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A PJ com o pai de Valentina durante a reconstituição do crime no eucaliptal onde foi deixado o corpo da criança
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A PJ com o pai de Valentina durante a reconstituição do crime no eucaliptal onde foi deixado o corpo da criança

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A PJ com o pai de Valentina durante a reconstituição do crime no eucaliptal onde foi deixado o corpo da criança

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Da serenidade durante a buscas à postura derrotista na reconstituição do homicídio da filha. O comportamento do pai de Valentina

Sandro começou sereno e foi ficando nervoso de dia para dia. Deu pistas contraditórias, mentiu sobre o sonambulismo da filha e escorregou na história do aconchegar os lençóis. No fim, parecia um robô.

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Oito e meia da manhã. Sandro Bernardo entrou no posto territorial da GNR de Peniche, acompanhado pela mulher, Márcia Bernardo. Estava “sereno” segundo os agentes que registaram a participação do desaparecimento da sua filha. Um desaparecimento que ambos sabiam tratar-se de uma simulação para ocultar o que realmente acontecera. E o que realmente terão feito. Àquela hora já Valentina Fonseca, de nove anos, estava morta e o seu corpo tinha sido escondido num eucaliptal e tapado com ramos de arbustos.

A versão que contou aos agentes da GNR foi aquela que se espalhou pela população de Atougia da Baleia e em publicações no Facebook replicadas centenas de vezes: a de que a criança teria desaparecido na madrugada de quarta para quinta-feira. Que a tinha deitado às 23h00 e que depois a tinha ido aconchegar por volta das 1h30. E que de manhã Valentina já lá não estava. Mas Sandro Bernando deu também outra informação às autoridades: que não era a primeira vez que desaparecia e que, já na Páscoa do ano passado, tinha fugido da sua casa por ter saudades da mãe com quem vivia a maior parte do tempo — deixando no ar a hipótese de que, desta vez, poderia ter acontecido o mesmo. Mais: disse também que a menina seria sonâmbula.

Foto do dia 08 maio de 2020 do pai (D) da menina desaparecida durante as buscas após ter sido declarado o seu desaparecimento na Atouguia da Baleia, Peniche. O pai e a madrasta foram detidos pela Polícia Judiciária (PJ) por suspeitas de envolvimento na morte da criança de nove anos, 10 de maio de 2020. CARLOS BARROSO/LUSA

Sandro Bernardo, na sexta-feira, durante as buscas levadas a cabo para encontrar a filha

CARLOS BARROSO/LUSA

A história dessa primeira fuga é verdadeira. Mas Valentina foi encontrada, com vida, por um agente da GNR que a viu sozinha na rua e a levou de volta a casa. Algo que  fez com que fosse sinalizada pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Peniche. Os pais foram inquiridos e a conclusão a que se chegou — que fora um episódio isolado e que não havia sinais de maus-tratos — levou a que o processo fosse arquivado um mês depois, disse ao Observador fonte da CPCJ.

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Desta vez tudo foi diferente. Valentina foi encontrada já sem vida, na berma de um eucaliptal na Serra D’el Rei, a cerca de oito quilómetros da casa do pai. O corpo, deixado debaixo de uns ramos de um pinheiro partido de propósito para o efeito, foi retirado do local no domingo de manhã — três dias depois de se terem iniciado as buscas. Três dias em que o comportamento de Sandro Bernando se foi alterando, mantendo-se ainda assim “sereno”, “tranquilo” e algo “displicente”, segundo quem o foi vendo por perto.

Valentina foi vestida depois de morta? Madrasta ajudou o pai a esconder corpo? Os mistérios da morte da criança que a PJ tenta desvendar

Entre a casa e o café, Sandro vagueou na rua durante as buscas. “Estava despreocupadíssimo”, mas atento aos movimentos das autoridades

Logo nesse primeiro dia do alerta do desaparecimento, a freguesia foi ‘invadida’ por mais de 600 pessoas — autoridades, civis e escuteiros — que se juntaram para procurar Valentina. Nenhuma delas era o pai. É certo que a mãe também não participou nas buscas. “Sentiu-se mal logo no primeiro dia. Desmaiou e foi para o hospital“, conta ao Observador uma vizinha e colega de Sandro, adiantando que, logo de seguida, voltou e permaneceu ali, quase sempre na rua onde a sua filha foi vista com vida pela última vez, a casa do pai, na R. D. Jerónimo de Ataíde. Talvez tenha ido ao Bombarral, onde vive, algumas vezes, para depois voltar e acompanhar as buscas até se confirmar o pior cenário.

