Índice
Índice
É diretor de informação da TVI desde janeiro de 2015 e aproveita os 24 anos do canal generalista — feitos este dia 20 de fevereiro — para avançar com mudanças que, garante, não ficam “apenas pelas cores” do estúdio. É a propósito disso que Sérgio Figueiredo dá esta entrevista ao Observador, nas instalações da TVI em Queluz de Baixo. A conversa aconteceu a três dias das alterações e ainda se faziam testes e acertos técnicos de última hora no estúdio que acolhe os principais blocos noticiários da estação de televisão. Falou do que quer mas também do que não quer na TVI, como por exemplo um jornal como aquele que José Sócrates apelidou de “caça ao homem” em 2009. Também fala da amizade com o ex-primeiro-ministro e das relações com todos os chefes do Governo com que se cruzou como diretor de jornais (dirigiu o Diário Económico e o Jornal de Negócios). Foi pressionado por todos, garante, e também assume que é pressionado atualmente. A conversa também passou pelo jornalismo, a que regressou depois de ter saído “só com bilhete de ida”. E sempre com provocações à concorrência.
“Quem primeiro agitou o cabo foi a TVI24, ainda antes da CMTV”
A TVI apresentou uma nova imagem. Porque sentiram necessidade disso neste momento específico?
Como em tudo na vida as marcas gastam-se, é preciso fazer um refresh, estava na hora de ter uma imagem mais adequada aos novos tempos e até às novas plataformas. No caso da informação isso também é válido porque este modelo gráfico foi criado na altura em que José Alberto Carvalho chegou à direção da TVI, já tem praticamente cinco anos, o que é muito tempo. Sentimos necessidade de ter uma nova linguagem mais arejada, mais direta e apelativa, mas essa é uma componente de outra grande mudança que está a acontecer ao mesmo tempo que é a de estúdios. E isso não significa apenas mudar as cores, a parceria tecnológica que fizemos permite-nos ter a ultima geração de material audiovisual que existe no mercado. Desde que cá cheguei e mesmo antes, como espetador, não escapei daquela verdade quase universal que os jornais são todos iguais, em todas as televisões. Essa perceção vai mudar, espero que seja para melhor, vamos colocar um jornal com um formato diferente, com a ambição de fazer uma nova forma de jornalismo.
Que implicações terá esta mudança no jornalismo que a TVI faz. Vai mudar?
As televisões generalistas e os jornais tipicamente dirigidos para toda a população portuguesa não podem ser muito codificados, não podem ter uma linguagem especializada sob pena de não falarem para a plateia toda. Não quer dizer com isso que sejam popularuchos. O equilíbrio entre falar para a população e fazer um jornalismo que seja de referência e credível é um desafio comum a todas as televisões. O que estamos a mudar é a forma de fazer chegar a informação às pessoas. O ecossistema tecnológico permite-nos que a informação que muitas vezes vem na edição da peça seja retirada da mesa de edição e transposta para mega walls que temos no estúdio, permitindo que mais pessoas possam intervir no fluxo noticioso, além do pivot. Os pivots são uma instituição, são intocáveis. Cada jornal tem uma referência, seja a Judite de Sousa, o José Alberto Carvalho, o Pedro Pinto, seja quem for. Mas deixam de ser as únicas pessoas da redação que interagem com a audiência e com as notícias. Torna o jornal mais dinâmico, multifacetado e multipolar. Os telejornais de hoje não são muito diferentes dos da pré-história da televisão: uma ancora que lê o pivot, lança a reportagem, recebe a emissão, faz uma entrevista. Nos Estados Unidos…
É a vossa referência?
Temos várias. A nossa referência foi um caminho que se fez ao longo de mais de um ano. Os formatos de informação desportiva nos Estados Unidos, por exemplo, não têm nada a ver com isto que estou a dizer. Usam muito a tecnologia da realidade aumentada, em que transpõem para dentro do estúdio objetos e observadores em movimento e criam uma forma de comunicação acessível mas muito mais apelativa e dinâmica. É nesse caminho que procuramos seguir com esta mudança. Um jornal não muda quando um cenário muda, não é o estúdio que faz o jornalismo, mas a tecnologia desde sempre traz soluções novas que são um desafio à criatividade.
Os espaços informativos vão mudar de nome?
O rebranding dos programas não é o foco desta mudança. O canal de notícias muda radicalmente porque passa de um cenário virtual, que é o dominante em grande parte da emissão, para um real. A perceção que as pessoas vão ter em casa é que vamos estar em sítios totalmente diferentes. Isso não seria possível só com trabalho de carpintaria e pintura. A tecnologia permite fazer essa adaptação. Esta informação vai tornar o canal mais competitivo porque o próprio interface com as equipas que estão fora, vamos ter a impressão que vai estar dentro do estúdio. Os jornais vão ficar muito mais realistas e dinâmicos.
