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Stormyz mostrou o porquê de ser um dos mais bem sucedidos discípulos dos originais do grime
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Stormyz mostrou o porquê de ser um dos mais bem sucedidos discípulos dos originais do grime

Marisa Cardoso

Stormyz mostrou o porquê de ser um dos mais bem sucedidos discípulos dos originais do grime

Marisa Cardoso

Super Bock Super Rock, dia 3: Stormzy mostrou como é ser rei (e os Mind Da Gap mereciam outra festa)

O rapper explicou porque é que a escalada ao topo do Reino Unido não foi por acaso. Vulfpeck espalharam brasas, Mind Da Gap não tiveram a multidão devida e Anna Calvi não levou grandes recordações.

Michael Ebenazer Kwadjo Omari Owuo, Jr., mais conhecido por Stormzy, regressou a Portugal para o terceiro e último dia do Super Bock Super Rock com um objetivo muito claro em mente, o mesmo que Guilherme I da Normandia teve ao embarcar em direção à Grã-Bretanha quase 1000 anos antes: conquistar.

Citando de forma liberal o discurso do rapper de Thornton Heath, bairro do sul de Londres, “não interessa se não me conhecem, se nunca ouviram a minha música, se só vieram ouvir rock e não gostam de hip-hop. Deem-me apenas um pouco da vossa energia e dar-vos-ei tudo o que tenho”. Longe de ser um acordo faustiano, era fácil aceitar tal proposta, mas parece acertado dizer que o artista não só cumpriu a sua parte do acordo, como fez mais ainda do que prometeu. Ao contrário do seu congénere, também ele britânico (sim, 21 Savage é inglês), Stormzy não faltou à chamada e assinou um concerto soberbo no palco Super Bock Super Rock — mesmo que para uma plateia menos composta do que seria de esperar.

Ainda assim, o retorno de Stormzy a Portugal fez-se com sabor a vitória. Afinal de contas, a sua outra vinda tinha ocorrido neste mesmo festival, em 2018, no Parque das Nações, mas não só não foi o headliner dessa vez, como foi chamado para substituir a sua conterrânea Jorja Smith. Ora, no espaço de seis anos, o rapper passou de promessa a um dos reis do hip-hop britânico, muito por conta de Heavy Is the Head, o seu segundo álbum, lançado em 2019

Como outros tantos dos seus pares, Stormzy iniciou-se na cena grime londrina em esgrimas líricas sobre beats eletrónicos frenéticos, lançando mixtapes de forma independente, procurando espalhar o seu nome. Hoje, ultrapassou os trâmites estilísticos das origens — o grime, depois do revival, também já viu melhores dias — e é um dos maiores rappers do Reino Unido. Aliás, dos maiores artistas, dado que os seus três álbuns chegaram todos ao topo das tabelas do seu país natal.

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Stormy mostrou o seu flow impositivo, capaz de ir do braggadocio ao reflexivo em poucas estrofes

Marisa Cardoso

A outra diferença significativa para 2018, além do repertório de êxitos lançados nos últimos anos, é que trouxe uma banda para tocá-los, a par de um quarteto de cantores de apoio e do seu braço-direito, o produtor e hypeman DJ TiiNY. Com este arsenal à disposição, Stormzy desdobrou-se entre fases do concerto movidas a instrumentação, arranjos e linhas vocais ricas e outras mais despojadas, onde era só ele e TiiNY a cuspir barras sob beats intensos. Assim, soube habilmente conjugar momentos de acessibilidade — estilo “hip-hop para o público que não gosta de hip-hop” — e sessões de rap hardcore para os puristas e os fãs do seu material mais agressivo.

Foi com chamas, foguetes e pedidos para saltar que “Big Michael” abriu as hostilidades, uma canção que funciona tanto a nível literal — o homem tem uns impressionantes 1,96 metros — como figurativo, demonstrando o seu flow impositivo, capaz de ir do braggadocio ao reflexivo em poucas estrofes. Seguiu-se-lhe Audacity, também ela acompanhada a baixo, guitarra, teclas e bateria.

Seria, contudo, numa fase intermédia em que veríamos o porquê de Stormzy fazer-se acompanhar de uma comitiva tão alargada. Em This Is What I Mean, Crown, Cigarettes & Cush ou Rainfall, a profusão de baixos quentes e teclas cintilantes apenas foi ultrapassada pelo espetáculo de vozes entrelaçadas dos cantores de apoio — muitas vezes com o próprio rapper a largar a rima e abraçar o canto. Estes momentos de comunhão, porém, proporcionaram apenas uma falsa sensação de segurança. Já tinha sido dado o aviso antes com Know Me From e Cold, mas quando começou a soar um alarme com fumo a sair das laterais, soube-se que íamos voltar ao início dos anos 2000 — pelo menos espiritualmente.

