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A sorte ditou que, pelo segundo ano consecutivo, a Super Bowl será disputada por duas equipas em que uma delas joga em casa. Nesta finalíssima da liga de futebol americano (a NFL), que se disputa a partir das 23h30 deste domingo (hora de Lisboa), os Los Angeles Rams vão receber no moderníssimo SoFi Stadium, numa muito quente Califórnia destes dias, os Cincinnati Bengals.
É um confronto entre Matthew Stafford, um quarterback com uma carreira recheada de recordes estatísticos ao serviço de outra equipa (os Detroit Lions, demasiado disfuncionais para o ajudarem a transformar esses recordes em troféus) e Joe Burrow, um miúdo a quem corre gelo nas veias e cujo estilo de jogo tem sido comparado a Tom Brady, o melhor de sempre (que acaba de pendurar as botas, aos 44 anos).
A Super Bowl será transmitida em Portugal, em sinal aberto, pela Eleven Sports.
Os favoritos à vitória, a julgar pelo que dizem as casas de apostas, são os Los Angeles Rams, que procuram o segundo troféu da sua história (o primeiro como Los Angeles Rams, que até há poucos anos eram os St. Louis Rams). O facto de jogarem em casa não prejudica, é claro, mas a principal razão para o favoritismo é que Stafford partilha o balneário com a defesa mais temível da liga. E um dos adágios mais famosos do futebol americano é que “a defesa ganha campeonatos“.
Nos momentos em que Stafford se sentar na linha lateral – de tablet na mão, a rever as jogadas anteriores e a preparar as seguintes – a equipa ofensiva dos tigrados de Cincinnati vai ter pela frente uma defesa, a dos Rams, que é liderada por uma bola de canhão chamada Aaron Donald. Valerá a pena, de cada vez que Joe Burrow receber a bola nas suas mãos, contar se são um, dois ou três jogadores da linha ofensiva dos Bengals que têm como primeira (e única) prioridade tentar evitar que o número 99 perfure a proteção e, em poucos segundos, coma vivo o jovem quarterback.
Mas, mesmo que a proteção de Joe Burrow não lhe dê muito tempo para pensar e distribuir jogo, o que o número 9 dos Bengals tem demonstrado é que tem um gatilho rápido com precisão cirúrgica – uma combinação letal e raríssima, sobretudo quando se fala de um atleta que está apenas na sua segunda época como profissional. E essa é a combinação que ao longo das últimas 22 épocas foi a principal característica do jogo de Tom Brady.
JB9. Está encontrado o herdeiro do TB12?
Na sua primeira temporada, Burrow já tinha demonstrado que os Bengals acertaram na mouche quando o escolheram como primeira escolha do draft anterior, à saída do futebol universitário. Porém, uma rutura dos ligamentos cruzados num joelho, num jogo contra Washington, encurtou a primeira época do então rookie ao 10º jogo da sua carreira.
A reabilitação do joelho acabou por ser total e invulgarmente rápida. E, nesta segunda temporada, Joe Burrow surpreendeu tudo e todos ao levar a sua equipa à Super Bowl – e logo os Bengals, que há mais de 30 anos não ganhavam um jogo dos playoffs e os mesmos que há duas épocas foram a pior equipa da liga (tendo, por isso, recebido o direito à primeira escolha no draft, que recairia sobre Joe Burrow).
As comparações entre Brady e Burrow devem-se ao facto de ambos partilharem esse gatilho rápido, desmanchando as defesas opositoras de forma quase mecânica. E Burrow, com 1,93 metros de altura, é fisicamente muito mais dotado (e mais versátil) do que o marido da super-modelo Gisele Bündchen algum dia foi.
Outros quarterbacks de quem habitualmente se diz que podem ser os herdeiros de Tom Brady, possíveis protagonistas de uma próxima dinastia na NFL, têm estilos bem diferentes. Vedetas como Patrick Mahomes, dos Kansas City Chiefs, e Lamar Jackson, dos Baltimore Ravens, são mais férteis em highlights imperdíveis, mas o seu jogo não tem tido a consistência que deu a Tom Brady seis anéis de campeão – e que, neste domingo, pode dar a Burrow o seu primeiro.
A defesa dos Bengals é competente, mas nada que se compare ao elenco formidável que os Rams conseguiram juntar para tentar ganhar tudo este ano – já sabendo, de antemão, que iriam ser os anfitriões da Super Bowl. Porém, Cincinnati tem uma equipa ofensiva mais produtiva, onde se inclui o endiabrado Ja’marr Chase – o principal wide receiver dos Bengals e um dos melhores da liga, com apenas 21 anos.