Já a madrasta de Valentina saiu de casa nesse mesmo dia. Isolou-se na casa de um familiar, mesmo atrás da sua: foi para lá com os três filhos logo após ter participado o suposto desaparecimento e só saiu de lá diretamente para a Polícia Judiciária (PJ) de Leiria, onde acabaria por ficar detida.

Pai de Valentina a chegar à sua casa para reconstituir o alegado crime

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Sandro Bernardo acabou por andar sozinho a vaguear na rua da sua casa, caminhando de óculos escuros entre a residência e a pastelaria “Forno da Vila”, a cerca de 100 metros — foi, aliás, lá que passou grande parte do tempo. “Andou por ali, mas nunca participou nas buscas. Via-o a andar para um lado e para o outro. Ia beber um café. Lá falava com um e com outro, muito calmo, muito sereno. Demasiado calmo — o que foi notado por muita gente”, conta ao Observador o presidente da Junta de Freguesia de Atouguia da Baleia, Afonso Clara, admitindo que ficou até “incomodado por perceber a forma displicente como ele se movimentava e interagia com as pessoas, numa situação daquelas, com a filha perdida”. “Para nós estava perdida, para ele não“, lamenta.

O comportamento de Sandro suscitou até críticas entre a população. No domingo, no dia em que foi detido por suspeitas de ter assassinado a filha em coautoria com a madrasta, ainda alguns moradores falavam disso:

— Estava muito calmo. Estava sempre aqui à porta da pastelaria, sempre aqui à porta da pastelaria…

— Eu vi-o a ele, muito à vontade.

Uma postura que contrastava com a da mãe de Valentina, “sofrida e angustiada”, diz o autarca. “Esteve aqui todos os dias. Todos os dias junto ao posto de operações. Fez muitos apelos no Facebook”, conta ao Observador uma vizinha, notando também aqui uma diferença: ao longo de todos os dias de buscas, Sandro Bernando nunca recorreu às redes sociais para divulgar o desaparecimento da filha.

Sandro Bernardo entra no local onde o crime terá acontecido com os inspetores da PJ

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Mas Sandro mostrou-se interessado na atividade da GNR. “Perguntava às autoridades como é que as buscas estavam a decorrer. Presumo que era para ter bem a noção do desenvolvimento que as coisas estavam a ter”. Em conferência de imprensa, o capitão Diogo Morgado, da GNR das Caldas da Rainha, revelou que o pai foi algumas vezes ao posto de operações para “obter informações sobre a atividade, sobre o que se estava a fazer”. Deu “pistas” que foram recolhidas e analisadas. Mas essas pistas acabariam por ser contraditórias umas com as outras e por se virar contra ele.

As contradições sobre o sonambulismo, a falta de pormenores no discurso e a história do aconchegar os lençóis

Na tarde de quinta-feira, o autarca sentiu a necessidade de falar com Sandro para lhe dar uma palavra de apoio e detetou, logo ali, uma alteração na história. “Puxei-o à parte para lhe fazer duas ou três questões. Perguntei-lhe como é que a menina tinha saído e ele contou aquilo que já se sabia. E perguntei se a menina era sonâmbula e se teria descido as escadas assim”, conta Afonso Clara. Sandro, contrariando aquilo que tinha dito no momento da participação do desaparecimento, terá respondido: “Não, não é nada sonâmbula. Isso deve ser um mal-entendido. A menina não é sonâmbula”.

"Perguntei-lhe como é que a menina tinha saído e ele contou aquilo que já se sabia. E perguntei se a menina era sonâmbula e se teria descido as escadas assim", conta Afonso Clara. Sandro, contrariando aquilo que tinha dito no momento da participação do desaparecimento, terá respondido: "Não, não é nada sonâmbula. Isso deve ser um mal-entendido. A menina não é sonâmbula".

Foi nesse dia que o pai de Valentina foi ouvido pela PJ pela primeira vez. Na sexta-feira de manhã, as autoridades entraram na casa para fazerem perícias no local onde a criança tinha sido vista pela última vez. E também nesse dia voltou a ser ouvido. No sábado, quando o caso já começava a atrair cada vez mais a atenção da população e dos jornalistas, as buscas continuaram e Sandro deixou de estar tão calmo para começar a mostrar sinais de nervosismo. E foi ouvido pela terceira vez pelos inspetores da PJ que notaram que o homem de 32 anos estava mais inquieto do que o habitual pela noite dentro.

Pai de Valentina esconde-se no carro da polícia

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“É natural falar-se várias vezes e que haja um contacto frequente e próximo com a família pelo menos na fase em que os contornos do caso estão mal definidos”, conta ao Observador fonte da PJ, adiantando que os investigadores, ao ouvirem a sua versão dos factos, se focaram em pormenores: os chinelos que a menina levava calçados eram havaianas ou de outro tipo? E o casaco era azul claro ou escuro? Na noite em causa estava frio ou calor? Por que é que foi ao quarto aconchegar a filha? Foi exatamente nesta resposta que o pai terá escorregado, sem saber o que responder, para depois introduzir outros elementos na história.