Na TVI24 sentiram essa necessidade também por causa da concorrência, nomeadamente da CMTV que já vos ultrapassou em audiência? A TVI24 estava igual desde o início.
Não é inteiramente justo. A CMTV não é o nosso concorrente, é um canal generalista, não é temático e a sua grelha de programação, fazendo jus à sua missão, está a tornar-se cada vez mais um concorrente da SIC e da TVI generalistas. Embora não sejamos completamente autistas e percebamos que a CMTV trouxe uma dinâmica sobretudo de diretos, porventura em excesso, e toda a gente se ajustou a isso. Hoje o tempo de direto nos canais de notícias é muito maior do que era e não é totalmente mau que assim seja, porque havia também um excesso de conversa em estúdio. Esse equilíbrio hoje é mais bem conseguido. Acho que é injusto porque quem primeiro agitou o cabo foi a TVI24, ainda antes da CMTV. A CMTV já existia mas jogava apenas com a equipa até ao meio campo, não tinha nem médios nem avançados.
Aproveitando as expressões futebolísticas, quem à noite vê os canais de informação o cabo fica com a impressão que o país é uma bola de futebol, são só programas de debate de futebol. A TVI24 tinha uma perspetiva mais política. Mudou porquê? A política não vende?
Num ano em que a política teve informação importante e acontecimentos muito importantes, legislativas, presidenciais, a TVI24 atingiu a liderança no prime time, com formatos de política. Não quer dizer que fosse o mesmo programa que o Paulo Magalhães criou, e bem, com um espaço fixo. Temos a noção de que criámos conteúdos diferenciadores, fizemos uma junção do prime time ao jornal principal da estação antes de todos os outros, e com isso o arranque do horário nobre passou a ser muito mais forte do que o da concorrência. Os pivots que antes eram só exclusivos dos principais jornais passaram a aparecer no cabo. A Clara de Sousa e o Rodrigo não apareciam no cabo e agora já aparecem e isso aconteceu em reação a algo que começou aqui. Quem agitou primeiro as águas não foi a CMTV.
Mas a questão era sobre o excesso de futebol.
A atualidade é a atualidade. Quando temos uma atualidade política que o justifique, abrimos espaço à política. Quando há um congresso, por exemplo.
Estou a falar de programas fixos de debate político. Deram lugar ao futebol?
Não. Houve programas de política integrados em noticiários, como o da dra. Ferreira Leite que tinha um espaço próprio e foi integrado num noticiário. Faz sentido reforçar o principal jornal que temos no cabo.
Como programa autónomo não funcionava, é isso?
Não, funcionava. É uma opção como outra. O que não funcionava, e isso são as audiências que dizem, era estarmos amarrados a programas fixos independentemente do que estava a acontecer no momento. A antena era feita muito mais em função do comentador do que do espetador. Foi essa perspetiva diferente do que devia ser a gestão de uma grelha que levou a um contratempo, que foi público.
“Santos Silva desconvidou-se e disse o pior possível” da TVI
Ia falar desse episódio, com o que é agora número dois do Governo, Augusto Santos Silva.
Ele achava que era estranho haver um assunto de atualidade que justificasse uma mudança de grelha e como um canal de informação deve reagir à atualidade e não ficar preso aos 20 minutos que estavam reservados seja a quem for.
Esse caso perturba as relações que tem hoje com o atual Governo, onde Santos Silva é número dois?
A mim não perturba nada. Sei que o ministro dos Negócios Estrangeiros, número dois do Governo, até agora não quis aceitar nenhuma entrevista que lhe foi pedida pela TVI, mas imagino que tenha a ver com agenda e que não tenha a ver nem com birra, nem com ajuste de contas, porque somos todos superiores a isso. Não é nem ele, nem eu. É um Governo e uma estação de televisão.
No futuro era uma pessoa que poderia voltar a convidar para ter um espaço de comentário?
Dificilmente. Ele excluiu-se no processo. Quem pensa aquilo que ele passou a pensar de nós e o tornou público não quer estar a trabalhar neste sítio, por uma questão de coerência. Não posso sentir-me feliz num sítio que está mal frequentada e de quem eu digo horrores e de quem faço julgamentos de carácter. Se disser que me censura, que não me respeita, será a última pessoa com quem vou trabalhar. Mas é uma questão e coerência, não é de gosto nem de linha editorial. Não faz sentido que haja convite para uma pessoa que se desconvidou e que disse o pior possível.
Vai finalmente aparecer o comentário de Paulo Portas que está previsto há cerca de um ano?