Quanto a Burrow, além do estilo de jogo, o que leva às comparações com Brady é que os dois têm em comum o facto de serem ultra-competitivos e evidenciarem uma auto-confiança desarmante. Mas Burrow, quase 20 anos mais novo que o ex-Patriot, está a cultivar uma imagem mais adaptada aos novos tempos: frequentemente é notícia pelos guarda-roupas elaborados e surpreendentes com que habitualmente sai do autocarro (ou avião) da equipa antes de cada partida. É uma “lenda da moda em ascensão“, escreveu a NBC sobre o atleta que fez 25 anos em dezembro.
Além disso, numa conferência de imprensa recente, apareceu com um cordão de ouro e diamantes à volta do pescoço. O pendente é a sua marca: JB9, semelhante ao TB12 que acompanhou a carreira de Brady (e, claro, CR7 mais conhecido dos portugueses). Quando Joe Burrow foi questionado pelos jornalistas sobre se as jóias eram verdadeiras, respondeu: “Claro que são verdadeiras, ganho demasiado dinheiro para usar coisas falsas“.
Matt Stafford. Coisas boas acontecem àqueles que esperam
Brady também é conhecido por zelar pela imagem, mas sempre foi um pouco mais modesto. Não tão modesto, porém, quanto o outro quarterback que este domingo vai tentar levantar o Lombardi Trophy ao final da noite, debaixo dos confettis: Matthew Stafford, dos LA Rams.
Tal como Burrow, Stafford também foi a primeira escolha do draft quando chegou à NFL. Esse ano, porém, está cada vez mais distante, já foi em 2009 – ele tem hoje, 34 anos.
Na altura, a pior equipa do ano anterior tinha sido a de Detroit, os Lions – que puderam, assim, escolher o quarterback mais promissor a chegar das universidades nesse ano. Esse jovem era, sem margem para dúvidas, Stafford.
Os Lions acertaram nessa escolha mas, depois disso, não acertaram em muitas mais. Nos anos seguintes, a equipa de Detroit nunca deu a Stafford a estabilidade necessária para que este pudesse chegar à Super Bowl – acumularam-se sucessivas “chicotadas psicológicas” e não se deu ao quarterback as armas de que este precisava para singrar. Isto embora, verdade seja dita, Matthew Stafford tenha contracenado vários anos com um dos melhores wide receivers da história da NFL, Calvin Johnson, mais conhecido pela alcunha Megatron.
Stafford é um pistoleiro. Está no top 20 da história da NFL nas categorias de tentativas de passe, passes completados, jardas obtidas em jogadas de passe e touchdowns via passe. Também é o terceiro melhor de sempre na média de jardas de passe por jogo e foi o quarterback que mais rapidamente acumulou 40.000 jardas na carreira.
A sua melhor época foi em 2011, quando aterrorizou as defesas da liga ao lado de Megatron. Nesse ano, Stafford completou mais de 5.000 jardas numa só época (foi o quarto quarterback da história da NFL a consegui-lo) e levou os Lions aos playoffs – o que já não acontecia desde 1999.
Porém, nunca chegou à finalíssima – nem nesse ano de 2011 nem nas outras duas vezes que os Lions foram aos playoffs com Stafford ao leme (2014 e 2016). Até que, na última offseason, a equipa de Detroit e o próprio Stafford concordaram que fazia sentido cada um seguir o seu caminho – e Matt Stafford, que cresceu na Flórida, deixou o frio de Detroit e fez as malas para a solarenga Califórnia.
A adaptação à nova equipa foi rápida, apesar de esta ter sido mais uma temporada muito afetada pelas medidas restritivas da Covid-19 – embora tenha havido (mais) público nas bancadas, a competitividade da liga voltou a ser muito prejudicada pelas inúmeras ausências de última hora, incluindo de vedetas decisivas que faltaram aos jogos por estarem infetadas com o novo coronavírus ou por terem tido contactos de alto risco.
Ainda assim, Stafford, que poderá estar perto do final da carreira, tem este domingo possivelmente a única oportunidade da sua vida para a consagração – sobretudo porque os Rams deram tudo, este ano, para conseguir a vitória. Por não terem olhado a despesas na construção da equipa deste ano, nos próximos anos a equipa terá necessariamente de fazer uma “purga” no plantel por força das regras do salary cap, o limite salarial que é comum a todas as equipas.
Quanto aos Bengals, que ninguém esperava que pudessem chegar a esta finalíssima, têm oportunidade de continuar a surpreender e Joe Burrow de mostrar que é, de facto, um caso sério. Mas nesta fase já ninguém duvida que o jovem nascido no Iowa é um talento fora de série e isso pode ser suficiente para que a noite termine com o seu primeiro anel de campeão – e o JB9 já mostrou que gosta de jóias (verdadeiras, claro está).