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Sandro e Márcia Bernardo, pai e madrasta de Valentina, ambos indiciados pela morte da criança de 9 anos
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Sandro e Márcia Bernardo, pai e madrasta de Valentina, ambos indiciados pela morte da criança de 9 anos

Sandro e Márcia Bernardo, pai e madrasta de Valentina, ambos indiciados pela morte da criança de 9 anos

Suspeitas de abuso sexual, violência, ameaças e contradições. As versões do pai e da madrasta de Valentina

Depois de repetirem relatos iguais sobre o desaparecimento da criança, Márcia e Sandro afastaram-se em tribunal. Ele desculpou-se com suspeitas de abuso, ela disse que foi ameaçada. Juiz não acreditou

Nos primeiros dias depois do desaparecimento de Valentina Fonseca, os relatos de Sandro e Márcia Bernardo foram praticamente iguais. Tão iguais, em tantos detalhes, que quem os ouvia, à procura de explicações para o que tinha acontecido, desconfiava. Foi preciso ouvir várias vezes, em várias conversas, o pai e a madrasta da criança — e recorrendo a perguntas menos expectáveis ou fáceis de antecipar — para a versão do desaparecimento sem explicação começar a cair.

Em tribunal, porém, já apontados como os principais suspeitos do crime e logo que foram presentes ao juiz de instrução, os dois arguidos afastaram-se. Sandro Bernardo assumiu que bateu na filha, mas recusou ter qualquer responsabilidade na sua morte. Márcia Bernardo culpou o marido, dizendo que, mesmo que quisesse, não podia ter ajudado Valentina.

Nenhuma das duas versões convenceu o tribunal, mas ambas revelaram a estratégia de defesa dos arguidos.

O pai de Valentina desculpa-se da sua própria violência com suspeitas de que a criança seria abusada sexualmente por alguém — que a filha recusaria denunciar. A madrasta garante que ela própria era alvo de violência e estava sob ameaça do marido, impossibilitada de impedir o que aconteceu ou de prestar qualquer cuidado à enteada depois das agressões.

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Inspetores da Polícia Judiciária (PJ) acompanham o pai (C) de Valentina Fonseca, a menina de 9 anos que  foi encontrada morta na manhã de domingo em Peniche, na saída do Tribunal de Leiria, onde foi ouvido por suspeitas no envolvimento na morte da criança, Leiria, 12 de maio 2020. PAULO CUNHA/LUSA Inspetores da Polícia Judiciária acompanham a madrasta de Valentina Fonseca, a menina de 9 anos que desapareceu na quinta-feira em Peniche, e foi encontrada morta na manhã de domingo, à chegada ao Tribunal de Leiria onde serão presentes a um juiz de instrução para primeiro interrogatório judicial e para serem determinadas medidas de coação, em Leiria, 12 de maio de 2020. PAULO CUNHA/LUSA

Pai e madrasta da crianças relataram versões diferentes quando foram presentes ao juiz de instrução criminal de Leiria

Paulo Cunha/LUSA

A decisão final do juiz de instrução acabaria por ser semelhante para os dois. Ficaram ambos em prisão preventiva, ela indiciada por homicídio qualificado por omissão e ocultação de cadáver, ele por homicídio qualificado, ocultação de cadáver e violência doméstica sobre a filha.

A versão do pai

Quando Sandro Bernardo começou a ser interrogado no Tribunal de Instrução Criminal de Leiria, nesta terça-feira à tarde, já era público que o relatório preliminar da autópsia apontava para várias marcas de agressão. Uma delas terá acontecido a 1 de maio, quase uma semana antes da morte de Valentina. Perante o juiz, o pai da criança de nove anos confirmou que, nessa sexta feira, feriado, tinha batido na filha. A investigação acredita que, cinco dias depois, já na quarta-feira, terá voltado a fazê-lo, acabando por provocar a morte à menina.

Quando anunciou a detenção de Sandro e Márcia Bernardo, a Polícia Judiciária avançou, em conferência de imprensa, que na origem do crime tinham estado “questões internas do funcionamento da família”, sem detalhar que questões seriam essas. No primeiro interrogatório judicial, o arguido detalhou-as: tinha agredido a criança, vários dias antes, porque suspeitava que Valentina era vítima de abusos sexuais, mas a filha recusava dizer quem seria o autor desses abusos.

Ao Observador, o advogado que representa Sandro Bernardo não avança se a questão das suspeitas de abuso sexual da menor foi valorizada pelo Ministério Público, apesar de admitir que, a comprovar-se, poderá ser uma atenuante para os crimes imputados ao seu cliente. Por agora, e por causa do segredo de justiça, Roberto Rosendo diz apenas que é tudo muito recente. A investigação tem de continuar para reunir todas as provas e depois ainda será preciso fazer o julgamento. Tudo o que houver a investigar, diz o advogado, cabe a quem tem essa tarefa — o Ministério Público.