Maria João, Daniel, Joana, Vanessa. Eram crianças quando a família com quem viviam lhes roubou a vida

Os investigadores, ao ouvirem a sua versão dos factos focam-se em pormenores: os chinelos que a menina levava calçados eram havaianas ou de outro tipo? E o casaco era azul claro ou escuro? Na noite em causa estava frio ou calor? Por que é que foi ao quarto aconchegar a filha? Foi exatamente nesta resposta que o pai terá escorregado, sem saber o que responder, para depois introduzir outros elementos na história.

Não terá confessado que matou a própria filha, mas acabou por dar informações à polícia sobre o local onde a terá abandonado. “Conseguimos informações que foram suficientes para chegarmos sozinhos ao sítio onde estava o corpo. O que não quer dizer que nos tenha sido dito expressamente onde: recolhemos alguma informação que, cruzada com outra que já tínhamos, nos conduziu para a localização do corpo. E depois a localização do corpo deu-nos informação adicional que permitiu fazer mais diligências com os dois suspeitos”, explica ainda ao Observador a mesma fonte da PJ.

Cabisbaixo, máscara na cara e capuz enfiado na cabeça. Sandro funcionou como um robô a mostrar à polícia a sua versão dos factos

Parte dessas “diligências” puderam ser vistas por todos os que se dirigiram ao eucaliptal onde o corpo de Valentina foi deixado. Sandro e Márcia Bernardo foram detidos na manhã de domingo por suspeitas dos crimes de homicídio e profanação de cadáver e, nessa tarde, fizeram a reconstituição dos factos ou, pelo menos, da sua versão dos factos. Ou seja, mostraram aos investigadores como é que os crimes teriam acontecido.

Sandro Bernardo aguarda instruções da PJ durante a reconstituição do crime

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Primeiro Sandro. Chegou à sua casa — o alegado local do crime — por volta das 17h00 de domingo. Movimentou-se seguindo estritamente as ordens dos investigadores. Aguardava um sinal para sair do carro e, até, para dar um passo. Depois, dirigiu-se para o eucaliptal no carro da PJ: sentando no banco de trás, escondia a cabeça enfiando o capuz para se esconder da população que lhe gritava insultos. Lá chegado, entrou eucaliptal adentro, cabisbaixo e ombros descaídos. Entre o arvoredo e sob o olhar atento dos investigadores, ia levantando no ar e pondo no chão ramos de uma árvore, numa imitação do que fizera na realidade.

As 72 horas de buscas por Valentina: o crime e a investigação, passo a passo

Depois voltou para a PJ de Leiria onde está detido e deu vez à mulher, madrasta de Valentina. Também ela se dirigiu à casa e ao eucaliptal para reconstituir os factos. Fizeram cada um a reconstituição do crime individualmente. Aliás, foram separados a partir do momento em que começaram a ser interrogados (na noite de sábado e madrugada de domingo) — para evitar que pudessem, entre eles, combinar o que diriam aos inspetores.

Enquanto decorriam as diligências, a população ia-se questionando. “Não me posso esquecer que ontem à noite falei com ele ali ao pé daquele poste onde foram agora pôr flores. Perguntei-lhe como é que ele se estava a aguentar e ele encolheu os ombros”, diz uma vizinha ao Observador. Falou com ele às 23h00 de sábado: na manhã seguinte seria detido.

Pai de Valentina é fotografado pelos elementos da PJ durante a reconstituição do crime

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Ainda pergunta porquê. Mas, dois dias depois, a população de Atouguia da Baleia já sabe o como: o resultado preliminar da autópsia à criança  aponta para uma morte violenta, com lesões em vários locais, incluindo na cabeça, e indícios de asfixia.  No entanto, por ser um relatório preliminar, não é possível ainda dizer se alguma destas agressões resultou na morte ou as duas situações em simultâneo.

Esta terça-feira, o casal vai ser presente a um juiz a quem podem decidir prestar declarações e que vai decidir quais as medidas de coação a aplicar. Pelos crimes que estão indiciados Sandro e Márcia arriscam a pena máxima de 25 anos de prisão. Uma pena que pode, no entanto, ser diferente para os dois já que, como disse uma fonte ligada à investigação ao Observador, ambos terão responsabilidade em “graus diferentes” no alegado crime.

Valentina teve uma morte violenta, com lesões na cabeça e indícios de asfixia, indica o resultado preliminar da autópsia

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