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"As fricções no abastecimento podem prolongar-se até uma fase adiantada do próximo ano”, antecipam economistas do banco ING.

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"As fricções no abastecimento podem prolongar-se até uma fase adiantada do próximo ano”, antecipam economistas do banco ING.

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Subidas nos custos, atrasos e falta de matérias-primas. O "inferno" nas empresas "tão cedo não irá passar" e vai chegar ao consumidor

Custos de produção tiveram aumentos "exponenciais". Já há açambarcamento de matérias-primas, agravando a escassez. A vida das empresas tornou-se "um inferno". Impacto começa a chegar ao consumidor.

A vida das empresas industriais tornou-se “um infernoe ninguém está à espera que isto passe tão cedo“, lamenta um representante de uma associação do setor metalomecânico. A subida dos custos com energia, matérias-primas e transporte tem sido “exponencial” em vários setores e já há casos de açambarcamento por parte das empresas, o que agrava ainda mais a escassez. Ninguém arrisca prognósticos sobre quando esta crise irá melhorar – até pode piorar ainda mais – e os banqueiros avisam que aqui, sim, poderá haver uma “bomba-relógio”, mais do que nas moratórias.

“Desde o início do ano, matérias como alumínio, aço, zinco, cobre e estanho tiveram aumentos na ordem dos 50% e os 150%“, assinala Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP, associação da metalúrgica e metalomecânica, ao Observador. “As nossas empresas, apesar de numa primeira fase terem tentado acomodar estas subidas à custa das margens, a partir de determinado momento têm vindo a fazer aumentos dos preços de venda” e “já estão a fazê-lo há algum tempo”.

O que está em causa? “Estamos a falar de componentes para equipamentos, para eletrodomésticos, para indústria automóvel, louça metálica (tachos, panelas, etc) cutelaria, eletrodomésticos como máquinas de lavar, fogões”, diz o responsável. Mas “estamos, também, a falar de painéis solares, de estruturas metálicas… Em todos estes casos as empresas estão a aumentar os seus preços, porque aumentaram muito os custos de produção”.

"As nossas empresas, apesar de numa primeira fase terem tentado acomodar estas subidas à custa das margens, a partir de determinado momento têm vindo a fazer aumentos dos preços de venda e já estão a fazê-lo há algum tempo".
Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP.

O retrato está longe de ser exclusivo deste setor. Na área dos têxteis e vestuário, Mário Jorge Machado, da Associação do Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) também aponta para um fardo cada vez mais pesado dos custos com matérias-primas: “todas elas, desde os corantes, aos auxiliares de acabamento, tingimentos, estamparia, etc“. O aumento dos preços no gás natural, que representa chega a ter um peso de 20/30% nos custos de produção de uma tinturaria, é um dos exemplos apontados, já que o seu valor aumentou em um ano cerca de 500%. As empresas, diz o responsável, já estão a repercutir estes aumentos nos preços – mas não totalmente, assegura, e já “há empresas a fechar de vez“.

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Os últimos dados do INE (Instituto Nacional de Estísticas) mostram que os preços na produção industrial aumentaram 15,9% em outubro, mais 2,5 pontos percentuais face a setembro. A energia e os bens intermédios subiram, respetivamente, 50,6% e 14,9% (tinham aumentado 39,4% e 14,2% em setembro). “Estes aumentos estão fortemente influenciados pela evolução dos preços da produção de eletricidade, assim como do petróleo e seus derivados, incluindo os produtos químicos e fibras sintéticas”. Sem a energia, os preços na produção industrial registaram um aumento de 8,5% (7,7% em setembro).

Também no setor alimentar e agro-pecuário há muito que estão a soar os alarmes, devido aos “aumentos verdadeiramente exponenciais, que afetam a produção de produtos fundamentais para a alimentação humana e animal”.

Jorge Henriques, presidente da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA), dá alguns exemplos. “O milho entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021 aumentou 20%. Depois, entre janeiro de 2021 e junho de 2021 outros 20%”; também “a soja, que é fundamental para a produção de rações para a alimentação animal, aumentou entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021 quase 50% – e entre janeiro de 2021 e junho 2021 subiu mais 6,7%”.

