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O tema "FAM", no concerto de Slow J (à direita) levou Papillon (à esquerda) de volta ao palco — irmãos de armas reunidos em apoteose máxima, numa noite conjunta de celebração
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O tema "FAM", no concerto de Slow J (à direita) levou Papillon (à esquerda) de volta ao palco — irmãos de armas reunidos em apoteose máxima, numa noite conjunta de celebração

Marisa Cardoso

O tema "FAM", no concerto de Slow J (à direita) levou Papillon (à esquerda) de volta ao palco — irmãos de armas reunidos em apoteose máxima, numa noite conjunta de celebração

Marisa Cardoso

Super Bock Super Rock, dia 2: Papillon e Slow J, nascidos e criados para isto

Com o cancelamento de 21 Savage, a dupla portuguesa saiu mais do que vencedora. O segundo dia de SBSR, no Meco, teve também Mahalia, Aminé ou Kenny Mason, claramente em segundo plano.

Num dia marcado pela ausência de 21 Savage, o cabeça de cartaz cujo concerto fora cancelado horas antes, coube aos portugueses Slow J e Papillon a missão de serem os nomes grandes no cartaz. Conseguiram-no e deixaram a pergunta no ar: não o seriam sempre, inevitavelmente? Ao segundo dia de Super Bock Super Rock, Mahalia, Kenny Mason e Aminé também deram que falar.

Foi a cantora britânica quem começou por tocar no palco principal. Acompanhada por um guitarrista, um baterista e um diretor musical que tanto tocava baixo como teclas, Mahalia veio apresentar o seu segundo álbum, IRL, editado no ano passado; mas também outros temas que têm marcado o seu percurso.

“Adorava poder conseguir falar-vos em português”, dirigiu-se ao público, ainda bastante reduzido, mas já a querer marcar posição. “Isto é um festival. Espero que dancem, que bebam, que riam, que se divirtam!”, disse, antes de se descrever como uma “lover girl”, que tantas canções tem construído à base disso. “Simplesmente amo o amor. As partes boas, as partes más, os desgostos, tudo”, explicou, antes de interpretar Plastic Plants.

Performer segura, Mahalia mostrou-se no seu habitat natural em cima do palco. As suas canções R&B de ambições pop são sedosas; por vezes mais enérgicas; embora os instrumentais percam a sua essência nalgumas ocasiões, fruto dos arranjos mais acústicos. Aos 26 anos, e apesar de certamente ainda ter uma longa carreira pela frente, Mahalia continua a ser encarada como uma promessa no universo do R&B e não faltam exemplos de quem já conseguiu superar esse patamar em menos tempo. O concerto estava morno, mas firme, com um ambiente de boa-disposição.

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Mahalia continua a ser encarada como uma promessa no universo do R&B e não faltam exemplos de quem já conseguiu superar esse patamar em menos tempo

Marisa Cardoso

Mahalia introduziu He’s Mine como uma canção “tonta”, que escreveu aos 17 anos, quando uma rapariga gostava do mesmo rapaz que ela. “Tudo em mim é incrivelmente dramático, sou uma drama queen — é por ter nascido em maio, sou touro.” Entre histórias de amores e desamores, Sober e Terms and Conditions foram dos momentos altos do espetáculo. Mas a atuação não podia fechar de outra forma que não com I Wish I Missed My Ex, a canção empoderadora e mais aclamada da artista. “Acima de tudo, amem-se a vocês próprios, à vossa mente e ao vosso corpo”, despediu-se perante uma pequena ovação.

Num dia muito dedicado ao hip hop e R&B, virámo-nos para o Palco Pull&Bear para espreitar o concerto de Kenny Mason. Nascido e criado em Atlanta, o berço do trap, o rapper de 29 anos entregou uma performance enérgica e agitada. Por um lado, a sua música pode soar genérica e padronizada tendo em conta a quantidade de artistas ao longo dos anos a surgirem da mesma cidade com uma estética idêntica; por outro, Mason tem notórias influências grunge e outros elementos rock na música que faz, o que a distingue e a leva para patamares menos óbvios, servindo de cama para purgar frustrações e insatisfações no meio do moshpit. O noise soa menos preguiçoso e mais coerente.

