Nos bastidores do Parlamento Europeu, entre as salas e corredores onde se encontram os responsáveis da família política do PS, uma opinião parece consensual: quando se fala de António Costa, o que se ouve em resposta é uma chuva de elogios que vão do “grande líder” à “referência na Europa contra a austeridade”. Outra coisa são as reais hipóteses, aos olhos dos próprios socialistas, de o primeiro-ministro português abandonar mesmo o Governo rumo à Europa, afirmando-se para altos voos europeus: neste ponto, os pares de Costa são um pouco mais cautelosos e não lhe carimbam o passaporte para Bruxelas, em tempos que ainda são de muito cálculo político. Ao mesmo tempo, os adversários enumeram os obstáculos que Costa tem pela frente se quiser arriscar essa corrida.
O que parece seguro é que, a colocar-se essa hipótese – seja para a presidência do Conselho Europeu, cargo que lhe é apontado com mais insistência, ou para outro dos “top jobs” que ficarão desocupados no ano que vem, a seguir às eleições Europeias – Costa terá algum caminho feito: a antiguidade e experiência negocial do português é reconhecida e isso coloca o seu nome como hipótese nos meios europeus. E também são constatados os contactos com líderes estrangeiros que vai fazendo e que, ao que apurou o Observador, são registados ao mais alto nível nas instituições europeias – e interpretados como parte de uma possível pré-campanha internacional.
O Observador esteve em Estrasburgo, onde decorreu esta semana a sessão plenária do Parlamento Europeu, e em conversa com diversos responsáveis do grupo dos Socialistas and Democrats (S&D) ouviu os rasgados elogios à governação de António Costa – e logo de seguida as posições mais reservadas quando o assunto é a possibilidade de seguir marcha para Bruxelas. Até porque a somar aos interesses partidários há ainda os interesses nacionais, o que torna a equação ainda mais complexa – e, no que toca aos altos cargos europeus, 2024 virá mexer com todo o tabuleiro político.
Para o alemão Udo Bullman, antigo presidente da bancada dos S&D, António Costa “é um dos políticos mais experientes e capazes da Europa.” Ao Observador, o socialista aponta sobretudo o caminho de recuperação pós-troika em Portugal, que atribui a António Costa: “Desbravou com sucesso o caminho para o futuro de Portugal”. E não é o único, com este mesmo argumento a ser usado por outros dos membros do S&D, como é o caso do espanhol Ibán García del Blanco, que é o coordenador do comité de Assuntos Jurídicos no Parlamento Europeu e acredita que “António Costa não é um primeiro-ministro qualquer.”
O eurodeputado espanhol diz ao Observador que o socialista português “é o primeiro-ministro do primeiro Estado membro que rompeu com a dinâmica da austeridade e marcou caminho para o que veio depois, para políticas noutros países, como Espanha, e princípios que se aplicaram na Europa. É uma grande referência para a nossa família”, reconhece. Também o italiano Brando Benifei, presidente da delegação do país no Parlamento Europeu, aponta “Costa como um bom exemplo de como podemos criar consensos grandes e governar” e “um mediador capaz de falar com toda a gente e liderar iniciativas”, referindo-se ao legado que o socialista deixou depois de ter formado uma coligação de esquerda em Portugal, que reverteu algumas das medidas que permaneciam do tempo da troika, caso do congelamento de pensões e sobretaxas de IRS, por exemplo.
A linha “social” de Costa é também ponto de referência para o chefe de delegação da Lituânia e ex-ministro, Juozas Olekas, que em conversa com o Observador diz que Costa lhe “parece um verdadeiro líder. Faz muito pelo povo e pelos aspetos sociais“, destacou também, admitindo que uma candidatura de Costa aos mais altos cargos europeus possa ter condições para se concretizar depois das Europeias do próximo ano: “É possível, depende dos resultados das eleições”.
O perfil político é o outro elemento que mais vezes é referido pelos socialistas europeus em relação ao primeiro-ministro português que veem como capaz de “criar entendimentos, chegar a consensos a nível europeu. Temos de conciliar opiniões dos cidadãos, dos Estados-membros”, aponta o lituano Olekas.
“A um nível pessoal é respeitado por toda a União Europeia”, acredita o eurodeputado alemão que, no entanto, empurra para o próprio português a pressão: “Tenho a certeza de que retirará conclusões inteligentes para os próximos passos que vier a tomar.” O vice-presidente do grupo parlamentar dos S&D, Alex Agius Saliba, também refreia eventuais entusiasmos com uma possível candidatura de Costa a um alto cargo europeu no futuro próximo.
O maltês reconhece que “Costa será definitivamente um grande líder nas instituições da UE”, mas também diz que “a sua liderança inestimável ainda é necessária em Portugal dado que ele está a fazer um grande trabalho a levar o país em frente”, contrariando a ideia de que basta querer, para as portas de Bruxelas se abrirem de par em par.
