Sandra Andrade foi a primeira. A motorista de Uber, de 49 anos, desapareceu no final de junho do ano passado, depois de ter saído para fazer um serviço. Quando o carro que conduzia, um Opel Astra, apareceu, em Olhão, a cerca de 30 quilómetros de Quarteira, onde morava, não foram encontrados quaisquer vestígios da mulher.
Isso só aconteceria em agosto, quando um homem, incomodado com o odor que se fazia sentir na zona de campo que estava a trabalhar, em Almancil, no concelho algarvio de Loulé, chamou a polícia, que fez uma descoberta macabra e encontrou o corpo de Sandra, esquartejado, dentro de uma mala.
Até Josiele Rodrigues Fontes também ser dada como desaparecida passaram quatro meses. Em dezembro, a brasileira, de 25 anos e a viver em Lisboa há cerca de um ano, terá tido de se deslocar, em trabalho, ao Algarve. Os amigos e a família estranharam quando se passaram vários dias sem que conseguissem estabelecer contacto com ela.
Quando foi feita a queixa às autoridades, rapidamente se apurou que a última vez que Josiele tinha sido vista foi no dia 5, justamente em Vilamoura, Quarteira. O corpo só viria a ser encontrado no fim de janeiro, queimada, numa zona de mato, em Ourique, no Alentejo.
Jovem desaparecida desde 5 de dezembro em Vilamoura. Telemóvel está desligado: Josiele Rodrigues vivia há um ano em Lisboa e veio ao Algarve por motivos profissionais https://t.co/znCOVFLiXy pic.twitter.com/l4xFRPGM6L
— Postal do Algarve (@postaldoalgarve) December 19, 2022
Encontrar o responsável pelo homicídio da motorista de TVDE Sandra Andrade e da brasileira Josiele Fontes, que as autoridades rapidamente perceberam que podia ser a mesma pessoa, foi uma verdadeira caça ao rato. Logo no início do ano, ainda em janeiro, a PSP e a Polícia Judiciária (PJ) fizeram uma operação conjunta para deter o homem, de nacionalidade portuguesa e 26 anos, por suspeitas de ligação aos homicídios e de tráfico de droga.
Nesse dia, a PSP, que investigava o tráfico de droga, e a PJ de Faro, que tinha em mãos o inquérito dos homicídios, avançaram em força no sul do país — foi inclusivamente solicitada a “intervenção da Unidade Especial de Polícia e do Grupo de Operações Especiais da PSP”, explicou ao Observador fonte próxima da investigação.
Dois irmãos do suspeito, também visados no inquérito da droga, foram detidos, mas o homem já não se encontrava no local. Mais tarde, conta a mesma fonte, veio a perceber-se que já não estaria sequer no sul do país.
Man arrested is suspected of killing Sandra Andrade and Josiele Rodrigues.https://t.co/jfhGrKPdXm#arested #murder #SandraAndrade #JosieleRodrigues #crime #Portugal #news #algarve #algarvedailynews #latestnews #algarvenews #localnews pic.twitter.com/5DV6rsdbqq
— Algarve Daily News (@algarve_news) February 3, 2023
Nessa altura, sabe o Observador, a Polícia Judiciária alargou o perímetro das buscas, tendo acabado por conseguir deter o homem esta quarta-feira, dia 1 de fevereiro, nos subúrbios de Lisboa — foi uma operação de localização que precisou de vários dias.
Esta quinta-feira, o suspeito foi levado ao Tribunal de Faro, tendo o juiz de instrução criminal decidido não aplicar qualquer medida de coação privativa de liberdade.
Mas ainda faltava responder pelo processo de tráfico de droga. Logo de seguida, explica fonte ligada ao processo, antes de as autoridades lhe perderem de novo o rasto, foram cumpridos pela PSP os mandados de detenção do Ministério Público no âmbito do inquérito por tráfico de droga. E dessa vez o tribunal decidiu aplicar a medida de coação mais gravosa: prisão preventiva.
Características de serial killer e uma pena de 12 anos e um mês revogada
Ao Observador, uma fonte da Judiciária explica que o suspeito tem características típicas de serial killer. E confirma que não é sequer a primeira vez que este homem está envolvido num crime desta natureza.
Em agosto de 2018, Tatiana Mestre, de 29 anos, foi encontrada morta, com as mãos amarradas com atacadores, uma camisola a tapar a cara e o corpo parcialmente queimado, dentro de um carro em Quarteira.
Escreveu na altura o Correio da Manhã, José Mascarenhas, também conhecido como “Kenny”, então com 22 anos e morada em Almancil, foi detido três meses depois, acusado do crime e condenado pelo coletivo de juízes do Tribunal de Faro a 12 anos e um mês de prisão.
Durante a autópsia, pode ler-se nas notícias da época, foram encontrados vestígios biológicos do suspeito no corpo da vítima, tendo-se confirmado que ambos tinham mantido relações sexuais antes da morte — como não havia sinais de violência, a conclusão do tribunal foi de que o sexo teria sido consensual e que “o móbil do crime estaria ligado a tráfico de droga”.
A sentença foi proferida a meio de dezembro de 2019. Cinco meses mais tarde, e após 20 meses na cadeia, José Mascarenhas foi libertado pelo Tribunal da Relação de Évora, que arrasou a decisão original e acusou os juízes do tribunal de Faro de terem dado demasiada importância às provas de ADN que apontavam para o suspeito.
“Podem ser várias as circunstâncias e razões para o ADN de um indivíduo estar no local” argumentou a Relação, mais uma vez citada pelo Correio da Manhã. “O perfil de ADN não pode ser mais do que uma ferramenta probatória ao serviço da investigação e da punição. É prova (…) que deve ser complementada”, acrescentaram ainda os juízes desembargadores, apontando erros e chamando a atenção para o facto de em Faro não ter sido dada “qualquer importância aos cabelos que a vítima agarrava com a mão direita”.
Segundo o acórdão, uma vez que os cabelos não eram nem da vítima nem do arguido, deviam ter sido considerados outros suspeitos. De acordo com o CM, a Relação de Évora acusou ainda os juízes de se terem deixado “impressionar” pelos vestígios de ADN do suspeito encontrados noutras provas, desde as unhas da vítima aos atacadores e cabos usados para a manietar, passando pela camisola com que foi asfixiada até à morte, as cuecas que usava e a sua própria vagina.
Uma vez em liberdade, o homem chegou ainda a pedir uma indemnização ao Estado português, pelos 20 meses que passou na prisão — 115.579 euros foi o valor para que apontou, os tribunais disseram-lhe que não.
Os principais eixos que têm ligado estes dois casos — e que voltam a remeter para o homicídio por que o suspeito foi condenado na primeira instância em 2018 — são a violência exercida, a tentativa de destruição dos corpos e os indícios de que terá mantido relações sexuais com todas as vítimas.
Questionada pelo Observador sobre se a motivação para os crimes poderá ou não ter sido a rejeição do suspeito por parte destas mulheres, como entretanto foi avançado por alguma imprensa, fonte próxima da investigação explica que, pelo menos para já, não há quaisquer conclusões nesse sentido. E recorda que a investigação ainda está em curso e, por isso, sujeita a segredo de Justiça.