Sim, Paulo Portas tem vindo frequentemente ao jornal principal fazer sobretudo comentário sobre atualidade internacional. O espaço de comentário dele tem sido adiado por dois motivos: estamos a viver num estúdio provisório há cinco meses e o espaço de informação ou comentário que temos pensado para Paulo Portas requer um grafismo e uma potencialidade gráfica que os antigos estúdios não tinham. A segunda tem a ver com razões dele próprio que, na sua nova vida, está obrigado a muitas ausências no estrangeiro. Isto também tem dificultado um pouco o arranque.
Já tem data para arrancar.
Será dentro em breve, nas próximas semanas.
E será um espaço limitado aos temas de internacional ou esse espaço de comentário pode tornar-se numa coisa como o de Marques Mendes [na SIC] ou de Marcelo Rebelo de Sousa?
Como o dr. Marques Mendes seguramente não, porque queremos mais audiência. A nossa ambição é não fazer baixar as audiências do jornal. Agora ele falará sobre o que quiser. O professor Rebelo de Sousa, como estava como comentador, escolhia os seu próprios temas e esse grau de liberdade é concedido ao dr. Paulo Portas e a qualquer comentador que esteja na nossa antena. Nós neste momento não temos um comentador fixo no canal principal.
E a ideia é essa, é ter um substituto de Marcelo Rebelo de Sousa?
Não. Marcelo Rebelo de Sousa é insubstituível, é uma coisa única criada num rasgo não sei se de genialidade ou de loucura, na altura, creio que por José Eduardo Moniz. Porque não era óbvio naquele momento ter uma pessoa que, naquela altura nem sequer tinha o carisma que entretanto ganhou, a falar durante 30 minutos num estúdio de televisão consecutivamente. Só se tornou o fenómeno que conhecemos e que, pelos vistos, se perpetua na Presidência da República, porque ele é uma personagem única. Não houve nenhum Presidente da República como ele, tal como não tinha havido nenhum comentador como ele. Para nós sempre foi claro que não havia um sucedâneo. Qualquer coisa que aparecesse teria de ser diferente e Paulo Portas é muito diferente de Marcelo Rebelo de Sousa. Não estou a falar de carisma, mas de personalidade.
O Emídio Rangel dizia que uma televisão vendia tudo, até um Presidente. Este Presidente foi a TVI…
… que vendeu? Se vendeu não recebeu nada por isso.
Mas ajudou? Era possível chegar lá sem a TVI?
Era. Todos os outros chegaram sem a TVI. Este, com o percurso que fez, ganhou notoriedade, credibilidade e sobretudo simpatia. Ele é muito popular. Marcelo quando era colaborador da TVI não fazia selfies, aderiu às selfies em campanha eleitoral. Mas passava em sítio públicos e eu estive uma vez com ele no aeroporto no Porto e quase que se perdia o avião porque os lojistas saíam de trás do balcão para tirar fotografias com ele. Era uma popstar.
Isso tem a ver com a exposição que ele teve na televisão ao longo de 15 anos.
Só tem a ver com isso, não tem a ver com outra coisa. Não foi como líder do PSD, muito menos como professor de Direito, que ganhou essa dimensão popular.
É nessa medida que perguntamos se a televisão ajudou.
Foi ele que se ajudou a si próprio. A televisão limitou-se a dar espaço a um comentador que era líder de audiências. Não foi com o propósito de eleger quem quer que fosse, pelo menos falo pelo tempo que convivi com ele. Não era isso que me motivava, e julgo que não era o que motivava o José Alberto Carvalho. Marcelo dava credibilidade e prestígio e sobretudo audiências e fazia-o de uma forma única. Podemos colocar uma grande reportagem em antena, mas o nosso concorrente também pode. Não ganhamos pela diferenciação. Aquilo não tinha combate possível. Qualquer coisa que se colocasse contra Marcelo Rebelo de Sousa perdia. Era único desse ponto de vista, não só pelo impacto que tinha, mas pelo tempo que durou. A televisão foi uma coisa necessária mas não era suficiente se ele não tivesse outras características.
José Eduardo Moniz é conselheiro para a ficção e para o entretenimento, dá-lhe conselhos também na área informativa?
Conselhos não, falamos muito. Seria um tremendo exercício de estupidez da minha parte ter dentro de casa uma pessoa com os conhecimentos, a experiência e o talento que ele tem e desperdiçá-la. Seria obtuso. Somos pessoas muito diferentes e com cabeças diferentes, mas ganho muito com o confronto de opiniões e obriga-me a pensar além do quadrado. E ele faz muito isso, aliás foi a vida toda assim. Ele é capaz de surpreender e ir buscar coisas que ninguém vê e que ninguém arrisca. E mantém isso ao fim destes anos todos. Eu procuro mas ele também não se inibe de me ligar. Na maior parte das vezes não se faz porque implica meios que já não existem na televisão de hoje. Existiam na televisão no tempo do Moniz e do Rangel, mas não existem no tempo de hoje.
