a propósito da alegada interferência russa nas eleições norte-americanas de 2016. Em causa está a divulgação pela WikiLeaks de emails do Comité Nacional do Partido Democrata e do antigo chefe de campanha de Hillary Clinton, John Podesta, que continham informação prejudicial para a candidata democrata. Os serviços secretos norte-americanos dizem ter “forte confiança” na informação de que os emails foram roubados por hackers russos e enviados à WikiLeaks.

O vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, num encontro com o Presidente do Equador, Lenín Moreno (CRISTINA VEGA/AFP/Getty Images)

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“Assange está envolvido nisto tudo e este é um tema muito controverso”, resume Michael Shifter. “Essa é uma peça deste puzzle que, sem dúvida, se alterou muito ao longo destes seis anos. Chegámos a um ponto em que parece claro que Assange vai ter de sair da embaixada. Só falta saber em que condições.”

Narcisista? Sim, mas também transformador

O envolvimento da WikiLeaks na campanha eleitoral norte-americana foi a machadada final na imagem pública de Julian Assange. Para muitos, há já algum tempo que eram evidentes as características pessoais mais perigosas da persona pública do ativista. “Ele é frágil, conspirativo, pouco verdadeiro, narcisista e acha que é dono do material que divulga”, escreveu a certa altura Andrew O’Hagan, ghostwriter responsável pela autobiografia de Assange, que passou muito tempo com o líder da WikiLeaks. Ou, como resumiu o jornalista da New Yorker Raffi Khatchadourian, que conhece Assange há anos, “ele não é só o tipo de pessoa que usa meias com buracos, ele é o tipo de pessoa que usa meias com buracos e despeja a sua fúria sobre quem mencionar os buracos em público.”

“Ele não é só o tipo de pessoa que usa meias com buracos, ele é o tipo de pessoa que usa meias com buracos e despeja a sua fúria sobre quem mencionar os buracos em público”.
Raffi Khatchadourian, jornalista da New Yorker

Mas o mesmo Khatchadourian reconhece o impacto tremendo que Assange teve ao longo dos últimos anos. “A partir do seu encarceramento, Assange tornou-se um ícone cultural quixotesco, dando ao ato solitário de denunciar algo os contornos de um movimento”, escreveu o jornalista no longo perfil de Assange que a New Yorker publicou. “A Dr. Martens fez botas com o seu nome, escultores fundiram-no numa liga e letristas eternizaram-no em canções. Serviu de inspiração a um vilão de Bond [Raoul Silva do filme Skyfall, interpretado por Javier Bardem] e à ficção de Jonathan Franzen [no livro Purity]; misturou-se com músicos de primeira como Lady Gaga e com dissidentes de primeira como Noam Chomsky. Ao mesmo tempo, teve de navegar numa miríade de complicações legais e de gestão: várias investigações do FBI, rebeliões paralisantes da sua equipa, lutas venenosas com jornalistas.”

A influência de Assange está longe de ser irrelevante. Isso mesmo diz ao Observador Mark Fenster, professor da Universidade da Flórida e autor do livro “The Transparency Fix: Secrets, Leaks and Uncontrollable Government Information” (sem edição em português): “Ele continua a fazer manchetes nos EUA, o que é alguma coisa. O tipo está preso numa embaixada em Londres há seis anos e mesmo assim recebe uma carta para testemunhar num comité do Senado… Eu não recebo cartas dessas”, diz, bem-humorado. “Ele ainda tem capacidades técnicas, ainda é capaz de escrever código e o facto de as pessoas o contactarem para lhe enviar remessas frescas de informação continua a fazer dele alguém influente.”

Assange numa das aparições à janela da embaixada do Equador, agradecendo o apoio à multidão. Periodicamente, há manifestações à porta da embaixada a pedir a libertação do ativista (LEON NEAL/AFP/Getty

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A imagem pública de Assange, contudo, saiu beliscada com o emergir de um novo denunciante que, como figura pública, é bem menos belicoso do que o líder da WikiLeaks — e a quem o próprio Assange acabaria por dar a mão: Edward Snowden. “Ele é visto como uma pessoa com boas intenções e não tão auto-centrado”, resume Fenster, para quem as semelhanças e diferenças entre Snowden e Assange vão, contudo, para lá das personalidades.

“Assange tem um problema com a informação: ele acha que todos os segredos são maus e divulga-os, sem sequer fazer uma curadoria deles. Com o Snowden nunca foi assim — ele tinha um problema com o sistema de vigilância norte-americano e por isso divulgou algumas coisas e outras não. Snowden foi o ladrão da informação e o divulgador; Assange diz que não rouba a informação, que apenas a divulga como se fosse um jornalista. Isto são dois modelos diferentes de hacking”, diz Fenster.