Ibán García del Blanco acrescenta que o nome de Costa circula, “tem muito peso a nível europeu e seria muito valorizado”. Mas quando questionado sobre se o português deve avançar, o espanhol é contido: “A decisão é do partido, mas pelo bem dos portugueses espero que não vá.” Espanha tem também um socialista que se destaca quando se fala nestes mesmos altos cargos europeus, ou que pode pelo menos ter interesse em colocar responsáveis do país nesses lugares, embora com destino suspenso: Pedro Sánchez vai a votos, em eleições gerais antecipadas, ainda este mês e isso determinará o seu futuro também na União Europeia. O nome do atual primeiro-ministro socialista em risco de perder o poder para a direita costuma ser colocado ao lado do de Costa quando se fala em nomes em destaque no S&D. “Espero que Sánchez não vá para a Europa, a melhor notícia seria que ficasse. Ouve-se mais isso nos mentideros espanhóis do que aqui” no Parlamento Europeu, garante o eurodeputado espanhol.
O italiano Benifei também remete a pergunta sobre o futuro europeu de Costa para o próprio, embora reconheça que o socialista português “poderia desempenhar muito bem qualquer cargo, do governo ao nível europeu. Essas capacidades são muito boas para liderar o governo mas também para essas posições, seguramente”, diz. E destaca a experiência europeia de Costa — e até o curto tempo em que Costa passou pelo Parlamento Europeu, como eurodeputado (junho de 2004 a fevereiro de 2005): “Já foi no passado membro do Parlamento Europeu, tem não só a perspetiva do Conselho, também sabe a importância do Parlamento Europeu.”
PPE arrefece ânimos socialistas
Já no PPE, a família política a que pertence o PSD, o nome de António Costa é desinsuflado, bem como as hipóteses de vir a ocupar um cargo europeu na era europeia que se seguirá no próximo ano. O eurodeputado do PSD e vice-presidente da bancada do PPE, Paulo Rangel, aponta os vários obstáculos que uma candidatura como a de Costa enfrentaria, a começar pelo facto de aos socialistas europeus faltarem mulheres designadas para os lugares de topo.
Em entrevista ao programa Vichyssoise, Rangel atira: “Falam, falam, falam na igualdade, teve duas Altas Representantes, mas esse é um cargo menor. O PPE hoje tem a presidente da Comissão, a presidente do Parlamento e a Christine Lagarde, no BCE”, contraopõe, provocando mesmo os socialistas europeus: “Só têm mulheres nos lugares de topo e, aliás, todas elas tão reconhecidamente competentes que até o primeiro-ministro António Costa e o primeiro-ministro Sánchez acham — como eu acho — que Ursula Von der Leyen devia continuar como presidente da Comissão”.
E este é apenas o primeiro desafio que Costa terá, com Rangel a apontar também as questões geográficas e a eventual impaciência do Leste com a falta de representantes do seu lado ao mais alto nível. “Se Ursula Von der Leyen ficar na presidência da Comissão, os países eslavos, que hoje em dia não têm ninguém em cargos relevantes, vão exigir isso”.
Além disso, Rangel ainda aponta dois grandes concorrentes para o mesmo cargo apontado a Costa, a presidência do Conselho. O primeiro é Pedro Sánchez que, se vencer as eleições da próxima semana, poderá ganhar força para daqui a um ano seguir para um alto cargo em Bruxelas. Se as perder será mais difícil, tendo em conta que existe uma regra informal que tem ditado que para o cargo de presidente seguem diretamente primeiros-ministros. Se Sánchez deixar de ser chefe do Governo em Espanha, isso prejudicará essa eventual ambição.
Mas Rangel diz que essa tal regra informal pode ser ultrapassada e, nesse caso, poderá haver até outro concorrente de peso, o holandês Mark Rutte que sai do Governo em novembro. Para o eurodeputado português, os liberais “provavelmente vão ter um bom resultado eleitoral e vão ter bastantes governos” na União Europeia, pelo que terão de ser considerados na distribuição dos cargos de peso.
Ao mesmo tempo que esfriam as expectativas em relação a Costa, os sociais-democratas desconfiam da juras do primeiro-ministro sobre cumprir o mandato em Portugal até ao fim, com Rangel a dizer mesmo ao Observador que nos corredores de Bruxelas notou-se, depois do verão passado, algum frenesim entre socialistas para colocarem a hipótese Costa a circular. E no topo do PPE essas diligências mais ou menos discretas têm sido notadas, segundo apurou o Observador.
Nas restantes famílias políticas, o nome de Costa também circula, segundo vários socialistas garantem ao Observador. Maria Manuel Leitão Marques disse-o de forma clara no programa “Sofá do Parlamento”, emitido esta quinta-feira na rádio Observador: “A cotação é alta e não só entre os socialistas.” Uma fonte socialista garante ao Observador que Costa é também visto como um nome forte no grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia. No entanto, o Observador questionou diretamente o co-presidente do grupo, Philippe Lamberts sobre a possibilidade de um apoio ao socialista português, mas o belga recusou pronunciar-se sobre este assunto: “Não tenho nada para dizer sobre esse tema”.
A reputação de António Costa pode ser até assumida pelos adversários dos socialista, no entanto, a possibilidade de esse caminho se abrir depende de muito mais do que da vontade do próprio primeiro-ministro português. A Europa faz, nesta altura, várias contas de cabeça a um ano de umas eleições Europeias que vão ser determinantes para fechar essa equação.
As jornalistas viajaram a Estrasburgo a convite do Parlamento Europeu