E eis que o palco principal se começava a compor para receber Papillon, nome surpresa da noite, anunciado horas antes graças ao cancelamento do concerto de 21 Savage por motivos de saúde, de acordo com a informação dada pela organização do festival. O rapper português tem vindo a apresentar Jony Driver, o álbum lançado em 2022 que não foi uma explosão de carreira mas que continuou a projetar Papillon como artista conceptual e talentoso, onde o conteúdo lírico e a forma melódica se unem em simbiose.

Papillon: "Esta é a melhor surpresa que poderia ter tido este ano. Vocês são o melhor público que poderia ter tido este ano"

Marisa Cardoso

Acompanhado por dois instrumentistas, Papillon soube manter a energia em cima e fazer uma verdadeira festa na Herdade do Cabeço da Flauta. Os instrumentais calorosos e refrescantes, que evocam as raízes africanas mas também a escola hip hop, foram transpostos da melhor maneira para o palco, demonstrando como é possível encontrar um equilíbrio ideal entre produção digital e instrumentos de carne e osso.

“Estas músicas são a minha forma de fazer terapia”, afirmou o rapper de Mem Martins. “Não estava num sítio mental muito fixe quando as fiz.” Mais tarde, diria que pretende ser a sua melhor versão possível enquanto rapper. “Quero fazer músicas para refletir, para dançar, mas especialmente para amar.”

Com uma amplitude sonora mais do que considerável, o que permitiu contar com uma diversidade que tornou o concerto particularmente dinâmico, Iminente ou Impec foram dos temas mais aclamados. “Amo-vos do fundo do coração. Esta é a melhor surpresa que poderia ter tido este ano. Vocês são o melhor público que poderia ter tido este ano.” Dificilmente haveria um melhor substituto de última hora para quem quer que fosse.

Seria difícil para qualquer músico português ser promovido repentinamente a cabeça de cartaz de um festival como o Super Bock Super Rock. Mas haveria alguém com melhores condições para lidar com esse desafio do que Slow J, o artista que lançou Afro Fado e que há meses esgotou por duas noites consecutivas de glória a MEO Arena?

O Super Bock Super Rock termina este sábado na Herdade do Cabeço da Flauta

Marisa Cardoso

Em verdadeiro estado de graça, tanto na relação com o público como na relação consigo próprio — sabemos que, durante algum tempo, a vida de estrada revelou-se um grande sacrifício pessoal, o que levou até a que se afastasse dos palcos —, Slow J apresentou-se em topo de forma perante um recinto cada vez mais composto.

Afro Fado, o seu quarto disco, representa uma utopia. A ideia de uma sociedade em que a virtude está na mistura, mistura essa que corre nas veias de um filho de uma portuguesa e de um angolano; e que tão bem está simbolizada na sua música. Mais do que nunca, em Afro Fado Slow J conseguiu construir um género musical próprio, um híbrido sonoro onde se pressentem os seus versos de rap, as suas inclinações fadistas, as influências africanas ou dos diferentes géneros de música que cresceu a ouvir. É uma amálgama muito pessoal, fruto de um processo lento e perfecionista, e que ao vivo não se poderia traduzir de outra maneira.

Trata-se de um espetáculo com uma musicalidade rara para um concerto de um rapper. Apesar de ser muito mais que isso, João Batista Coelho vem do hip hop, mesmo que tenha conseguido quebrar quaisquer barreiras e padrões de género e que com isso também tenha alcançado um público transversal. O fado e as melodias e batidas com aromas africanos cruzam-se logo desde o início, com Tata, Where U @ e uma FAM que traz Papillon de volta ao palco — irmãos de armas reunidos em apoteose máxima, numa noite conjunta de celebração.

