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João Costa Pinto coordenou uma equipa de cinco pessoas que em quatro meses produziu a análise sobre a ação do supervisor no BES.
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João Costa Pinto coordenou uma equipa de cinco pessoas que em quatro meses produziu a análise sobre a ação do supervisor no BES.

João Costa Pinto coordenou uma equipa de cinco pessoas que em quatro meses produziu a análise sobre a ação do supervisor no BES.

Seis anos e cinco negas (pelo menos) ao Parlamento. O relatório sobre o BES que era secreto até no Banco de Portugal

Foi concluído há seis anos. Pedido em todos os inquéritos parlamentares à banca, mas sempre recusado até este ano. O relatório Costa Pinto era "secreto" até dentro do Banco de Portugal.

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Foi preciso esperar quase seis anos e ouvir muitas negas (pelo menos cinco) — do Banco de Portugal, mas também dos tribunais — para a autoavaliação à atuação do Banco de Portugal no caso BES chegar ao Parlamento, em fevereiro deste ano. Mas ainda assim com o selo de confidencial. Aquele que ficou conhecido como o “relatório secreto” de João Costa Pinto (o ex-presidente da comissão de auditoria do Banco de Portugal liderou uma equipa constituída por cinco membros, por si escolhidos, e apoiada pela Boston Consulting Group), era um segredo bem guardado até dentro do próprio supervisor. Não foi discutido internamente, nem distribuído logo pelos principais responsáveis. O Observador teve agora acesso ao documento na íntegra.

Banco de Portugal podia ter feito mais no BES. As críticas violentas do relatório secreto que nunca saiu da gaveta de Carlos Costa

A comissão de inquérito parlamentar à gestão do Novo Banco vai pedir ao Supremo Tribunal de Justiça autorização para levantar o sigilo de supervisão ao documento mais famoso da banca portuguesa. E ainda que os deputados reproduzam já, sem grandes reservas, excertos do documento nas audições realizadas — foi o que aconteceu e de forma abundante na audição ao seu principal autor — a resistência do Banco de Portugal de Carlos Costa em permitir o acesso ao documento terá tido o efeito contrário ao pretendido. O segredo só deu força à tese do falhanço do supervisor bancário no acompanhamento do Banco Espírito Santo e na intervenção para remover o “banqueiro mais poderoso” de Portugal.

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Isso mesmo alertou João Costa Pinto, para quem o relatório já deveria ter sido tornado público há muito tempo. Como não foi, “acaba por ser mitificado. Acabamos por começar a ver lá coisas que nem estão lá. Mas não é a Bíblia, nem Testamento. É a opinião da comissão”. Por outro lado, disse no Parlamento, “se o Banco de Portugal não reconhecer que errou, nada vai mudar”.

"Se não era para revelar porque anunciou no Parlamento? Em que medida a proteção dos clientes, dos bancos e do sistema financeiro fica em causa com a revelação do documento?"
Pedro Nuno Santos (PS) numa pergunta dirigida a Carlos Costa, ouvido no parlamento em junho de 2015

Mariana Mortágua — o Bloco tem sido o partido mais insistente a pedir o documento — e depois de o ler o relatório Costa Pinto — defendeu a sua divulgação pública, considerando que não há razões para que não possa ser conhecido.

O documento mais pedido nos inquéritos à banca

A primeira nega ao Parlamento aconteceu em maio de 2015, logo a seguir à conclusão da comissão parlamentar de inquérito à gestão do Banco e do Grupo Espírito Santo. O documento não estava na extensa lista de pedidos feita durante os trabalhos, porque a sua conclusão coincidiu com o fim dos trabalhos, mas a iniciativa tinha sido referida por Carlos Costa nas suas (duas) audições. Já depois de conhecido o relatório final, o governador recusou pela primeira vez perante o Parlamento revelar o documento, invocando ser um assunto interno e protegido pelo sigilo bancário.

Carlos Costa vai manter secreta a auto-avaliação sobre actuação na crise do GES

A mesma resposta foi dada um mês depois, mas com uma longa fundamentação jurídica, em resposta a um requerimento apresentado pelo PS, então subscrito por Pedro Nuno Santos, o coordenador do partido na comissão de inquérito. Neste parecer era assinalado que o “Banco de Portugal não é politicamente responsável perante a Assembleia da República”.

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Semanas antes, o Banco de Portugal tinha apenas divulgado as recomendações produzidas no documento, cuja coordenação foi liderada por João Costa Pinto.

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Mas o tema da avaliação interna não larga o governador, que semanas depois volta ao Parlamento para uma audição que é um exame à sua atuação no cargo, após ser conhecida a decisão do Governo de Passos Coelho de o reconduzir num segundo mandato, a escassos meses das eleições legislativas e contra a toda a esquerda.

Governador do Banco de Portugal vai a exame. Passará nestas perguntas?

