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O lugar comum repete-se ao início de cada competição: “No futebol, tudo pode acontecer”. E a verdade é que acontece mesmo. A vitória do Leicester City no campeonato inglês era tão improvável que as próprias casas de apostas ofereciam recompensas de 5000-1. Agora, com a nova edição da Liga dos Campeões, temos muitas perguntas que gostávamos de quantificar. Quem são os principais favoritos? Com três equipas portuguesas em competição, qual a probabilidade de uma delas ganhar? Estamos condenados a ver uma equipa espanhola na final todos os anos?
Para responder a estas e outras perguntas, desenvolvemos um modelo baseado em métodos estatísticos que nos permite tentar ver um pouco do futuro. Veja aqui o gráfico completo, com todas as equipas que competem na Liga dos Campeões.
Quais são as equipas favoritas?
Dado o domínio dos últimos anos, não é surpresa que entre as cinco equipas favoritas estejam três espanholas. O nosso modelo mostra que Real Madrid e Barcelona são os principais candidatos a vencer o torneio, com 23% e 18%, respectivamente (o Atlético surge em terceiro lugar, com 11%). Olhando para as três principais equipas espanholas, vemos que, juntas, têm uma probabilidade de mais de 50% de vencer.
Apesar da existência destes grandes favoritos, há quase um terço (30%) de probabilidade que o vencedor do torneio não seja nenhuma das cinco equipas favoritas — o Bayern de Munique tem 14% de probabilidade e a Juventus 6%, todas as restantes equipas combinadas têm 10%.
As equipas inglesas são as grandes ausentes do lote de favoritos, algo que não e muito surpreendente tendo em conta a performance dos últimos anos. O principal favorito é o Manchester City, treinado este ano por Guardiola, com uma probabilidade de apenas 4%.
Olhando para os favoritos é fácil perceber a constante presença de equipas espanholas na final. Nos últimos três anos, a Liga dos Campeões teve duas finais entre o Atlético de Madrid e o Real Madrid. Ao fazermos a simulação podemos ver quais são as finais que acontecem mais vezes — entre elas vemos uma combinação ou outra das equipas favoritas.
Entre as cinco finais mais prováveis existem três entre as equipas espanholas. Ainda mais importante: nas seis finais mais prováveis há pelo menos uma equipa espanhola, o que explica porque é que nas últimas edições houve cinco com pelo menos uma equipa espanhola na final.
Isto acontece naturalmente porque Real Madrid, Barcelona e Atlético são, respectivamente, a 1.ª, 2.ª e a 4.ª equipas do mundo, mas as regras da Liga dos Campeões também ajudam. Equipas do mesmo país não podem jogar no mesmo grupo ou encontrar-se nos oitavos de final, pelo qualquer uma das equipas espanholas tem a vida facilitada por não se terem de enfrentar antes dos quartos-de-final.
O que podemos esperar das equipas portuguesas?
E, agora, as nossas equipas. Quais as suas probabilidades? E, tão ou mais importante do que isso: qual a melhor colocada?
Como é fácil de adivinhar, as equipas portuguesas estão longe de ser as que têm maior probabilidade de vitória. O Benfica, como tricampeão nacional, é, no nosso modelo, a 10.ª equipa favorita do torneio. Mas, depois do percalço da primeira jornada contra o Besiktas, só tem uma hipótese de 2% de acabar com a maldição de Béla Guttmann. O FC Porto tem uma probabilidade bem menor de repetir a vitoria de 2004: 0,8%. E o Sporting, dado o historial dos últimos anos e tendo em conta um grupo particularmente difícil, tem uma probabilidade ainda menor, de apenas 0,4%.
Apesar dos resultados da primeira jornada, tanto o Benfica como o FC Porto ainda se encontram numa boa situação para passar à fase seguinte fase, com quase 60% de hipóteses. Já o Sporting, depois da derrota com o Real Madrid (e a goleada do Dortmund ao Légia), está numa situação bem mais complicada. A probabilidade de a equipa orientada por Jorge Jesus passar aos oitavos de final e é de 23% — ou seja, quase a mesma de o Porto chegar aos quartos-de-final e até inferior à probabilidade de o Benfica chegar também às melhores oito equipas.
Mas deixemos por agora os sonhos de ver uma equipa portuguesa levantar a taça, tal como a seleção fez no Euro, e olhemos para a fase de grupos. O Benfica e o FC Porto têm praticamente as mesmas hipóteses não só de passar aos oitavos de final, como vimos acima, mas também de ficar em primeiro ou segundo lugar do grupo. Dada a natureza equilibrada do grupo do Benfica, vemos que se trata da equipa portuguesa com mais probabilidade de vencer o seu grupo, com 27%.
No entanto, o Benfica tem quase a mesma probabilidade de Sporting e FC Porto de ficar em último no seu grupo. Já o Sporting, por ser uma equipa do pote 3, tem duas equipas (Dortmund e Real) que em muito complicaram a vida dos rapazes de Alvalade, mas a presença de uma das equipas mais fracas do torneio (o Légia de Varsovia) faz com que a possibilidade de ficar em último seja mais reduzida (13%). A equipa do FC Porto começou como favorita no seu grupo, mas nada é certo: em quase 40% dos cenários, não passa a fase de grupos.