Perguntas rápidas para respostas rapidíssimas
↓ Mostrar
↑ Esconder
Mário Centeno quando foi seu colega na faculdade também cometia erros de perceção mútua?
Não.
É pai, adotou uma criança há uns anos. Defina o amor de um pai adotivo.
É igual ao amor de um pai biológico. Só é diferente por ser menina e não por ser adotado.
Que livro está a ler?
Estou a ler os irmãos Karamazov do Dostoyevsky mas é grande e acabo por demorar mais tempo. Recomecei a ler no Natal vou para aí na página 375, faltam-me só mais 400.
E quando chega a casa prefere o livro ou ainda liga a televisão?
Não, quando chego a casa prefiro jantar com a Margarida [Pinto Correia] conversar com ela. Se tudo correr bem, já não ligo a televisão, mas normalmente tenho de ligar. Os livros são para momentos mais longos, para o fim de semana, ou mini férias.
Que programas procura quando liga a TV?
Sobretudo os meus.
Então é sempre em trabalho?
Agora sim.
Era um espetador da Casa dos Segredos?
Não.
Já tem Netflix?
Não.
Não é adepto desse sistema de cada um fazer a sua própria grelha?
Sou adepto e espero que a TVI seja também um dos grandes fazedores dessa televisão personalizada.
“Estranho, e todos nós devíamos estranhar, que ao fim deste tempo todo não seja deduzida acusação” a Sócrates
Houve uma fase de um jornalismo mais agressivo, do Jornal de Sexta. É possível regressar esse tipo de formato?
Jornalismo é jornalismo. Cada um de nós, com as responsabilidades que tem, coloca a sua personalidade, o seu ADN, o seu estilo e sua liderança. O “Jornal de Sexta” não era o “Jornal Nacional”. O “Jornal Nacional” chegava à sexta-feira e tinha a marca da Manuela. A Manuela Moura Guedes era muito o corpo e a alma daquele jornalismo e, volto a dizer, tinha um conjunto de pessoas exclusivamente dedicadas a um jornal de um dia, o que não é possível ter hoje. Por mais que quiséssemos nesse estilo ou noutro.
Mas o problema é de falta de recursos ou de vontade?
Não, eu sou diferente da Manuela. A Manuela Moura Guedes não é seguramente o Sérgio Figueiredo nem o Sérgio Figueiredo é a Manuela Moura Guedes. A informação da TVI é feita em função do momento, das circunstâncias e das pessoas que estão à sua frente.
Aquele jornal específico foi caracterizado pelo então primeiro-ministro, José Sócrates, como um jornal de “caça ao homem”. Como espetador desse jornal, via isso?
Aquele jornal pisava muito o risco, não era só em relação ao José Sócrates. A Manuela Moura Guedes, antes do Jornal de Sexta, já era pivot nesta estação e noutra antes. Como diretor de um jornal de economia via muitas vezes jornais que apresentava e ela teve uma relação com o poder muito tensa.
Porque é que houve aquela reação do poder que estava em funções?
Sei lá! Não sou ele, não sou do partido dele.
Mas havia motivos para isso, para aquela reação?
Não sei. Se quer que diga nem quero saber. É coisa que não me atinge. Nem me envolve. Tenho a minha opinião, que reservo, mas não tenho de a exprimir enquanto diretor da TVI.
Escreveu um artigo no Diário de Notícias logo a seguir à detenção de Sócrates que intitulava de “Gosto de José Sócrates” e que terminava a dizer: “Sócrates perde tudo, a reputação, o dinheiro, a licenciatura e, provavelmente, os amigos. Dói só de pensar. Não é por isso que deixarei de procurá-lo. Onde quer que esteja”. Continua a procurá-lo e a considerá-lo um amigo?
Dizia mais do que isso. Em primeiro lugar, o diretor de informação da TVI não tem amigos nem inimigos e que isso fique claro. Porque, se José Sócrates fosse novamente detido, eu queria dar essa notícia antes de todos. Se José Sócrates for, finalmente, acusado do que quer que seja, eu quero dar essa notícia antes de todos. Fiz uma coisa que é rara em Portugal: expus-me. Podia ter ficado calado. Passei a vida toda enquanto editorialista, jornalista e cidadão a queixar-me de uma Justiça que não chegava aos poderosos. Vivi uma contradição, um conflito interno, entre desejar que isso acontecesse e que, ao mesmo tempo, naquele caso, fosse engano. Pela pessoa, porque me custava. Mas, se fosse justo que fosse assim, paciência: pensando nos nossos filhos, no país que queremos e no ar que respiramos.
O artigo também dizia isso. Que se fosse julgado e condenado, Portugal seria um país resgatado.