O modelo de Assange — divulgação livre de toda e qualquer informação — tem por isso os seus riscos, mas também as suas qualidades. “Comunicações privadas, informação pessoal, conversas íntimas, tudo isto vale para ele. Chama a este niilismo ‘liberdade’ e ao fazê-lo eleva-o de tal forma a um princípio que lhe dá licença para agir sem se preocupar com as consequências”, acusava a jornalista Sue Halpern o ano passado, na New York Review of Books. Contudo, no mesmo texto, Halpern também reconhecia os méritos das ações de Assange, que classificava de transformadoras: a ideia de que os denunciantes podem “fiscalizar o poder” transformou inclusivamente os próprios media tradicionais, que passaram a estar mais recetivos a receber informação de hackers.

“Ele continua a fazer manchetes nos EUA, o que é alguma coisa. O tipo está preso numa embaixada em Londres há seis anos e mesmo assim recebe uma carta para testemunhar num comité do Senado… Eu não recebo cartas dessas.”
Mike Fenster, professor da Universidade da Flórida

“O modelo da WikiLeaks é o de uma organização disponível para receber grandes quantidades de informação e mesmo assim proteger o anonimato de quem envia essa informação. Este modelo é muito poderoso e foi a WikiLeaks que o popularizou”, resume o professor Fenster. “O problema é este: se eu fosse um hacker, não tenho a certeza se recorria à WikiLeaks neste momento. A nuvem negra que paira sobre ela e o facto de ter chateado tanta gente pode significar que eles já não são capazes de proteger o anonimato dos denunciantes da mesma forma.”

O problema bate sempre no mesmo ponto: as ligações à Rússia com a divulgação de emails dos democratas na campanha presidencial norte-americana. Seja porque a reputação de Assange ficou manchada, seja porque as consequências legais podem ser sérias, os problemas para a WikiLeaks são muitos. “Os esforços de Assange para pintar a WikiLeaks como um divulgador neutro de informação já não servem”, acrescenta Fenster. “Uma coisa é dizer que se é contra as ações más dos governos e das grandes empresas; outra é envolver-se numa eleição para ajudar a escolher um vencedor, mesmo que se tenha uma animosidade justificada em relação ao outro candidato.”

Edward Snowden e Julian Assange, os dois hackers mais mediatizados de sempre, participam juntos por teleconferência num evento na Nova Zelândia, em 2014 (Hannah Peters/Getty Images)

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No meio deste clima, o apoio velado de Assange a Donald Trump fez com que perdesse os seus apoiantes mais à esquerda e ganhasse companhias que há seis anos pareceriam aberrantes. É o caso de conhecidos republicanos mais radicais ou de membros da nova extrema-direita da alt-right, cujo apoio Assange parece cultivar com piscares de olho a teorias da conspiração. Em vez dos antigos apoios de Lula da Silva e do Podemos, Assange é agora elogiado por Sean Hannity, conhecida personalidade de direita da televisão norte-americana.

“Só posso falar pelo que conheço, que é a reputação dele nos Estados Unidos. E essa é muito estranha. Ele antes era uma celebridade da esquerda mais radical e perdeu isso. Agora a sua base de apoio são os republicanos mais desequilibrados”, define Mark Fenster. “Se Assange viesse a Washington, seria um evento altamente entusiasmante, da mesma forma que foi quando ele veio a Berkeley falar depois da Chelsea Manning ser presa. Seria recebido como uma celebridade à mesma, mas, desta vez, as pessoas não estariam felizes por vê-lo — estariam zangadas.”

O apoio velado de Assange a Donald Trump fez com que perdesse os seus apoiantes mais à esquerda e ganhasse companhias que há seis anos pareceriam aberrantes. É o caso de conhecidos republicanos mais radicais ou de membros da nova extrema-direita da alt-right, cujo apoio Assange parece cultivar com piscares de olho a teorias da conspiração.

“Assim que ele sair da embaixada, é detido”

No meio de todo este clima, a única certeza que se planta com firmeza é a de que Julian Assange, mais cedo ou mais tarde, vai pôr o pé fora da embaixada equatoriana em Londres. E, quando tal acontecer, os eventos vão precipitar-se. É certo que as autoridades suecas deixaram cair a investigação por assédio sexual e violação em maio do ano passado, alegando que não era possível avançar com um suspeito entrincheirado numa embaixada. Contudo, outra acusação pende sobre ele, a de não ter cumprido os requisitos da fiança, já que fugiu para o Reino Unido. Assim sendo, o que pode acontecer a Assange no dia em que o Equador o largar?