O que mudou na primeira jornada?
A primeira jornada da Liga dos Campeões foi particularmente amarga para as equipas portuguesas. Uma das vantagens das nossas contas é poderem ser atualizadas jornada a jornada e ver como mudaram as hipóteses de cada uma das equipas. Curiosamente, vemos que a situação do FC Porto e Benfica piorou um pouco apesar dos empates, já que eles aconteceram nos jogos em que eram favoritos em casa. As contas do Sporting, apesar da boa exibição contra o Real Madrid, complicaram-se ainda mais — porque, como ouvimos todas as semanas no final de cada flash interview, o que conta são os três pontos.
Pode haver uma final entre equipas portuguesas?
Um pouco motivados pela inveja pelos resultados das equipas espanholas, fomos ver em quantas das nossas simulações encontramos uma final entre equipas portuguesas. Nas 10 mil edições da liga dos campeões do nosso modelo, aconteceram seis Benfica-FC Porto na final, quatro Benfica-Sporting e apenas um FC Porto-Sporting. Pelo que as 11 finais portuguesas em 10 mil mostram que a probabilidade anda por volta dos 0,1%. Ou seja, não é (estatisticamente) impossível mas anda lá perto.
O que podemos esperar da segunda jornada?
Depois dos dois resultados improváveis (empates do Benfica e do FC Porto) e do quase milagre no Bernabéu (uma vitória do Sporting tinha uma probabilidade de apenas 5%), estas são as expectativas para esta jornada:
O Sporting parece ser a equipa com a vida mais facilitada, não só entre as equipas portuguesas, mas mesmo entre todas as equipas. Segundo as nossas contas, a equipa de Alvalade deverá vencer os polacos do Légia de Varsóvia com uma probabilidade de 79%. Já o FC Porto e Benfica têm apenas pouco mais de 50% de hipóteses de conquistar algum ponto nesta jornada, já que defrontam as duas equipas mais fortes dos seus grupos. O FC Porto apenas tem uma probabilidade de 21% de vencer na sua deslocação a Leicester. (Numa daquelas perguntas que escapam a um modelo matemático: será que Slimani volta a bater Casillas?) Já o Benfica tem uma tarefa quase tão difícil na sua visita a Sao Paolo, com apenas 26% de probabilidade de ganhar o jogo.
Como funcionam e onde falham as contas?
O nosso modelo é baseado na fórmula Elo, desenvolvida inicialmente pelo matemático húngaro Arpad Elo para criar o ranking mundial de jogadores de xadrez. A ideia intuitiva é relativamente simples: quando uma equipa ganha um jogo torna-se mais forte. Mais ainda: os pontos ganhos no ranking também dependem da força do adversário. Assim, por exemplo, ganhar ao Barcelona dá mais pontos que ganhar ao Arouca.
Para as nossas contas, usamos os resultados do ClubElo.com, que dispõe de uma base de dados europeia com mais de 570 mil jogos de futebol desde 1933. Com isto, conseguimos obter a probabilidade para cada jogo da Liga dos Campeões. Mas um jogo não é o torneio, e, dependendo dos resultados da fase de grupos, poderemos ter diferentes combinações de jogos nos oitavos de final. Para isso, criámos no nosso computador um universo paralelo onde todas as equipas jogam a Liga dos Campeões jogo a jogo. E quando o torneio acaba? Repetimos 99.999 vezes mais. E acredite o leitor que neste universo paralelo, tal como na vida real, tudo o que pode acontecer acontece — incluindo reviravoltas de último minuto. Os favoritos continuam a dominar, mas volta e meia assistimos a histórias mágicas como a da vitória do Leicester na Premier League em 2016 e a da Grécia no Euro 2004, além de outros resultados “impossíveis”. Veja mais detalhes sobre o nosso modelo aqui.
É importante sublinhar que estes modelos não são uma máquina perfeita e que seria muito imprudente os leitores saírem a correr para fazer apostas porque “o modelo disse”. Se este modelo fosse uma máquina perfeita, os autores destas linhas garantem que estariam numa praia das Caraíbas, reformados, a ver jogos de futebol, em vez de estarem a fazer estas contas em frente de um computador.
O modelo é baseado em resultados passados e não lê notícias de jornal, o modelo não sabe de lesões ou de novas contratações que façam a equipa mais fraca ou mais forte. Pelo que tudo pode ser ajustado um pouco mais: o autor sportinguista deste artigo acha que, apesar de todas as contas, a probabilidade do Sporting devia ser maior, já que tem o melhor treinador da Europa. Não estranhe também o leitor que o autor benfiquista pense que este ano o Benfica vai chegar à sua oitava final e, quem sabe, quebrar a maldição de Béla Guttmann, com um golo ao 92.º minuto.
Paulo Rosário é economista e data scientist. Como bom sportinguista, acredita que este ano é que é. Vive em Londres.
Ricardo Santos é economista. É benfiquista, obviamente, bom pai de família e acha que já faltou mais para ver a terceira taça dos campeões no museu da Luz.