O primeiro-ministro do Reino Unido, o conservador Rishi Sunak, e o líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer, partiam com diferentes objetivos para o último frente a frente entre os dois líderes que esperam ser primeiro-ministro após as eleições gerais de 4 de julho. As sondagens indicam uma vantagem ampla para os trabalhistas, que estão a uma distância bastante confortável em relação ao Partido Conservador. Neste debate, o chefe do executivo tentou empenhar-se em mostrar aos eleitores que os conservadores são uma escolha segura, mas o líder da oposição acenou com algo que Rishi Sunak nunca poderá oferecer: alternância política.
Num debate de uma hora e quinze minutos transmitido na BBC, Rishi Sunak reconheceu que existe alguma “frustração” entre os britânicos com o seu governo e até “consigo mesmo”. “Deixem-me acabar o que comecei”, pediu o conservador, prometendo “um futuro com menos impostos, fronteiras mais seguras e com pensões protegidas”. Ao longo do frente a frente, foram várias as vezes que o primeiro-ministro reiterou que a economia está a melhorar — “inflação abrandou, os salários aumentaram” —, acusando o rival trabalhista de poder criar um descalabro nas contas públicas.
Por sua vez, Keir Starmer fez questão de lembrar os últimos 14 anos de governação do Partido Conservador e até aproveitou para resgatar fantasmas do passado, como o Partygate (e as festas em Downing Street durante a pandemia de Covid-19) e até o mandato de 45 dias da antiga primeira-ministra, Liz Truss. Estas eleições são, por isso, uma oportunidade de “virar a página” e empreender a mudança. “Há 14 anos que temos os conservadores. Não estão a trabalhar bem.”
Se o trabalhista enumerou as falhas do mandato de Rishi Sunak, o conservador preferiu alertar para um futuro incerto que poderá começar a 5 de julho. No final do frente a frente, uma sondagem da YovGov apontou para um empate entre os dois candidatos. Tendo em conta o desfecho mais provável destas eleições, é possível que o primeiro-ministro tenha perdido uma oportunidade para se impor na campanha.
Migrações. Apesar de polémicas, Sunak esteve melhor e Starmer ficou incomodado
As sondagens indiciam que os conservadores ficarão em segundo lugar com cerca de 20% das intenções de votos. Em terceiro, muito perto, deverá ficar o Reform UK liderado por Nigel Farage — que adota um discurso anti-imigração. Neste sentido, Rishi Sunak tentou, neste frente a frente, cativar parte desse eleitorado, prometendo medidas mais duras contra a imigração ilegal.
Enquanto bandeira do plano eleitoral, Rishi Sunak defendeu o plano de enviar imigrantes ilegais para o Ruanda, algo que, diz o conservador, outros países europeus “acham a melhor solução para resolver o problema”. Neste sentido, o primeiro-ministro aproveitou para deixar duras críticas ao rival, preconizando que, se o Labour vencer, os “imigrantes ilegais estarão nas ruas”. “Não entreguem as fronteiras aos trabalhistas”, insistiu mais do que mais uma vez.
Keir Starmer aproveitou para criticar duramente o plano do chefe do executivo, sublinhando os custos económicos e a longa duração do processo para que os imigrantes ilegais sejam deportados para o Ruanda. “O governo perdeu o controlo das nossas fronteiras”, acusou o líder trabalhista, acrescentando ainda que é um problema que acarreta riscos para a segurança nacional.
Ainda assim, pressionado várias vezes por Rishi Sunak, o trabalhista nunca deu uma resposta concreta ao que fará relativamente à imigração ilegal. Apontou o dedo a uma grande “ameaça”: os “gangues” que organizam viagens em “pequenos barcos” para atravessar o “Canal da Mancha”. Keir Starmer considera que se devem lutar contra essas redes de imigração ilegal, mas, quando o primeiro-ministro perguntou como, não teve uma resposta concreta para dar.
Neste contexto, Rishi Sunak afirmou que maioria dos migrantes vêm de países como “Síria, Afeganistão e Irão”. Keir Starmer afirmou que têm de haver acordos com esses países e o primeiro-ministro britânico aproveitou para atacar o rival: “Vamos negociar com o aiatolá?” Na sala da Universidade de Nottingham Trent, ouviu-se um grande aplauso e o líder da oposição ficou claramente constrangido.
Economia: Sunak insistiu em aumento de impostos pelo Labour, Starmer lembrou plano de Liz Truss
Durante o debate, as duas ideias em que Rishi Sunak mais insistiu foram a promessa de que baixará os impostos e a garantia de que o Partido Trabalhista, caso vença as eleições, os vai aumentar. “Marquem as minhas palavras: os impostos vão aumentar com o Labour”, reiterou o chefe do executivo, que assegurou que vai manter as pensões inalteradas, vai ajudar os mais novos a comprar a casa e vai apoiar os pequenos e médios empresários.
Sem nunca concretizar as ideias para o plano económico, Rishi Sunak preferiu agitar o “papão” num cenário de vitória do Labour. Numa pergunta sobre o que os dois líderes farão relativamente ao financiamento da política local, o primeiro-ministro britânico aproveitou para lembrar que localidades como Nottingham ou Birmingham — controladas pelos trabalhistas —, estão em “bancarrota”. “Este é o prenúncio do que vai acontecer se os trabalhistas forem para o poder”, alertou.