Temos dúvidas de que haveria alternativas que conseguissem ultrapassar um Slow J em estado de graça

Marisa Cardoso

Um concerto de Slow J em 2024 é um autêntico desfile de temas impactantes — não necessariamente hits orelhudos, mas canções especiais que o público conhece e que ressoam pela multidão. Não há faixas forçadas para preencherem um alinhamento. Imagina nem precisa de Ivandro quando existem centenas ou milhares de pessoas a entoá-la. Fome tem a intensidade desejável. Teu Eternamente, Sem Ti, Vida Boa e Também Sonhar (com uma inevitável e sentida homenagem a Sara Tavares) formam uma combinação preciosa.

É claro que a música de Slow J — íntima, vulnerável e introspetiva — pede uma sala fechada, um público que respeita os silêncios e que está com uma pré-disposição diferente; por comparação com um ambiente de festival. O facto de o concerto do músico nesta fase viver muito de momentos mais serenos e calmos, por vezes melancólicos, também não ajuda a que encaixe como uma luva num Super Bock Super Rock repleto de stands de marcas e de estímulos um pouco por todo o lado. É música que exige atenção, dedicação, uma abertura de espírito mais profunda.

Ainda assim, mesmo não sendo o local mais propício para este espetáculo, temos dúvidas de que haveria alternativas que conseguissem ultrapassar um Slow J em estado de graça, que tem estado na estrada a prolongar uma jornada de triunfo pelo país que um dia poderá — esperemos — ser a sua Terra prometida. Foi mesmo assim que concluiu. “Temos ouvido muitas notícias sobre imigrantes. Eu sou filho de imigrante, muitos de nós somos e não se esqueçam de que estamos todos à procura da mesma coisa”, deixou em jeito de despedida. É este o seu Afro Fado, mesmo que subtil e reconciliador, para que não restem dúvidas.

Aminé num espetáculo formatado e saturado, de consumo rápido e descartável, infelizmente ainda demasiado em voga

Marisa Cardoso

E ainda nos faltava assistir à estreia em Portugal de Aminé, rapper norte-americano que tem vindo a construir uma carreira interessante na última década, explorando diferentes sonoridades mas sempre com uma estética fresca e contemporânea. A mais recente prova desse trajeto é Kaytraminé, o disco concebido a meias com Kaytranada lançado no ano passado. Mas foi preciso esperar para que Aminé chegasse ao palco. Naquilo que tem sido prática habitual de muitos rappers norte-americanos em tour, o seu DJ ficou encarregue dos primeiros 20 minutos, soltando hit após hit, para aquecer a multidão diante do Palco Pull&Bear.

Quando Aminé chegou ao palco para interpretar duas dezenas de temas, sem os cantar na íntegra, vinha enérgico e bem-disposto. “Vocês são muito mais fixes do que outros países europeus”, disse para o público. “Boa comida, mulheres lindas e uma cidade linda. Não sei porque é que não viemos antes, parecia que alguém não nos queria aqui. E tenho de ir ao Porto, já me disseram.”

De Shine a Blackjack, passando por RedMercedes, Caroline ou Reel It In, Aminé foi circulando pelos seus vários registos mas com uma performance algo preguiçosa e ruidosa, com uma backing track demasiado elevada — talvez para esconder os efeitos de uma digressão europeia certamente desgastante — que não causou uma melhor primeira impressão na sua estreia por cá, por muitos fãs que estivessem entusiasmados nas filas da frente. São espetáculos formatados e saturados, de consumo rápido e descartável, infelizmente ainda demasiado em voga, que só dão razão a uma das frases da noite, da autoria de Slow J: “É muito bonito ver-nos a gostar da nossa própria merda, é um dia com a música portuguesa em destaque, vamos fazer música tuga cada vez melhor”.

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