“Assim que ele sair da embaixada, é detido.” Essa é a convicção de Matthew Happold, professor de Direito Internacional da Universidade do Luxemburgo, ouvido pelo Observador. “Há sempre a possiblidade de poder sair mediante pagamento de nova fiança, mas é extremamente improvável, já que deverá ser novamente considerado o risco de fuga e o facto de ele ter falhado a fiança anterior.”

Manifestante anti-Assange pergunta "Pode o Julian vir cá para fora brincar?", juntamente com uma bandeira dos EUA. Os Estados Unidos podem pedir a extradição de Assange (Leon Neal/Getty Images)

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Que o Governo britânico gostaria que Assange cumprisse pena no Reino Unido, não parece haver grandes dúvidas. Em março deste ano, o secretário de Estado Alan Duncan declarou numa sessão do Parlamento que já era “tempo daquele vermezinho miserável sair da embaixada e entregar-se à Justiça britânica”. Quando em 2016 um painel das Nações Unidas declarou que Assange foi “detido arbitrariamente” e que deveria ser deixado em liberdade, o ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido declarou que a recomendação da ONU “não muda nada”.

Tendo em conta tudo isto, Happold crê que o mais certo é Assange ficar preso a cumprir pena por não ter respeitado os termos de fiança, algo que representa uma pequena infração que pode resultar em três meses de prisão. E as autoridades britânicas podem tentar ir ainda mais longe e agravar essa pena ao acusá-lo de desrespeito pelo tribunal, o que pode resultar em dois anos de prisão. O risco de acabar atrás das grades em Londres, contudo, é o menor dos problemas do ativista da WikiLeaks — o grande perigo para Assange é o de ser extraditado para os Estados Unidos, caso estes abram um processo legal contra ele pelas informações que a WikiLeaks divulgou em 2010, como o Collateral Murder. “Se não houver pedido de extradição nenhum, ele cumpre a sua pena e é livre para sair com o seu passaporte australiano. Se houver pedido… ele terá de ficar no Reino Unido à espera da decisão”, resume Happold.

A acontecer, o jurista crê que Assange e a sua equipa de advogados tudo farão para lutar contra o pedido de extradição e para tentar ganhar tempo: dizer que o pedido não é justo porque passou demasiado tempo desde que os crimes foram alegadamente cometidos; dizer que o pedido é contra os direitos humanos porque pode ser aplicada a pena de morte ou porque as condições prisionais nos Estados Unidos são más; ou dizer que este é um crime político e que não se podem extraditar criminosos políticos. “Ele tem um arsenal de armas legais muito interessantes que pode usar”, resume Happold.

Assange em 2010 com um jornal The Guardian, com quem colaborou, na mão. Atualmente a sua relação com os jornalista da publicação não é a melhor (Carl Court/AFP/Getty Images)

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Para além disso, Assange pode recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o que o fará ganhar tempo. “Da última vez o processo todo demorou 29 meses. Agora pode demorar dois anos. Durante todo esse tempo, ele estará no Reino Unido. E se isto demorar muito, o Governo britânico pode mudar — sendo que a decisão final cabe sempre ao ministro da Administração Interna. Um Governo liderado por Jeremy Corbyn estaria disposto a extraditar Julian Assange para os EUA?”, interroga-se o especialista. “Mas claro, isto é tudo pura especulação. Seria preciso o processo arrastar-se muito tempo.”

E os Estados Unidos, estarão interessados em mover um processo judicial a Julian Assange? “Até ele sair, não saberemos”, assume Happold. O que não significa, no entanto, que não seja possível ler alguns sinais. “Penso que a linha desta administração é semelhante à da anterior e na administração Obama vimos a prisão de Chelsea Manning acontecer e vimos a perseguição a Edward Snowden. Talvez as coisas tenham mudado, talvez não.”

As declarações dos atores políticos são contraditórias. O próprio Donald Trump declarou “eu adoro a WikiLeaks” depois de esta ter divulgado os emails que prejudicaram Clinton e alguns dos seus apoiantes, como Hanning, olham agora para Assange quase como um herói. Mas outros, dentro da própria administração do Presidente, não podiam ser mais claros nas suas ameaças ao ativista. Foi o caso do procurador-geral Jeff Sessions, que em dezembro classificou a detenção de Assange como “uma prioridade”. E também de Mike Pompeo, ex-diretor da CIA e atual secretário de Estado norte-americano, que classificou a WikiLeaks como “um serviço de informação hostil muitas vezes ajudado por atores políticos como a Rússia”. “Não podemos continuar a permitir a Assange e aos seus colegas a latitude para usarem os valores da liberdade de expressão contra nós”, afirmou.