Manada de vacas de raça algarvia numa exploração agrícola em Vila do Bispo, 24 de novembro de 2020. Produtores e entidades do Algarve estão empenhadas em recuperar o bovino da raça algarvia assumindo uma crescimento dos atuais 11 para 150 animais até 2022. (ACOMPANHA TEXTO DE 13/12/2020) LUÍS FORRA/LUSA

O setor agro-alimentar nota "aumentos verdadeiramente exponenciais, que afetam a produção de produtos fundamentais para a alimentação humana e animal"

LUÍS FORRA/LUSA

Mais: o “óleo de soja, que é também necessário para a indústria alimentar e rações, aumentou 25% entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021, além de mais 29% entre janeiro de 2021 e junho de 2021″. E pode-se “juntar também aqui todos os outros cereais, que tiveram aumentos de 40%, ou mais em alguns casos” e, ainda, “nos preços dos papéis, cartões, houve aumentos entre 20% a 40% em componentes essenciais das embalagens”.

É “uma tempestade perfeita, que vem a agravar-se a cada semana que passa”, lamenta Jorge Henriques – “e não se prevê alterações significativas, pelo menos, antes de meados do próximo ano”.

“Se se resolver até março, junho, é acomodável. Senão, é um problema”

Um exemplo concreto sobre o setor alimentar foi dado pelo presidente da Caixa Geral de Depósitos, Paulo Macedo. “Estivemos no mês passado com uma empresa do setor alimentar, uma boa empresa nacional, que faz molho de tomate, mostardas, etc. E o que nos disseram é que não têm matéria-prima suficiente para satisfazer a procura”, referiu.

Durante a última apresentação de resultados trimestrais, o presidente da Caixa comentou que as “empresas têm um problema de preço das matérias-primas não-energéticas e energéticas”, ou seja, é, antes de mais, um “problema de preço, que afeta os custos”. Assim, “ou conseguem repercutir esse custo maior nos consumidores ou não conseguem – e se não conseguem isso afeta a margem”.

Além disso, “temos um segundo potencial problema de margens e um terceiro problema que é um possível problema de vendas”, sobretudo relacionadas com as cadeias logísticas, transporte e prazos de entrega – “isso afeta as vendas das empresas. O setor dos automóveis é um exemplo, com algumas marcas e modelos sem entrega a seis meses ou até a nove meses”, concluiu Paulo Macedo.

Falta de chips, fábricas paradas e energia caríssima. Os fantasmas que estão a assombrar a retoma

“Achamos que esta crise será resolvida mas, para já, está a ter estes três tipos de problemas. Se se resolver até março, junho, isto é acomodável, as empresas conseguem suportar este embate, senão claramente vamos ter um problema para as empresas”. E um problema bem maior do que as moratórias que, a propósito, “neste momento são uma questão apenas portuguesa nesta altura, ao passo que o outro problema é global”.

“Achamos que esta crise será resolvida mas, para já, está a ter estes três tipos de problemas. Se se resolver até março, junho, isto é acomodável, as empresas conseguem suportar este embate, senão claramente vamos ter um problema para as empresas."
Paulo Macedo, presidente da Caixa Geral de Depósitos

Menos de um terço dos navios chega ao destino a horas

Num grande contraste com a crise de 2008, nesta crise pandémica também houve uma quebra súbita na procura económica, mas que foi rapidamente restabelecida. Em ambas as crises, as empresas reduziram a capacidade produtiva mas, na retoma pós-2008, as empresas tiveram mais tempo para reagir à recuperação mais gradual da procura.

Por outro lado, na crise provocada pela Covid-19, explica o banco holandês ING, “enormes estímulos orçamentais estabilizaram os rendimentos dos cidadãos e os gastos deslocaram-se dos serviços (como restauração e turismo) para bens duradouros, como eletrónica de consumo”. Isto rapidamente criou uma pressão sobre as cadeias de fornecimento, dificuldades que foram acentuadas pelos surtos de Covid-19 e disrupções climatéricas – desde o Texas até Taiwan.