Dizia, dizia. Não lhe fazia uma prova de fé, nem clamava inocência. Nem na altura, nem hoje. Não me compete a mim fazer isso. Estranho, não é como amigo, é como cidadão. Todos nós devíamos estranhar que ao fim deste tempo todo não tenha sido deduzida uma acusação e não se saiba do que ele é acusado. E isso deve preocupar-nos. Naquele caso e noutros. Naquele caso estamos a falar de alguém que foi primeiro-ministro. E acho que aqui temos uma questão de sistema e de regime. Não tem a ver com amizades.
A TVI acabou por fazer a primeira entrevista após a saída de José Sócrates, já depois do Sérgio ser diretor de informação.
A primeira entrevista foi feita ainda antes de eu ser diretor. Foi feita por escrito.
Estamos a falar da primeira televisiva.
Isso foi. Mas já tinha havido, pelo meio, uma tentativa de haver outra por escrito.
Houve críticas, talvez até sugestionadas por essa amizade, de que a entrevista tinha sido demasiado branda.
Não fui eu que a fiz. E considerar que o José Alberto Carvalho, que não tem nada a provar, se sujeitou a uma combinação de um diretor com um entrevistado é um insulto acima de tudo para ele. Já disse mais de uma vez que essa entrevista não era da TVI. Era da SIC. Quando a TVI a pediu, ela estava prometida à SIC.
O facto de ter havido uma relação de amizade ajudou a que fosse desbloqueada para este lado?
Já éramos amigos antes.
Por isso mesmo.
Se não fosse pela amizade, ele não tinha feito uma promessa ou uma combinação na SIC.
Mas tinha entrado na TVI aqui nessa altura.
Não, não. Já estava cá há mais de um ano. Esta entrevista acontece no fim de 2015. Eu estava cá desde janeiro. Já tínhamos ido à prisão, eu e o António Prata, tentar que a entrevista fosse feita naquela altura [ainda não se sabia quando ele ia ser libertado]. Por escrito. Porque não é possível, como sabem, gravar uma entrevista num estabelecimento prisional.
Mas houve um grande impacto nas redes sociais e nas colunas de opinião sobre a maneira como foi conduzida a entrevista, de tal maneira que o José Alberto Carvalho e o Sérgio responderam publicamente às críticas. Tendo em conta o que se passou arrepende-se de ter escrito o artigo que escreveu a expor essa amizade?
Não. Nunca me arrependi de assumir aquilo que sou. Expus-me. Não precisava de ter escrito aquilo. Não era diretor da TVI.
Como diretor de informação tinha feito um artigo daqueles?
Como diretor de informação, não. Eu, diretor de informação, não tenho amigos nem inimigos. Tenho as minhas opiniões, amizades, amores e desamores, mas não tenho de as tornar públicas. Nem devo. Porque a partir do momento em que assumo essa opinião debaixo de um estatuto e de um cargo tenho de falar enquanto detentor desse cargo. Toda a gente sabe que sou do Sporting porque não escondo, mas não milito no Sporting, não vou fardado para os jogos. Não vou dizer que deixei de ter clube quando entrei aqui. Eu tenho voto em todas as eleições, mas não posso militar num partido político. Portanto, os meus amigos, a partir do momento em que assumo a cara de um projeto de informação ficam para comigo. Não posso, nem devo tornar isso público. Na altura estava livre desse compromisso coletivo. Falava por mim e pelo que representava.
Tendo em conta que o é hoje preferia não o ter escrito?
Só me arrependo daquilo que não faço. Nunca me arrependo daquilo que sou e do que assumo ser. Não cometi um crime. Escrevi um artigo genuíno e sincero. E se quer que lhe diga: corajoso. Porque o mais fácil ali era fingir que não conhecia. Como, aliás, quase toda a gente fez. Os que ele ajudou… Porque não devo nada a ninguém. Nada. Nada. [José Sócrates] não me prometeu nada. Não me ofereceu… ofereceu-me um livro agora.
“Não vou mostrar mensagens de SMS que António Costa me manda”
Foi diretor de vários órgãos de informação. Alguma vez foi pressionado por algum Governo?
Por todos menos pelo de Santana Lopes. Já disse isso uma vez. Também ele é diferente e não teve tempo para isso.
Todos os governos pressionaram?
Todos. Os primeiros-ministros!
Os próprios primeiros-ministros? Incluindo o atual? Já o pressionou?
Este? Já. Quer dizer… Já se chateou comigo em público, sim. Mas não vou mostrar mensagens de SMS que ele me manda.
E o anterior?
Todos eles.
Portanto, o atual primeiro-ministro António Costa pressionou-o. E o anterior, Passos Coelho?
Diretamente, não. Mas houve momentos muito dispensáveis.
Quer dizer quais?
Não.
Houve aqui um momento muito complicado para a TVI e, desde que é o diretor de informação talvez seja o mais difícil, tem a ver com a notícia sobre o Banif. Essa situação fragilizou-o a si e afetou a credibilidade da TVI?