Stormzy percorreu o fosso e o corredor de acesso à régie entre abraços e cumprimentos aos fãs, marca de cumplicidade e sinal quase certo que voltaremos a vê-lo em breve

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Mostrando o porquê de ser um dos mais bem sucedidos discípulos dos originais do grime, Stormzy atacou Big for my Boots, Handsome e uma gigante Wiley Flow sem contemplações, com fome de um estreante, acompanhado de jatos de chamas e explosões a soar a tiros em palco. Mais impressionante ainda foi ver como Shut Up, tema dos tempos das mixtapes criado a partir de um icónico beat do grime — Functions On the Low, de XTC — envelheceu tão bem. O público respondeu em conformidade, o que levou o rapper a dizer-se sinceramente agradecido, e não “daquela maneira cliché que os artistas têm de agradecer”.

Súmula de tudo o que foi apresentado até aqui, os dois últimos temas foram Blinded By Your Grace, Pt. 2 — prova de que o rap cristão não tem de soar a mofo — e Vossi Bop, banger que teve direito a um final triunfal com banda. Antes de abandonar, Stormzy percorreu o fosso e o corredor de acesso à régie entre abraços e cumprimentos aos fãs, marca de cumplicidade e sinal quase certo que voltaremos a vê-lo em breve.

Os Mind da Gap voltaram — mas para quem?

Nas terras de Stormzy, “mind the gap” é o aviso que se ouve no metro, parente económico do “atenção ao intervalo entre o cais e o comboio” omnipresente em Lisboa. Por cá, no entanto, a expressão significa história; basta trocar o “the” por um “da” e regressamos a 1997.

“Se não fossemos nós, sem estes três gajos, nada disto que se faz na música nacional seria o que é hoje”, disse Ace, um dos dois MCs dos Mind da Gap, puxando a brasa à sardinha do grupo composto também por Presto e Serial. “Estaríamos no tempo das carroças e do bailinho da Madeira”, completou. Entre o sarcasmo e a bazófia reside a verdade — um dos primeiros grandes grupos de hip-hop nacional, os Mind da Gap não só ajudaram a colocar o Porto, como o próprio país no mapa, no que toca ao rap. E mesmo que o seu boom-bap até possa soar datado a ouvidos mais jovens, não deixa de ser incontornável em Portugal.

Foi, portanto, algo desolador vê-los quebrar um hiato de nove anos para regressar aos palcos perante uma plateia tão reduzida — nem o facto do bilhete do dia anterior valer para este, nem ser sábado e nem estar bom tempo contribuíram para chamar mais pessoas. Dir-se-á que tocar às 19h00, abrindo portanto o palco principal, não terá contribuído para retomarem atividade em frente a um público mais alargado, mas pouco serve de desculpa quando se verifica que, a par dos Da Weasel, esta é uma das grandes reuniões dos últimos anos no hip-hop nacional.

O bonito momento de celebração do rap nacional com os concertos de Papillon e Slow J no dia anterior teria sido ainda mais abrilhantado com este, que ficou meio órfão no cartaz deste sábado

Marisa Cardoso

A verdade é que, perante muitos ou poucos, os três fariam sempre a festa, e foi assim que começaram com Mestres sem Cerimónias. Os Mind da Gap não precisam de Falsos Amigos, tema com que seguiram, e por isso valeu-lhes o público que ainda sabia as letras de cor de Bazamos ou Ficamos, Dedicatória, carta de amor ao hip-hop que contou com um bonito momento acapella, ou O Jardim, canção com 12 anos mas que ainda se mantém atual quanto aos desvarios deste país.

O regresso demonstrou estarem em boa forma, mas há momentos onde os Mind da Gap revelam a sua idade — veja-se como Essência, um dos temas cantados com Maze, dos Dealema, apresenta um estilo de rap cristalizado, prova de que o género muito avançou. O grupo, contudo, tem plena noção disso. “Stressados por ver estes gigantes grandiosos dinossauros do hip-hop tuga? Não fiquem, não é preciso”, disse Ace antes de Não Stresses.

Uma festa precisa sempre de convidados, daí que, além de Maze — que também cantou Brilhantes Diamantes, tema de fervor nostálgico para muito millennial português — outros dois gigantes subiram ao palco: Valete, em Não Pára, e Sam the Kid, em És Onde Quero Estar. Esta segunda, em particular, destacou-se pela envolvência criada com o público, tal como a derradeira Todos Gordos. O bonito momento de celebração do rap nacional com os concertos de Papillon e Slow J no dia anterior teria sido ainda mais abrilhantado com este, que ficou meio órfão no cartaz deste sábado. Como andar para trás no tempo (ainda) não é possível, esperamos apenas que os Mind da Gap anunciem datas em nome próprio para uma celebração a valer.