O transporte marítimo foi um dos setores onde se começaram a notar as dificuldades. Como notam os economistas do banco holandês, em nota de análise recente, se até 2019 entre 70% e 85% dos navios chegavam a horas, essa percentagem caiu para a casa dos 30% desde o final de 2020, segundo dados da Sea-Intelligence citados pelo ING.

“As fricções começaram a ver-se no transporte marítimo e nos semicondutores. Mas rapidamente se alastraram para as matérias-primas e, agora, para o trabalho e para a energia”, acrescenta o ING, notando que “nesta altura, a indústria está a debater-se com dificuldades generalizadas nas cadeias de fornecimento e situações de escassez à escala global”.

Qingdao Port

"A normalização gradual do transporte internacional vai levar meses, o que sugere que as fricções no abastecimento podem prolongar-se até uma fase adiantada do próximo ano", diz o ING

Barcroft Media via Getty Images

É por medo dessa escassez que muitas empresas “preocupadas estão a antecipar encomendas”, o que agrava ainda mais o problema. O mesmo acontece com alguns consumidores, o que torna difícil prever quando é que a situação poderá começar a normalizar-se – “os fatores que suportam a ideia de uma melhoria no curto prazo não são muitos”, diz o ING.

“Embora possamos ter atingido um pico na aceleração do comércio mundial, a julgar pelo último barómetro da Organização Mundial do Comércio, a normalização gradual do transporte internacional vai levar meses, não dias, o que sugere que as fricções no abastecimento podem prolongar-se até uma fase adiantada do próximo ano”, acrescenta o banco holandês. Ainda esta semana o Wall Street Journal noticiava que os estrangulamentos nas cadeias de abastecimento estão a aligeirar, mas não se prevê que fiquem resolvido antes do próximo ano.

“Voltámos ao problema dos açambarcamentos”

Para já, garante Jorge Henriques, da FIPA, “não temos ainda registo de incumprimento por falta de entrega de contentores (nas exportações), apenas temos tido atrasos no fornecimento, com incumprimento de prazos apenas”. Mas esse é um risco real, dada a instabilidade do setor logístico internacional, sobretudo no transporte marítimo.

“Um contentor de 67 m2 na rota Xangai-Roterdão aumentou 659% para 11.600 euros”, diz o responsável, acrescentando que “mesmo outras rotas, importantes também para as exportações, os preços aumentaram seis a sete vezes”. E, para já, não há sinais de melhorias: “não sentimos que esteja a aliviar, o que notamos é que continua uma pressão enorme e não se vislumbra uma luz ao fundo do túnel“.

É inevitável um aumento significativo de preços dos bens agroalimentares, afirma Fenapecuária

Jorge Henriques afirma, porém, que no agro-alimentar não se chegou a “uma situação que se possa dizer que possa vir a pôr em causa ruturas de abastecimento”. Mas isso só não está a acontecer, garante, “porque aumentámos o nível de stocks nas principais indústrias alimentares, com grande esforço, antecipámos em devido tempo essas encomendas”.

Essas “encomendas antecipadas” dão alguma folga, mas daí até à “escassez induzida de materiais” é um pequeno passo, sublinha Mário Jorge Machado, da ATP. Ou seja, “voltámos ao problema dos açambarcamentos“, afirma o responsável, advogando que “se todos mantivéssemos um comportamento de compras habitual a escassez era menor” mas muitas empresas estão, neste contexto, a provocar uma “corrida aos produtos, ou seja, fenómenos de escassez induzidos por este comportamento psicológico”.

"Voltámos ao problema dos açambarcamentos. Se todos mantivéssemos um comportamento de compras habitual a escassez era menor mas já está a haver corrida aos produtos, ou seja, fenómenos de escassez induzidos por este comportamento psicológico".
Mário Jorge Machado, da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP)

Por outro lado, com mais ou menos açambarcamento, chegou-se a uma situação em que “a tesouraria das empresas está em esforço”, afirma Jorge Henriques, da FIPA, acrescentando que “é difícil antecipar até quando é possível acomodar estes custos colossais“.