Foram momentos muito difíceis. Mais meus do que da TVI. Foi muito centrado no diretor. Não me queixo. Foi assim porque também assim quis.
Deu o corpo às balas?
Não dei o corpo às balas. Fiz aquilo que era a minha obrigação: cheguei-me à frente e falei em nome da estação, em nome da equipa. Limitámo-nos a fazer o nosso trabalho. Estávamos a fazer o nosso trabalho, que é jornalismo. Tínhamos informação suficiente para… Ainda hoje, quando dizem, mas o banco foi objeto de resolução… fui diretor do Diário Económico, fui diretor do Jornal de Negócios e se tivesse aquela informação, garanto que a manchete diria que o banco ia ser objeto de resolução, porque o meu público entendia. Uma resolução acabou por acontecer com o Banif, que é venda e liquidação de um banco que desapareceu. Estava tudo preparado para o banco fechar. Como, de facto, fechou. Portanto, é um eufemismo.
Foi uma questão de semântica ou foi mesmo um erro jornalístico?
Essa pergunta pressupõe que nada ia acontecer ao banco se a notícia não tivesse sido dada. E isso é que carece de ser avaliado. E não o contrário. Porque há uma comissão parlamentar de inquérito que conclui justamente o contrário. Só uma mente perversa ou, pelo menos, enviesada é que acha que aquele banco morreu no dia em que a notícia correu no rodapé de uma televisão. Querer arranjar naquele rodapé a razão pela morte do banco é demagogia, é manipulação, é encontrar um bode expiatório para alijar responsabilidade de quem teve. O banco foi mal gerido e está falido.
Foi isso que se passou no Parlamento quando o chamaram lá?
Os grupos parlamentares protegeram as responsabilidades políticas que aquele Governo [do PSD/CDS] tinha tido. Já agora, aliviaram também as responsabilidades dos gestores que esse Governo tinha, pelo menos, mantido. Éramos acionistas do banco: o Estado tinha 60% do banco, não é sequer um caso análogo aos outros todos. Deu-lhes muito jeito ter um bode expiatório. Usei a expressão e acho que até hoje é essa imagem que me sugere: colocaram-me um cadáver aqui dentro de casa e acusaram-me de assassínio.
O caso continua a aberto? Foram notificados pelo Ministério Público para prestar esclarecimentos por causa deste caso?
Sim. Houve anúncios de queixas particulares e foi aberto um inquérito. Já fui ouvido por um procurador como testemunha.
Não é arguido? A TVI não é arguida?
Não. Testemunha. O inquérito decorre e julgo — pelo que li nas notícias, já que não recebi nenhuma notificação do tribunal –, porque mesmo que o MP não acompanhe a queixa, pode haver a queixa criminal, particular ou cível. Mas até à data, não. Fala-se sobre o Banif, se houve jornalismo a mais. O que houve foi jornalismo a menos com o BES. Se tivéssemos feito todos o nosso trabalho, provavelmente o aumento de capital não tinha sido feito. Se alguém tivesse alertado que o banco estava como estava…
Mas o que terá acontecido aos jornalistas aí no caso BES?
Aconteceu ali o que aconteceu ao país todo. Ao Presidente da República, ao governador do Banco de Portugal, ao Governo da altura, aos ministros das Finanças, em que toda a gente até à data falava no ring fence. Ah, não, o banco está a salvo, o grupo é que… Mas há aqui um anel defensivo que permite que o banco sobreviva. Temos de aprender com os erros porque houve gente que acreditou nisso. E houve um aumento de capital e pessoas que meteram dinheiro e perderam e pessoas que tinham obrigações e que não as venderam porque ouviram toda a gente. Já repararam que se tivesse sido mau jornalismo ou se tivesse havido erro jornalístico tinha havido um desmentido das autoridades. Não fui desmentido pelo Banco de Portugal. Não fui desmentido pelo Ministério das Finanças. Não foi desmentido pela CMVM, nem pela Comissão Europeia, nem pelo Fundo de Resolução.
Foi diretor de dois jornais económicos. O que podia ter feito para evitar que houvesse uma situação como a do BES se os jornalistas tivessem feito o seu trabalho? O que devia ter sido feito?
Devia ter sido procurada a verdade. Devia ter-se acreditado que era possível, sim. Que não era too big to fail.
Ricardo Salgado também o enganou? Suponho que privava com Ricardo Salgado. Sentiu-se enganado? Mantém a mesma imagem que tinha dele antes do caso BES?