A Hora do Lobo não foi a Hora de Calvi

O que é que tem vários elementos virtuosos a trocar posições entre si para garantir o sucesso do todo? Se respondeu “as equipas de futebol do Johan Cruyff”, recebe pontos também, mas a resposta certa era Vulfpeck — nome que tanto pode significar uma forma germânica de dizer “Wolfpack” (Alcateia) ou “Wolf Peck” (Beijinho de Lobo). Banda funk da nova escola, o corrupio de trocas que promove entre guitarra, teclados, órgão, bateria, saxofone e voz nos seus concertos é tal que faria um computador de última geração engasgar-se.

Se for procurar pelos Vulfpeck online, constatará que a banda de Ann Arbor não tem grande imprensa, em contraste com as audições dos seus temas nas plataformas de streaming. O facto de fazerem parte de um circuito que não atrai mediatismo, não terem um contrato discográfico nem um manager (é o baterista, Jack Stratton, que assume essa função) e não levarem-se muito a sério (basta recordar o nome) são tudo fatores que contribuem para tal. No entanto, se caísse de paraquedas nas filas da frente do concerto que deram no Super Bock Super Rock, não seria estranho supor que são uma banda gigante, tal foi a loucura dos seus fãs a cantar Daddy, He Got a Tesla ou Animal Spirits.

Fácil de explicar. Vulfpeck: tão bom que foi, teve direito a vénia

Marisa Cardoso

A verdadeira explicação, todavia, é que talvez os Vulfpeck sejam, acima de tudo, uma banda para ver ao vivo, especialmente num festival de verão. As suas composições enérgicas e brincalhonas ganham um rasgo completamente diferente em palco — a capacidade de Joe Dart de esgalhar linhas de baixo é de deixar o queixo caído, mas a restante banda não lhe fica nada atrás. E não, não são uma “jam band” ensimesmada em improvisações — tudo o que tocam é deliberado e soa tal e qual os discos, mas tem outro perfume a ecoar dos amplificadores.

Contando com os préstimos dos cantores Antwaun Stanley — gigante, capaz de acrobacias vocais ao nível da banda sem cair no exagero — e Jacob Jeffries — menos entusiasmante, com inflexões vocais a roçar o irritante —, além dos próprios dotes vocais de Stratton, os Vulfpeck incendiaram o palco. Em Funky Duck, a guitarra de Cory Wong grasnou em wah-wah, New Guru soou ao filho perdido de Barry White e dos The Trammps e Wait for the Moment foi um dos poucos momentos contemplativos da noite, interrompido apenas por um charro insuflável que andava a voar pelo público.

Sabendo que não estão a reinventar coisa nenhuma, o que os Vulfpeck sabem fazer, fazem-no bem. Isso vai desde cantar sobre o aeroporto de Los Angeles (“o único pior que o aeroporto de Lisboa) em LAX, que teve direito a coreografias diretamente saídas dos anos 70, a mostrar a enorme capacidade de Stratton de fazer scat ao ritmo e ao tom das notas de guitarra que ele próprio está a tocar em Back Pocket. A maior surpresa de todas, essa ficou a cargo do próprio público, que fez a banda calar-se na derradeira e propulsiva Dean Town ao cantar trechos inteiros de uma música instrumental. Tão bom que foi, teve direito a vénia.

Com "Wish", Anna Calvi terminou numa explosão sónica de ruído que, suspeita-se, teria sido bem recebida por qualquer outro público que não este

Marisa Cardoso

Em contraste total, Anna Calvi foi a aposta falhada do dia — algo que, diga-se, é pouco ou nada da responsabilidade da própria artista britânica, que até teve Stormzy a vê-la a partir do Golden Circle antes do seu concerto. Seja porque esta é já a 10.ª vez em Portugal — a última foi em novembro no festival “irmão” Super Bock em Stock —, seja porque não lança nada de substantivo desde Hunter (de 2018), seja porque a sua sonoridade negra e envolvente destoou no cartaz, estava muito pouca gente para vê-la no palco Pull & Bear. A situação é pior ainda quando se verifica que mais nenhum concerto estava a acontecer ao mesmo tempo.

A cantora e guitarrista, porém, seguiu estoicamente ao longo de temas como Suzanne and I ou I’ll Be Your Man, canções impuras de rock soturno, acompanhadas de bateria, percussões e teclado. Indies or Paradise seguiu numa marcha de guitarras serpenteantes a querer escalar o inferno na terra para o paraíso. Já Wish terminou numa explosão sónica de ruído que, suspeita-se, teria sido bem recebida por qualquer outro público que não este.

As PJHarveyanas Love Won’t Be Leaving, Desire e Don’t Beat the Girl Out of My Boy mereciam um público hipnotizado pela voz sedutora de Calvi — delicada mas com acinte suficiente para merecer as comparações — e levado a mexer-se pelos seus riffs. Ao invés, encontraram um público onde poucos terão reconhecido e valorizado a forma como terminou, com Ghost Rider, cover dos Suicide. Cumpriu a quota do “rock” do nome do fetsival, mas tal não deve ter servido de grande consolo. A avaliar a forma como abandonou o palco, não foi mesmo.

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