Em resposta, Keir Starmer preferiu focar-se no passado, recordando o que aconteceu com o plano económico de Liz Truss, que previa diminuir os impostos nos escalões de rendimentos mais elevados. “Sabemos o seu destino”, atirou o líder trabalhista, aludindo à demissão da ex-primeira-ministra. Recordou ainda igualmente que, durante algum tempo, Rishi Sunak chegou a apoiar antiga líder conservadora, incluindo o seu plano financeiro.
Por várias vezes ao longo do debate, o trabalhista colou ao primeiro-ministro a imagem de estar “desligado da realidade”. É, aliás, a fama que o primeiro-ministro tem entre muitos britânicos, devido ao facto de ser milionário. “Rishi Sunak não vai mudar. Vamos reconstruir o país e os serviços públicos”, pediu Keir Starmer, acrescentando que houve promessas que “não foram cumpridas”.
Europa: Sunak acusa Starmer de reintroduzir “liberdade de circulação” com a UE, trabalhista aclara que não quer aderir novamente no bloco comunitário
Num debate focado em economia e em migrações, houve ainda tempo para discutir de que forma os dois líderes veem a relação entre o Reino Unido e a União Europeia (UE), inevitavelmente marcada ainda pelo Brexit. Rishi Sunak foi claro e assegura que não quer mudar nada, enquanto Keir Starmer pretende um acordo comercial mais robusto com o bloco comunitário.
No entender do primeiro-ministro, há que respeitar a decisão do referendo de 2016 para a saída do Reino Unido da União Europeia e que cabe agora ao governo britânico fazer o “melhor que consegue”. Rishi Sunak assegurou que existe uma “boa relação” com a Europa, recordando a assinatura do acordo entre Bruxelas e a Irlanda do Norte sobre a fronteira.
Ora, Keir Starmer discorda. Reconhecendo que votou para ficar na União Europeia, o trabalhista considera que tem de haver um “acordo comercial melhor” com Bruxelas, uma vez que o atual prejudica os britânicos. Contudo, Rishi Sunak destacou que um acordo com Bruxelas levaria à reintrodução da “liberdade de circulação” e que aumentaria o número de migrantes oriundo dos 27 Estados-membros, tentando piscar — também aqui — o olho a algum eleitorado de Nigel Farage.
“Isso não tem sentido”, ripostou Keir Starmer, assegurando: “Fomos claros [os trabalhistas] sobre isso. Não vamos entrar na União Europeia, não vamos entrar no mercado único e não vamos restabelecer a liberdade de movimento”. Ainda assim, o trabalhista quer rever o acordo e assume que não é um “derrotista”. “Quero um melhor acordo e quero lutar por isso.”
Só a Segurança Social uniu Starmer a Sunak — mas de forma ténue
Ao longo desta hora e quinze minutos, poucas vezes os líderes concordaram. Um desses raros momentos incidiu sobre a Segurança Social: ambos admitem o problema do elevado número de pessoas de baixa médica no Reino Unido atualmente. Porém, discordam da forma como se deve combater o fenómeno.
Keir Starmer considera que é necessário “dignidade e respeito” para as pessoas terem um “emprego seguro”, admitindo, ainda assim, falhas no sistema, relacionando-as com o estado do serviço nacional de saúde (NHS). Já Rishi Sunak foi mais duro. “Existe um número de pessoas demasiado alto de baixa. Temos de fazer alguma coisa”, afirmou, acrescentando que foi apresentado um “plano para reformar a Segurança Social”. “Keir Starmer opôs-se a tudo o que propus.”
Outro dos temas que incomodou igualmente os dois líderes partidários foi o das apostas feitas por elementos dos partidos para estas eleições que apostavam em si (ou mesmo contra si). Rishi Sunak foi o primeiro a comentar o assunto e disse que “compreende a fúria” dos cidadãos: “Fiquei furioso quando conheci as alegações”. O primeiro-ministro recordou que os conservadores abriram uma investigação e inquérito, mas não elaborou. “Suspendemos dois candidatos”, frisou.
Por seu turno, Keir Starmer também condenou os movimentos das apostas, assegurando que fez e que “fará de tudo” para suspender os candidatos que estão envolvidos neste escândalo. O trabalhista aproveitou para recordar outra polémica, insistindo que Rishi Sunak foi “condenado” por quebrar as regras durante a pandemia da Covid-19, sendo que este episódio demonstra a falta de “integridade” do primeiro-ministro.
Depois dos conservadores, trabalhistas suspendem candidato que apostou contra si próprio
No final do debate, Rishi Sunak pediu mais uma oportunidade aos eleitores, avisando para as “consequências profundas” que uma vitória trabalhista terá, nomeadamente o pagamento de mais impostos. Neste momento, Keir Starmer exaltou-se e atirou um “mentira”. Depois, apresentou o seu melhor trunfo eleitoral: “Tivemos 14 anos de caos. Vamos reconstruir o país. Dia 4 de julho, votem na mudança, votem Labour”.