Alguns produtos já faltam, na distribuição, “mas nada de extraordinário”

A jusante, no momento em que os produtos chegam ao consumidor, os preços de vários produtos já estão a aumentar e já se começa a notar “algumas faltas de produtos, mas nada de extraordinário“, garante Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED, a associação portuguesa de empresas de distribuição.

“Não está dramática a situação”, sublinha o responsável, mas “há um aumento generalizado de preços que se materializa muito nos cereais, nas farinhas – o pão vai aumentar cada vez mais –, coisas que importamos muito (embora também exportemos)”. Em alguns segmentos, “já não existe a mesma oferta, mas não há aqui perigo de morrermos à fome”, defende o responsável.

Os preços estão (ou vão) subir, mas Portugal tem das inflações mais baixas da Europa

Há, no entanto, setores no não alimentar com problemas maiores. “Neste momento, os abastecimentos mais críticos estão relacionados com produtos tecnológicos das categorias de tecnologias de informação, telecomunicações e alguns produtos de entretenimento como é o caso das consolas”, confirma ao Observador fonte oficial da Worten, garantindo esta insígnia do grupo Sonae que “fazemos todos os esforços para, de forma planeada (logo antecipada), garantir que não há atrasos muito significativos na entrega de mercadoria, de forma a assegurarmos o devido stock nas nossas lojas e, assim, correspondermos às necessidades dos clientes”. A Worten garante, por outro lado, que “não está a aumentar os preços dos produtos, devido a estes problemas de escassez”, dizendo, também, que “não temos previstos aumentos de preços dos fornecedores para a mercadoria que vamos rececionar para o Natal”.

Esta antecipação de compras é, aliás, extensível ao grupo. Fonte oficial da Sonae MC diz ao Observador que a empresa “tem usado as suas capacidades de gestão de stock e de aprovisionamento, bem como a boa relação mantida com os fornecedores de longo prazo para minimizar o impacto causado por esta crise ao normal fornecimento dos produtos às lojas Continente”, assumindo que “até agora não sentimos constrangimentos ou atrasos de maior no fornecimento de produtos”, mas “as compras aos nossos fornecedores têm vindo a ser previstas e antecipadas, quando necessário, para garantir a execução dos planos, de forma a que os períodos de compras naturais dos nossos clientes se possam manter”. E para que os preços se possam manter, até porque “o mercado altamente concorrencial no retalho também não permite grandes flutuações de preços ao consumidor”.

Mas acabarão por acontecer, admite-se. “As subidas que já se notam no setor alimentar ainda não refletem completamente os custos a montante, porque temos tentado compensar, com logística, com eficiência” mas “quando há um aumento de preço logo no início da cadeia é impossível que não haja consequências“, avisa Gonçalo Lobo Xavier, admitindo que “em alguns casos possa haver aumentos superiores a 10%”.

Se nas grandes superfícies pode ainda estar a tentar-se travar os preços, no pequeno retalho pode ser mais complicado até porque não têm escala para isso.

O Governo criou um grupo de trabalho para acompanhar as cadeias de abastecimento e esta segunda-feira, no final da primeira reunião, o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, garantia que, não havendo neste momento ruturas de stocks nem preocupações sobre o fornecimento de produtos agro-alimentares aos consumidores, há, no entanto, um aumento de custos de produção, que pode levar a uma subida de “alguns preços” finais nos próximos tempos. Aumentos que não são assumidos pelas empresas. As fornecedoras de produtos alimentares contactadas pelo Observador remeteram a sua posição para a FIPA.

Não há problemas de abastecimento alimentar nem se prevê rutura de stock, diz Siza Vieira

Fora do setor alimentar, as coisas complicam-se um pouco mais. “Há empresas de mobiliário que dantes tinham 20 ou 30 referências de camas e agora têm só 10 – tudo por causa da matéria-prima, que está a faltar”, diz Gonçalo Lobo Xavier, dando outro exemplo simples: “Há muito que a Europa deixou de produzir fechos éclair, importantes para produzir calças, por exemplo. Mandou-se toda a produção para a China… agora a China não manda para cá, por isso há empresas portuguesas que não conseguem fazer calças porque não têm fechos éclair“.

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