Protesto pela libertação de Bradley Manning, o soldado que passou grande parte da informação à WikiLeaks e que foi preso (T.J. Kirkpatrick/Getty Images)

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Apesar de toda esta aparente vontade política de acusar Assange, a situação não é assim tão óbvia. Em primeiro lugar, pela mesma razão que impediu a administração Obama de avançar com procedimentos legais contra o líder da WikiLeaks: acusá-lo seria semelhante a acusar qualquer jornal que publicou informação secreta, abrindo um precedente perigoso que coloca em causa a Primeira Emenda da Constituição norte-americana, que garante a liberdade de expressão. “O principal problema é aquilo que muitos de nós chamamos ‘o problema New York Times’”, resumiu o responsável do Departamento da Justiça Matthew Miller à New Yorker. “Como é que acusamos Julian Assange por publicar informação secreta e não acusamos o New York Times?”

É precisamente por este imbróglio legal que o especialista Matthew Happold crê que os norte-americanos tentarão acusar Assange não apenas por ter divulgado a informação, mas por tê-la solicitado: “A grande maioria da informação veio da Chelsea Manning e penso que o argumento que vai ser feito é que Assange esteve de alguma forma envolvido em pedir-lhe a informação e que não a recebeu simplesmente de forma passiva.” Resta saber se os procuradores norte-americanos têm provas disso.

O segundo motivo pelo qual não é assim tão fácil acusar Assange relaciona-se com a divulgação dos emails democratas. Pode o hacker ter informação comprometedora que ainda não divulgou e usar isso a seu favor? Pode o Presidente travar uma investigação por se sentir em dívida para com ele? Tudo não passa, para já, de especulação. “Prever o que Donald Trump vai fazer é uma missão sempre inútil”, ressalva Mark Fenster.

Certo é que Assange está agora envolvido até ao pescoço na investigação do envolvimento russo nas eleições de 2016. O ativista diz que foi abordado por um hacker auto-intitulado Guccifer 2.0; a equipa de procuradores especiais de Robert Mueller acredita que o Guccifer 2.0 era um disfarce dos serviços secretos russos. Uma das advogadas de Assange, Jennifer Robinson, definiu assim a defesa do seu cliente neste matéria: “A WikiLeaks deixou muito claro que não está envolvida de qualquer forma com o Estado russo no que diz respeito a essa publicação. Não há qualquer ligação entre a WikiLeaks e os que estão acusados.”

Certo é que Assange está agora envolvido até ao pescoço na investigação do envolvimento russo nas eleições de 2016. O ativista diz que foi abordado por um hacker auto-intitulado Guccifer 2.0; a equipa de procuradores especiais de Robert Mueller acredita que o Guccifer 2.0 era um disfarce dos serviços secretos russos.

Formalmente, talvez não, mas a realidade não é assim tão simples. Ou, como resumiu a realizadora Laura Poitras (em tempos próxima de Assange e atualmente mais distante depois de ter feito um filme sobre o ativista que não lhe agradou), “eu consigo aceitar que foi um hacker russo e que eles usaram um intermediário para passar a informação. E o Julian diz que a fonte dele não é um ator político. Estas duas coisas não se excluem mutuamente.”

Há menos de uma semana, Assange surpreendeu tudo e todos ao anunciar não apenas o convite do comité do Senado para ser testemunha, como o facto de estar a ponderar aceitar o pedido. “Estamos a considerar seriamente essa proposta, mas temos primeiro de garantir que a proteção do senhor Assange está garantida”, resumiu a advogada Robinson.

“A grande maioria da informação veio da Chelsea Manning e penso que o argumento que vai ser feito é que Assange esteve de alguma forma envolvido em pedir-lhe a informação e que não a recebeu simplesmente de forma passiva.”
Matthew Happold, professor de Direito Internacional, sobre a possível acusação norte-americana a Assange

O anúncio só dá força à ideia de que Assange está de saída da embaixada. Mas e depois disso? Poderá esta garantia passar por um acordo para que Assange não seja acusado pela Justiça norte-americana? Ou para, pelo menos, não ser imediatamente preso assim que pise solo norte-americano? Que espécie de acordos podem estar a ser negociados nos corredores de Washington, em conluio com os de Londres e até de Quito?

“Eu se fosse a ele não punha o pé nos Estados Unidos sem ter garantias reais. E também tinha cuidado com os países para onde viajava, por causa da possibilidade de extradição”, resume Fenster. No meio de todo o turbilhão legal e político, defende o professor, só uma coisa é certa: esteja numa embaixada, no Congresso, na prisão ou em liberdade, Assange continuará a querer estar no centro da ação. “Ele não é pessoa para se retirar da vida pública e ir para a Islândia ser pastor de ovelhas.”

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