É impossível. Ninguém tem a imagem, nem do BES nem do seu principal líder, que tinha. Os últimos sete anos de BES não acompanhei enquanto jornalista porque não estava na profissão. Julgo ter sido aí que começou a desgraça. Não sei se foi aí que começou a má gestão no sentido de práticas que alguém um dia considere que são ou não criminosas, que também até agora são só suspeições e indícios. Acho que não há nenhuma acusação deduzida a nenhum responsável ou ex-responsável do BES. Mas eu recordo que, mesmo entre os pares de outros bancos, Ricardo Salgado era considerado “o” banqueiro. E não era só pela tradição. Pelo percurso que ele tinha feito e o grupo que ele construiu. Ele era o líder não só da família, mas do sector.
Os jornalistas ficaram ofuscados?
Todos nós. A sociedade em geral. Aqui não há quem possa mandar a primeira pedra. Auditores, acionistas, assembleia geral, reguladores, jornalistas, todos. Políticos. Não acharam que fosse possível aquele banco falir. Não acharam que fosse possível que o esquema que levou à falência, com imprudência, com porventura dolo, não me cabe a mim julgar, fosse a ponto de ditar a morte do principal banco privado português. E era disso que estávamos a falar, não era de uma banqueta. De um banco como o BPN, que para todos os efeitos, tinha 5% ou 6% da quota de mercado.
“Ninguém vem para o jornalismo pelo dinheiro”
Não se faz jornalismo sem jornalistas. A TVI, neste caso, a redação da TVI é bem paga?
Ninguém vem para o jornalismo para ficar rico. Ninguém vem para o jornalismo pelo dinheiro. Não, não é bem paga.
Na informação deve haver uma diferença grande em termos salariais para as pessoas que trabalham no entretenimento…
Não.
Dentro do grupo, em termos salariais, pode dizer que o setor da informação é o mais bem pago.
Não. Está em linha com o resto. Não há filhos nem enteados. Não vamos considerar a média salarial doutras áreas da TVI, por aquilo que a estação paga às suas principais estrelas. Certo? O entretenimento não é só a Cristina Ferreira, o Manuel Luís Goucha e a Fátima Lopes. A questão salarial da televisão é uma questão que tem a ver com o próprio modelo de negócio da televisão. Não é só a questão do salário, é tudo. É a publicidade que caiu um terço. É os padrões de consumo de informação que mudaram e levaram a que órgãos de comunicação social como o vosso aparecessem e que os que não estão focados no digital tenham que o fazer. Porque hoje já não é uma previsão, é uma certeza. Porque quem gere uma empresa de comunicação social deve gerir não só em função da simpatia que é pagar salários, mas sobretudo da competência de que isso não seja um fogacho e de que esses projetos sejam sustentáveis. E este grupo tem feito um equilíbrio bastante importante entre a rentabilidade e a função de empregador, porque nunca teve, ao contrário de outros, de fazer um despedimento coletivo. Que eu saiba.
A TVI é um negócio rentável lucrativo.
Isso não é uma pergunta. Está nos relatórios e contas.
Por isso mesmo. Estou a afirmar. A Prisa está em crise. Sente que TVI e que a Media Capital sustentam a Prisa neste momento?
A Prisa não está em crise. A Prisa fez um plano de reestruturação…
Ninguém faz um plano de reestruturação quando está em alta.
Peço desculpa. Fez uma reestruturação que a levou a abater passivo e o nível de endividamento, a vendar ativos, reescalonou a dívida com a banca. Que saiba, não houve incumprimento. Portanto, houve um processo de reconfiguração do grupo, que o fez reduzir de dimensão. Por acaso a crise está originada também pela fase de maior expansão. Houve muita aquisição que o grupo fez e que no fundo regressou à base, à origem, centrado nos negócios rádio, imprensa, essa sim que também está em crise em todo o mundo, mas o El País é dos casos até mais bem sucedidos de conversão de uma estratégia de produto-jornal para uma estratégia de marca. É líder digital em língua hispânica, não só em Espanha. Portanto, isto não é de um grupo que esteja em crise. E a Media Capital, e a TVI em concreto, fazem parte de um grupo que tem unidades de negócio que geram cash flow e EBITDA e outras que são deficitárias, mas isso acontece em todos os grupos.
É inevitável que a TVI venha a ser vendida no curto prazo?
Que saiba não. Mas sou a última pessoa a quem deve perguntar. Tenho uma única ação da Media Capital.
Há interesse da Altice? Fala-se em interesse da Altice em comprar a TVI. Há negociações nesse sentido?
Entramos já numa fase de conversa de café?
É recorrente nos últimos 10 anos falar-se da compra da TVI. Já houve variadíssimos interessados. Houve negócios que começaram e que acabaram bastante mal, como o da PT. Acabaram aliás numa comissão de inquérito. Agora, este caso da Altice. Há algum negócio bem encaminhado para a venda da TVI neste momento? Tem conhecimento disso?