Os médicos legistas que examinaram o corpo da criança e os inspetores que juntaram as peças do crime concluíram que terá havido uma diferença de várias horas entre a agressão que provocou a morte e a morte efetiva da criança.

O Observador questionou a Procuradoria Geral da República (PGR) sobre se essas suspeitas de alegado abuso sexual por um terceiro, exterior à família, estariam a ser ou seriam investigadas. Na resposta, o gabinete de imprensa da PGR apontou apenas para o comunicado publicado na página da Comarca da Leiria na Internet que não faz qualquer referência a essas suspeitas. A nota detalha apenas os crimes pelos quais os arguidos foram indiciados, lembrando que o inquérito está em segredo de justiça.

No mais, em frente ao juiz de instrução criminal, o arguido terá mantido a mesma postura de antes: não é responsável pela morte da filha, nunca foi essa a sua intenção, nem poderia evitá-la. Quando percebeu o que tinha acontecido, levou o corpo para um eucaliptal, na zona da Serra d’El Rei, a cerca de seis quilómetros da casa da família.

Da serenidade durante a buscas à postura derrotista na reconstituição do homicídio da filha. O comportamento do pai de Valentina

O relatório preliminar da autópsia e a investigação feita logo a seguir ao desaparecimento parecem, porém, contradizê-lo. Ao que o Observador apurou, os médicos legistas que examinaram o corpo da criança e os inspetores que juntaram as peças do crime concluíram que terá havido uma diferença de várias horas entre a agressão que provocou a morte e a morte efetiva da criança. Mais: não só passou algum tempo entre o episódio de violência e o desfecho fatal, como as lesões provocadas e o estado em que a criança ficou eram sinais muito claros da necessidade de procurar ajuda médica. E, ainda mais grave, se essa ajuda médica tivesse chegado, poderia tê-la salvo.

Além disso, a versão do arguido não convenceu o juiz de instrução. Se suspeitava que a filha era vítima de violência sexual, porque haveria de lhe bater? E se o fez, num momento de descontrolo, porque não procurou ajuda depois, em vez de permitir que a criança morresse? E porque é que, mais tarde, decidiu esconder o seu corpo e encenar um desaparecimento?

A versão que Sandro Bernardo apresentou em tribunal não convenceu o juiz de instrução, que optou pela medida de coação mais pesada

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Na convicção do tribunal, há indícios fortes de que Sandro Bernardo é responsável direto pela morte de Valentina Fonseca. O arguido ficou indiciado pelos crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver. A confissão de uma outra agressão, a 1 de maio, e as lesões encontradas no corpo sustentaram a decisão de o indiciar também pelo crime de violência doméstica. Ao Observador, a PGR confirma que esse crime diz respeito à menor. E o juiz apontou na qualificação jurídica, anunciada em comunicado pelo tribunal, o artigo 152 do Código Penal, na alínea que define a pena para os casos em que a vítima é uma pessoa “particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade”, com a agravante de o crime ter sido praticado “contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima”.

As 72 horas de buscas por Valentina: o crime e a investigação, passo a passo

Ao Observador, sobre os motivos que levaram o juiz de instrução a optar pela medida de coação mais grave, de prisão preventiva, o advogado de defesa admite que pesou mais a convicção do Ministério Público, já que, garante, a decisão do magistrado é quase igual àquilo que o procurador propôs. Roberto Rosendo estava de escala no fim de semana e foi indicado como advogado oficioso pelo tribunal. Se o pai de Valentina não decidir escolher um outro defensor, Rosendo pretende continuar com o processo.

A versão da madrasta

Entre a manhã de quinta-feira, quando o casal comunicou o desaparecimento de Valentina à GNR, e o momento em que ambos foram detidos, já no domingo de manhã, Márcia Bernardo não deu qualquer alerta que apontasse para uma cenário diferente da encenação que tinha sido montada. Na quinta-feira à tarde, por exemplo — um dia depois da morte da criança, segundo a investigação —, foi a um café perto da casa onde moravam para perguntar se alguém tinha visto a menina. E manteve essa postura até ser confrontada pela PJ, apesar de se ter mantido mais longe das buscas que foram sendo feitas do que o pai da criança. E de ter saído de casa com os três filhos, para se refugiar na de familiares, na rua detrás.

Depois de o alegado desaparecimento ter sido comunicado, Márcia Bernardo teve contacto com várias pessoas, longe do marido. Psicólogos, elementos da Proteção Civil, militares da GNR e até inspetores da Polícia Judiciária. Em nenhum desses momentos a arguida aproveitou para insinuar, sequer, que poderia estar a ser envolvida, à força, num crime.