Nesta audição, Pedro Nuno Santos – o deputado socialista que coordenou os trabalhos da comissão de inquérito ao BES – perguntou se a decisão de não publicar a auditoria interna tinha como objetivo proteger o governador, porque esta poderia fornecer munições para uma não recondução no cargo. “Se não era para revelar porque anunciou no Parlamento? Em que medida a proteção dos clientes, dos bancos e do sistema financeiro fica em causa com a revelação do documento?”, questionou Pedro Nuno Santos.

O atual ministro Pedro Nuno Santos foi o deputado do PS que coordenou os trabalhos da comissão de inquérito ao BES

LUSA

“Estou tranquilo quanto ao conteúdo da auditoria”, respondeu Carlos Costa, que insistiu na tese do sigilo de supervisão para não entregar o documento. Nas comissões de inquérito seguintes ao setor bancário, à Caixa e ao Banif, o relatório interno à atuação do Banco de Portugal no caso BES voltou a ser pedido. Em ambos os casos o Banco de Portugal voltou a negar o acesso.

Em maio de 2016, uma notícia do Jornal de Negócios levantou um pouco do véu ao que até então escondia o documento, revelando que as críticas à atuação do Banco de Portugal no caso BES recuavam ao tempo de Vítor Constâncio. A intervenção da deputada do CDS Cecília Meireles na audição recente a João Costa Pinto assim o confirmou: “A exposição ao Grupo Espírito Santo é a história de um desastre à espera de acontecer”. Desde o ano de 2000 que a exposição ao ramo não financeiro estava sistematicamente acima do limite prudencial dos grandes riscos. Em 2002, eram 970 milhões de euros.

Outra das questões apontadas era a existência de informação sobre o Grupo Espírito Santo e as operações em Angola do BES, que não terão sido utilizadas pelo Banco de Portugal no seu trabalho de supervisão ao banco.

Numa audição [em 2017] que se prolongou pela noite fora, Carlos Costa chegou a desafiar os deputados a irem ao Banco de Portugal consultar os documentos técnicos de acompanhamento ao BES, mas que estariam sempre protegidos por sigilo bancário.

A pressão socialista para afastar Carlos Costa

O primeiro ano do governo de António Costa foi especialmente difícil para Carlos Costa, com as relações entre o Executivo socialista e o governador a atingirem o ponto mais baixo de sempre, com pedidos de demissão no Parlamento e ataques públicos dos socialistas ao governador. O pretexto era a resolução do Banif, decidida nos primeiros dias da governação socialista.

Mário Centeno, que já tinha capital de queixa pessoal contra Carlos Costa (por alegadamente ter cedido a pressões do PSD/CDS para não lhe dar o cargo de diretor do departamento de economia do Banco de Portugal), não perdoou a manobra (que sabemos hoje ter sido uma segunda recapitalização do banco devido às deficiências da resolução de 2014), que lhe custou caro a gerir numa altura em que os mercados desconfiavam dos socialistas.

A verdadeira origem do mal estar era a gestão do balanço do Novo Banco e a transferência de dois mil milhões de euros de dívida sénior detida por grandes fundos internacionais para o ‘banco mau’.

E não se pode demiti-lo? É muito difícil

Segundo os estatutos do Banco Central Europeu, o governador pode ser substituído se “deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave”. E apesar do segredo, mesmo os maiores críticos de Costa sabiam que o relatório Costa Pinto não dava poder de fogo suficiente para afastar Carlos Costa. O governador só sairia pelo próprio pé e não o fez.

Enquanto Portugal especulava sobre o que estava na auditoria interna que Carlos Costa escondia, um relatório de peritos independentes para o Fundo Monetário Internacional fez um balanço muito negativo quanto à forma como o Banco de Portugal, a quem foi dada autonomia, geriu a banca durante a assistência internacional. O caso BES foi um dos temas analisados, com os peritos a constatarem que, apesar das fragilidade dos bancos, os banqueiros gozavam de um elevado estatuto social em Portugal.

Exame ao FMI põe Banco de Portugal em xeque por falhas na banca. Governador contesta: há erros graves

Em 2017, e na sequência de uma série de reportagens emitidas pela SIC, o “Assalto ao Castelo”, e nas quais foram reveladas notas internas do Banco de Portugal que defendiam o afastamento de Ricardo Salgado mais cedo do que foi feito — o escrutínio sobre o governador voltou a subir de tom. Numa audição que se prolongou pela noite fora, Carlos Costa chegou a desafiar os deputados a irem ao Banco de Portugal consultar os documentos técnicos de acompanhamento ao BES, mas que estariam sempre protegidos por sigilo bancário.

Centeno governador também diz não, mas….

