Começa a ser uma multidão. Depois de Manuel Pizarro ter sido confirmado como candidato do PS à Câmara do Porto, depois de Filipe Araújo, independente e número dois de Rui Moreira, ter dado todos os sinais de que quer mesmo avançar, numa altura em que o PSD parece estar dependente da vontade de Pedro Duarte, que só dirá alguma coisa algures no final de março, eis que se começa a desenhar uma nova candidatura no horizonte: a de António Araújo, médico, fundador de um movimento independente e ex-coordenador de Rui Rio para área da Saúde.
Com a corrida à Câmara do Porto acelerar em definitivo, há quem jure a pés juntos que António Araújo quer mesmo avançar e que tem um promotor de peso: Rui Rio. Quatro fontes diferentes, ligadas a PS, a PSD e ainda movimento de Rui Moreira, garantiram ao Observador que o antigo líder social-democrata está de facto empenhado na candidatura do diretor do serviço de Oncologia do Hospital de Santo António e irmão de Fernando Araújo, antigo diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde.
O espaço da direita arrisca-se, assim, a ter três candidatos à sucessão de Rui Moreira — sendo que ainda há que perceber o que farão a Iniciativa Liberal e, sobretudo, o Chega. O candidato da coligação PSD/CDS, e o preferido é mesmo Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares; o independente Filipe Araújo; e também António Araújo, que encabeça o movimento cívico “Porto com Porto“. O médico tem estado particularmente vocal nas críticas a Rui Moreira desde que, em setembro, apareceu à frente desta plataforma, abençoada por figuras como Rui Rio, José Luís Carneiro ou José Silva Peneda, por exemplo.
O próprio, aliás, nunca afastou a hipótese de vir a ser candidato à autarquia e, ainda, no final de outubro dizia, em entrevista ao Diário de Notícias, estar a ser “pressionado por múltiplos dirigentes de partidos” para se “candidatar à Câmara do Porto”. Mas os rumores sobre a verdadeira origem e intenções desta candidatura começaram a ganhar força praticamente assim que Araújo apareceu — tinham o dedo de um velho conhecido da cidade.
No entanto, em declarações ao Observador, Rui Rio nega categoricamente estar no terreno a recolher apoios para António Araújo, lamenta que o envolvam em intrigas partidárias e limita-se a elogiar o médico. “O professor António Araújo é um profissional prestigiado e foi o coordenador da saúde do Conselho Estratégico Nacional do PSD no meu tempo. Conheço-o bem e tenho estima por ele”, remata.
Coisa diferente é o que se vai comentando nos corredores da pré-campanha ao Porto. Entre socialistas ouvidos pelo Observador, por exemplo, há quem argumente que o facto de Rui Rio ter aparecido ao lado de António Araújo na primeira conferência organizada pelo movimento “Porto com Porto”, logo em outubro, é motivo mais do que suficiente para que se perceba que a eventual candidatura de António Araújo tem a bênção do antigo líder social-democrata.
Uma agenda intensa
Também do movimento independente de Rui Moreira se jura a pés juntos que o antigo presidente da Câmara do Porto esteve ativamente no terreno a procurar apoios para o médico, suspeita que é corroborada por fontes ligadas às estruturas do PSD na cidade. Ribau Esteves, social-democrata e ainda presidente da Câmara de Aveiro, falou abertamente dessa possibilidade no seu habitual espaço de comentário no Porto Canal, dizendo que Rui Rio tinha “envolvimento ou, pelo menos, relações muito próximas” com o movimento independente de António Araújo.
De resto, Rio não foi a única pessoa do universo social-democrata a aparecer ao lado de António Araújo. José da Silva Peneda, ex-ministro do Emprego e da Segurança Social de Cavaco Silva, esteve com Araújo. António Tavares, presidente da Santa Casa da Misericórdia do Porto, há muito um colaborador próximo de Rui Rio, também participou como orador nessa primeira conferência organizada pelo movimento cívico. Luís Valente de Oliveira, que foi presidente da Assembleia Municipal de Rio para se tornar depois um dos apoiantes de primeira hora de Rui Moreira (de quem se afastaria em 2021) também foi conferencista num evento de 16 de novembro. Miguel Poiares Maduro, que não sendo um rioísta de origem também colaborou com o antigo líder social-democrata, aceitou participar na conferência organizada a 27 de novembro.
Importa dizer que não foram apenas sociais-democratas a aparecer junto de António Araújo. José Luís Carneiro, que nunca morreu de amores por Manuel Pizarro e que chegou a ambicionar ser candidato à Câmara Municipal, esteve no lançamento do movimento cívico “Porto com Porto”. Outro socialista, José Mendes, antigo secretário de Estado nos governos de António Costa, também aceitou participar de um colóquio, por exemplo. Tal como o bispo do Porto, Manuel Linda.
Ao mesmo tempo, o diretor do serviço de Oncologia do Hospital de Santo António tem estado particularmente ativo nos últimos tempos — o que reforça a suspeita dos que acreditam que está mesmo a preparar a candidatura. Ou, no limite, a ganhar margem negocial para ser integrado numa futura coligação do PSD/CDS — outra hipótese que não é excluída por quem tem estado próxim de Araújo ao longo dos últimos meses.