Esse comportamento terá contribuído para que o tribunal não acreditasse na tese que levou para o primeiro interrogatório judicial. Ao juiz de instrução, a madrasta garantiu que ela própria seria vítima de violência por parte do marido, o que acabou por lhe limitar a capacidade de ajudar Valentina. No momento em que a criança precisava de cuidados, por causa das agressões, diz que foi ameaçada para não o fazer e que não podia lançar qualquer alerta, nem evitar o desfecho que acabou por acontecer.

Pai de Valentina nega responsabilidade na morte da filha. Madrasta diz que não podia ter feito nada para a evitar

Acabou por apontar, assim, o dedo a Sandro Bernardo, como o autor das agressões que acabariam por levar à morte da criança. Mas isso não fez com que a própria culpa fosse afastada. Para o tribunal, como para a investigação, pesou o facto de, durante dias, a arguida nada ter dito a ninguém sobre o que estava a acontecer — se fosse verdade que estava sob ameaça.

Fonte ligada ao processo lembra que, depois de o alegado desaparecimento ter sido comunicado, Márcia Bernardo teve contacto com várias pessoas, longe do marido. Psicólogos, elementos da Proteção Civil, militares da GNR e até inspetores da Polícia Judiciária. Ao que o Observador apurou, a arguida nunca aproveitou um desses contactos para insinuar, sequer, que poderia estar a ser envolvida, à força, num crime.

Márcia Bernardo ficou indiciada por homicídio qualificado por omissão e sob dolo. O tribunal entendeu que há indícios fortes de que não fez o que devia para proteger a criança

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

O facto de o pai de Valentina ter acabado por ser indiciado por violência doméstica fez, num primeiro momento, acreditar que o tribunal tinha levado a sério as alegações da madrasta. Mas esse crime, como se viu, tem apenas a criança de nove anos como vítima — sinal claro de que a tese de uma alegada violência contra Márcia Bernardo não convenceu o juiz de instrução criminal.

Mais que isso, a indiciação também aponta para a convicção do tribunal: a arguida responde pelo crime de ocultação de cadáver, tal como o marido, mas há uma diferença na qualificação do crime de homicídio que também lhe é imputado. No seu caso, é um crime de homicídio qualificado por omissão e sob dolo: na prática, o magistrado entendeu que há indícios fortes, pelo menos para já e enquanto a investigação não prossegue, de que Márcia Bernardo pode ter contribuído para a morte da criança ao não agir em sua defesa — por exemplo, telefonando para o INEM. Pelo contrário, segundo essa convicção, a madrasta de Valentina conformou-se com a possibilidade — que seria evidente — de a enteada vir a morrer na sequência das lesões que tinha sofrido.

Valentina foi vestida depois de morta? Madrasta ajudou o pai a esconder corpo? Os mistérios da morte da criança que a PJ tenta desvendar

Medida de coação máxima e um processo relativo aos outros filhos

Ao final da manhã desta quarta-feira, o tribunal confirmou as pretensões do Ministério Público que tinha pedido que ambos os arguidos ficassem em prisão preventiva, por perigo de fuga, de perturbação do inquérito e pelo alarme social. Márcia e Sandro Bernardo saíram o Tribunal de Leiria quase de seguida, algemados, em dois carros da Polícia Judiciária. Seguiram dois caminhos diferentes: a arguida vai aguardar os próximos passos judiciais no Estabelecimento Prisional de Tires, uma cadeia feminina. O arguido foi levado para o Estabelecimento Prisional anexo à Polícia Judiciária.

É certo que, estando em prisão preventiva, não poderiam continuar a cuidar dos outros filhos — duas crianças que têm em comum e um adolescente que é apenas filho de Márcia Bernardo. Mas mesmo que o tribunal venha a aligeirar as medidas de coação, essa guarda pode vir a ser perdida.

A revista Sábado avançou que o Ministério Público das Caldas da Rainha fez entrar um processo, com carácter de urgência, no Tribunal de Família e Menores, pedindo que essas crianças sejam retiradas ao casal. Ao Observador, a Procuradoria Geral da República confirma que, “relativamente às demais crianças do agregado familiar, foram tomadas providências judiciais, sob promoção do Ministério Público”, mas não dá mais informações sobre que providências foram essas, “tendo em conta a necessidade de preservar a privacidade” dos menores.

Não há ainda informações sobre eventuais recursos das defesas quanto às medidas de coação.

Maria João, Daniel, Joana, Vanessa. Eram crianças quando a família com quem viviam lhes roubou a vida

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