Poucos metros separam o Terreiro do Paço, onde está o Ministério das Finanças, e a sede do Banco de Portugal, mas maior será a distância entre Mário Centeno e Carlos Costa, ainda que as duas nomeações tenham sido rodeadas de polémica política. Três dias depois da chegada do novo inquilino à rua do Comércio, o Bloco de Esquerda voltou à carga para pedir ao governador Centeno o que o governador Costa recusou sempre entregar: a auditoria à atuação no caso BES. E com um bom argumento: o Governo do qual Centeno foi ministro tinha pedido acesso à auditoria e também ouvido ‘não’.

BES. Governador Centeno recusou dar ao Parlamento o que Governo de Centeno pediu

Mas o governador Centeno manteve a recusa ao Parlamento, ainda que abrindo uma porta. Lembrando que a instituição está vinculada ao cumprimento do quadro legal que rege a sua atividade, designadamente o respeito pelo dever legal de segredo profissional” e que “a violação do referido dever de segredo implica responsabilidade criminal”, acrescentou que aguarda […] “decisão judicial que aprecie e decida acerca da eventual quebra do dever legal de segredo”.  E se o for “decidida essa quebra do dever legal de segredo, o Banco de Portugal colaborará, de imediato, com o Tribunal, ficando, nos exatos termos dessa decisão judicial, autorizado a disponibilizar, desde logo, esse documento ao Tribunal”.

Em janeiro deste ano, e com mais um inquérito parlamentar à banca em curso (o do Novo Banco), o documento chegou finalmente aos deputados, mas mesmo assim marcado com o selo do segredo profissional. Os deputados querem divulgar a auditoria, para além de a usarem livremente na condução dos trabalhos públicos, mas o Tribunal da Relação considerou desnecessário levantar o segredo de supervisão do relatório num processo de insolvência do BES em que a defesa de Ricardo Salgado também reclamava o acesso ao famoso relatório Costa Pinto.

João Costa Pinto foi o homem do Banco de Portugal que coordenou a equipa que, durante quatro meses, fez a avaliação do trabalho do supervisor.

TIAGO PETINGA/LUSA

Relatório secreto até dentro do Banco de Portugal

Em 2019, o autor da auditoria secreta ouvido pela comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, foi questionado sobre quem conhecia a versão final e respondeu: “Os membros da comissão e a pessoa que o pediu, o governador”. E aos restantes membros do Conselho de Administração do BdP? “Não, tanto quanto é do meu conhecimento, não”.

As audições recentes feitas a antigos administradores do Banco de Portugal confirmaram que nem os visados tiveram logo acesso ao documento. Pedro Duarte Neves, que teve o pelouro da supervisão bancária até 2014, revelou que as conclusões do relatório Costa Pinto foram comunicadas por João Costa Pinto numa reunião informal entre o governador aos membros do conselho de administração. Esta versão que também foi dada pelo ex-administrador e presidente do Fundo de Resolução, José Berberán Ramalho, a quem não foi dado o relatório.

Pedro Duarte Neves revelou aos deputados que só teve acesso a uma cópia do documento em março de 2016 (quase um ano depois de ter ficado concluído o relatório final, com data de abril de 2015). O que terá conseguido porque o pediu expressamente, uma vez que a sua intervenção à frente do departamento de supervisão nos anos que antecederam a queda do BES era especialmente visada nesta avaliação.

"Foi para [a discussão interna no Banco de Portugal] que ele foi produzido". E porque não foi? "Sinceramente não consigo encontrar uma explicação para o destino que foi dado". Só quem o pediu, o governador, é que pode explicar.
João Costa PInto, na sua audição na comissão parlamentar de inquérito às vendas do Novo Banco

No entanto, o documento não terá sido distribuído a todos os administradores, nem foi objeto de contraditório por parte dos serviços do banco. Luís Costa Ferreira, responsável pela supervisão do BES entre 2013 e 2014, defendeu que as conclusões poderiam ter sido outras se tivesse havido esse contraditório. Na sua audição, Costa Ferreira contrariou algumas das qualificações que constam da auditoria, considerando que a ação Banco de Portugal foi “enérgica e assertiva”.

O autor do mais famoso documento voltou ao Parlamento numa audição focada na autoavaliação à atuação do Banco de Portugal. E nesta audição Costa Pinto confessou ter ficado convencido que a auditoria pedida por Carlos Costa, e que classificou como uma “decisão corajosa”, seria objeto de discussão interna. “Foi para isso que ele foi produzido”. E porque não foi? “Sinceramente não consigo encontrar uma explicação para o destino que foi dado”. Só quem o pediu, o governador, é que pode explicar. E Carlos Costa ainda não foi ouvido.

A audição ao ex-governador chegou a estar agendada, mas foi cancelada. Costa invocou a pandemia e o facto de pertencer a um grupo de risco (como também o veio a fazer o ex-presidente da CMVM, Carlos Tavares) para ser ouvido por vídeoconferência, mas os deputados não abdicam de uma audição presencial.

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