Além de visitas públicas ao renovado Mercado do Bolhão ou a Associação de Moradores, para lá de passeios de bicicleta pelas principais artérias da cidade, António Araújo tem feito ainda comunicados violentos contra Rui Moreira, seja pela demissão do vereador Ricardo Valente, seja pelo atraso nas obras da Metro do Porto — que, curiosamente, Rui Rio também criticou abertamente e em termos poucos simpáticos (“Não conseguiria falar da destruição da Avenida da Boavista sem dizer palavrões”, chegou a dizer o antigo líder social-democrata).
Aliás, quem conhece o universo social-democrata no Porto garante que muitos dos antigos aliados de Rui Rio têm estado a alimentar as aspirações de António Araújo. Do ponto de vista do aparelho partidário, esses apoios estão a ser protagonizados por um núcleo que hoje será minoritário mas que continua com algum peso nas estruturas concelhias e distritais do PSD/Porto, há anos a trocar de mãos e sempre animadas por lutas entre fações que não se entendem de forma nenhuma — ainda recentemente, o mesmo Pedro Duarte foi chamado para liderar a distrital do PSD/Porto para evitar mais uma luta fratricida.
Pizarro esfrega as mãos de contente
Com ou sem o envolvimento direto de Rui Rio na eventual candidatura de António Araújo, a dispersão de candidaturas do mesmo espaço político pode entregar a Câmara Municipal do Porto ao socialista Manuel Pizarro, que se fez à estrada a quase um ano de eleições — ele que já somou duas derrotas, ainda que com resultados honrosos (2013 e 2017) em ambos os casos e tendo ocupado o influente pelouro da Habitação e da Ação Social nos primeiros quatro anos de Moreira.
Nas eleições de 2021, Manuel Pizarro pôs-se fora da corrida (tinha concorrido às europeias em 2019), mas as guerras internas do PS queimaram o candidato escolhido por António Costa, Eduardo Pinheiro, deixando o partido em polvorosa, Tiago Barbosa Ribeiro, deputado e dirigente local, sempre alinhado com Manuel Pizarro, foi praticamente obrigado pelo líder socialista a chegar-se à frente e assumir responsabilidades pelo bloquei à candidatura de Pinheiro. Tudo para somar a pior derrota de sempre dos socialistas na cidade Porto.
À partida, uma terceira corrida de Pizarro, oito anos depois de ter tentado pela última vez, depois de uma passagem por Bruxelas que durou três anos e um regresso algo discreto à política nacional para integrar o governo de António Costa como ministro de Saúde (esteve pouco mais de dois anos no lugar), não parecia uma tarefa nada fácil. Sobretudo numa cidade que, do ponto de vista sociológico e em virtude dos processos de gentrificação que vão afetando os grandes centros urbanos, foi virando cada vez mais à direita.
No entanto, a eventual multiplicação de candidatos dessa área política pode ajudar a favorecer as hipóteses do socialista, que só precisa de ter mais um voto do que o segundo mais votado para governar a cidade. “Manuel Pizarro ainda vai gozar do efeito Miterrand“, graceja um influente elemento do PS no Porto, recordando o histórico socialista que perdeu duas vezes até se tornar Presidente francês. Com as devidas distâncias, a verdade é que o socialista, mais do que conhecido na cidade, tem quase um ano de trabalho no terreno pela frente para reativar a sua rede, enquanto o seu principal adversário partidário, presumivelmente Pedro Duarte, só será apresentado algures entre março e abril.
É uma diferença considerável entre dois partidos que procuram voltar ao poder e que, juntos, não tiveram mais de 33% nas últimas eleições. Há muito trabalho para fazer e muita margem para recuperar, mesmo admitindo que, não havendo Rui Moreira na equação, os eleitores tenderão a olhar com outra atenção para os partidos tradicionais. Ora, à direita, pela multidão de candidatos, o PSD terá, naturalmente, maiores dificuldades em crescer a partir dos 18% que conseguiu nas últimas autárquicas.
Filipe Araújo, número dois de Rui Moreira e vice-presidente da Câmara do Porto, tem um ano para se dar a conhecer seriamente aos eleitores — mas tem cargo, visibilidade, estruturas, poder e obra para mostrar. A candidatura de António Araújo, não tendo, neste momento, hipóteses sérias de vencer, pode chegar aos “5-6%”, estimam várias fontes ouvidas pelo Observador. O Chega poderá ter um candidato forte. E a Iniciativa Liberal, depois do que aconteceu a Tiago Mayan Gonçalves e da recente demissão de Ricardo Valente (ex-PSD, depois militante da IL e vereador de Rui Moreira desde 2013), tem primeiro de arrumar a casa antes de decidir o que fazer com o potencial eleitoral que tem no concelho.
“É o suficiente para estragar as contas ao PSD”, nota um fonte do movimento independente de Rui Moreira. “O Pedro Duarte deixou isto em suspenso e o PSD está sem dinâmica no Porto”, concorda, em jeito de desabafo, uma fonte social-democrata influente na cidade. “Enquanto o partido não matar isto, vão continuar a aparecer [candidatos]. Pizarro já se meteu no terreno, o Filipe Araújo está aí e o António Araújo vai fazendo o seu caminho. Se o PSD acha que só precisa de aparecer em abril e que ganha isto facilmente… Pode ser que não corra bem”, remata a mesma fonte. Vai crescendo a ansiedade. Afinal, é uma oportunidade única de recuperar uma Câmara que foge há 12 anos ao partido.