Imagine que havia. Acha que ia dizer? Não sou administrador, não falo pela empresa. Sou diretor de informação e, enquanto jornalista, ainda não tive acesso a essa notícia. Não há provas. A única coisa que sei é que há uma notícia que saiu num jornal em Portugal e de um desmentido, julgo que pela CMVM espanhola, que foi publicado pelo grupo Prisa. Se me pergunta se a Altice está interessada, não sei quem é a Altice.
Há pouco disse que ninguém vem para o jornalismo para ganhar dinheiro. Foi por isso que saiu do jornalismo? Para ganhar dinheiro?
Também já disse isso na altura. É a minha vida, não vos diz respeito. Mas quando fui para a EDP fui ganhar exatamente o que ganhava no Jornal de Negócios. E aquilo que ganho aqui é exatamente o que ganhava na EDP, o que quer dizer que em termos reais, hoje ganho menos do que ganhava quando tinha 29 anos, porque é quase o salário que tinha quando assumi a direção do Diário Económico. Como já tenho 50… Portanto, aconteceu-me a mim o que aconteceu o país. Empobreci. Mesmo assim, gostava que o meu salário pudesse ser o padrão de toda a redação. Mas não é. Nem aqui nem em lado nenhum porque as minhas responsabilidades são outras. Todas as opções profissionais que fiz nunca foram motivadas pelo dinheiro. Também nunca aceitei convites que me podiam ter seduzido e me pagavam menos.
Então porque saiu?
Quando anunciei ao engenheiro Paulo Fernandes que ia sair do Jornal de Negócios foi porque tinha tomado a decisão de sair do jornalismo. E quando tomei a decisão de sair do jornalismo, tomei-a tirando só um bilhete, de ida.
Mas porque é que a tomou?
Opção de vida, minha. Porque achei que era importante, em boa hora, ter outras experiências de vida e outros skills. Eu tinha, como deve imaginar, relação com a comunidade empresarial quase desde sempre. Sempre fiz jornalismo económico, toda a minha vida. E não era absurdo que de vez em quando acontecesse uma conversa: “Podias vir para o grupo, podias vir para a empresa”. Tive várias hipóteses de mudar. E nunca o fiz porque, felizmente, nunca tive razões para isso. Inclusivamente, no ano em que fiquei desempregado.
É um experiência diferente, mas na verdade, depois voltou ao jornalismo.
Todos os passos que dei foram planeados, até racionalizados. Regressei ao jornalismo por duas razões: a primeira tem a ver com as circunstâncias do próprio grupo em que estava, que tinha sido objeto de uma mudança de controlo acionista grande. E isso implicou alguma, não vou dizer indefinição estratégica, mas algum ralenti na estratégia que a EDP tinha nas renováveis, internacionalização, nesta área da sustentabilidade em que estava mais presente. Houve um impasse. Portanto, houve estas duas componentes: a nível pessoal e no contexto do grupo EDP. E depois houve um terceiro aspeto fundamental, que foi o convite. Não me inscrevi no Centro de Emprego. Conheci a administradora-delegada da Media Capital por acidente. Sabia quem ela era, mas nunca tinha trocado sequer duas palavras com a Rosa Cullell e, na altura, o diretor do Diário Económico, o António Costa, liga-me e diz: “Olha, o jornal vai fazer 25 anos, já o ano passado fiz um ciclo de entrevistas de agosto e este ano como fazemos 25 anos eu queria convidar dois ex-diretores do Diário Económico a fazê-lo”. E convidou-me a mim e ao Paulo Ferreira. Arranjámos uma lista de 40 pessoas, ficaram 25. E calhou-me a Rosa Cullell. Conheci-a assim. Na semana a seguir estávamos a almoçar, porque ela me convidou, queria falar comigo.
Acha que ter ido para o mundo empresarial e depois ter voltado não cria fragilidades num jornalista?
O Observador teve um diretor [David Dinis] absolutamente extraordinário, que fez um grande projeto chamado Observador e agora é diretor de um dos principais jornais diários que foi assessor de um primeiro-ministro e não deixa de ser um grande jornalista e uma grande referência a todos os níveis: ético, moral, de seriedade.
Mas concorda que um assessor do Governo ou de uma grande empresa passe diretamente a tratar esses assuntos numa redação?
Normalmente, o que acontece é o seguinte: quando há conflitos de interesse — e os jornalistas desde sempre foram fazer experiências para outros lados –, quando regressam de preferência que não seja para a área de origem. Nós tivemos aqui pessoas que estavam a trabalhar nos gabinetes. O Governo mudou, e se é outro partido as pessoas normalmente voltam porque estão em cargos de confiança. Mas não vão para a política. Não vão para as áreas sequer de especialidade que tinham antes. Saúde não é política, mas se estiver a trabalhar com o ministro da Saúde, é normal que se fosse jornalista de Saúde antes, mas não se volta à mesma área após o regresso. Não é por ser sério, é por parecer. É a questão da mulher de César.